A inclusão chega de fato a Fernandópolis

20 de Agosto de 2025

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A inclusão chega de fato a Fernandópolis

Por décadas, muito se falou e nada se fez de concreto pela inclusão social dos deficientes fernandopolenses. Essa semana, no entanto, a atual administração deu um gigante passo em busca da tão almejada inclusão, ao contratar o professor Marcelo Cavalotti Ule para atuar como coordenador do projeto que implantará a linguagem de “Libras” nos espetáculos públicos em Fernandópolis. Formado em história, pedagogia, filosofia, além de ser especializado em gestão de inclusão, tradução e intérprete em Libras, Ule foi quem concebeu o projeto que permitirá acessibilidade, para os surdos, às apresentações artísticas em Fernandópolis.

 

Como surgiu a ideia do projeto que implantará a linguagem de Libras nos espetáculos públicos em Fernandópolis?

A ideia surgiu em uma conversa com o intérprete e professora de Libras Mayra Branco, onde pensamos em seguir os mesmos passos dados pela atriz Tatá Verneck, que implantou um teatro inclusivo na cidade do Rio de Janeiro. Em uma conversa com as funcionárias (da secretaria de Cultura) Ana Paula e Rina, resolvemos fazer o teste em um espetáculo da mostra do ano de 2013 onde a intérprete Mayra convidou alguns surdos para prestigiar o evento. Percebemos ali, uma grande aceitação, foi aí que resolvemos criar um projeto especifico para a cultura.

Em que consiste esse projeto?

Consiste em dar acessibilidade às pessoas com deficiência auditiva nos espaços culturais, adquirindo uma coisa que até então estava bem longe da realidade do surdo: os espetáculos teatrais. Com certeza será um ganho para a comunidade surda.

Qual a importância dele?

A importância desse projeto é acima de tudo pensar no papel social, que cada um de nós tem dentro da sociedade, e introduzir esse projeto dentro da secretaria da Cultura fará com que esse papel social e cultural seja garantido para esse público específico. Acredito que esse projeto quebrará vários paradigmas preconceituosos, pelo simples fato de que a comunidade surda passará a ter contato direto com os frequentadores do teatro, além de fazer com que eles adquiram uma cultura que até então não tiveram oportunidade.

 Como foi a receptividade por parte das autoridades fernandopolenses?

A diretora do teatro Ana Paula Cirilo imediatamente comprou a ideia levando a proposta até a prefeita Ana Bim que ficou entusiasmada com o projeto. Ela disse que tinha colocado em seu programa de governo a inclusão social como um dos mais importantes capítulos e que essa era uma grande chance para que também os deficientes auditivos possam penetrar no mundo fascinante das artes cênicas. A prefeita deu total apoio ao projeto. É muito gratificante quando autoridades abraçam projetos que mudam a vida das pessoas, com toda certeza nós percebemos uma humanidade e preocupação de forma igualitária perante todos os cidadãos.

 Te surpreendeu tal receptividade?

Com certeza não são todas as pessoas que se preocupariam em estar implantando essa nova ideia de inclusão e chegar com uma proposta dessas e de imediato as pessoas da secretaria da Cultura e a nossa prefeita dar total apoio foi fantástico.

Acredita que a interpretação de espetáculos em Libras deveria ser lei nacional e não um projeto municipal, como é o caso em Fernandópolis?

Existem leis que promovem acessibilidade a todas as pessoas, porém essas leis se resumem basicamente para o âmbito da educação. Se houvesse a implantação de leis para acessibilidade relacionada ao lazer, com toda certeza todas as pessoas com algum tipo de deficiência sairiam ganhando muito e com certeza haveria um crescimento muito maior por parte da aceitação e respeito da sociedade.

Qual sua ligação com as pessoas com deficiência auditiva? Já teve ou tem algum caso na família?

Não tenho nenhum membro da minha família com deficiência, mas nos cursos que fiz a Libras estava sendo implantada e nós tínhamos que cumprir algumas horas nessa área e acabei ficando curioso pelo fato de achar a língua de sinais uma linguagem muito bonita, foi onde conheci a intérprete Mayra Branco e acabei me aprofundando nesse universo novo.

Além do projeto que a partir de agora o senhor comanda, tem mais algum em mente?

Estamos começando essa inclusão com os surdos, mas já estamos conversando com a diretora Ana Paula e o secretario Vic Renesto a respeito de estar implantando a inclusão cultural para todos os tipos de deficiência. Este ano estaremos vendo a possibilidade de entrar em contato pessoas capacitadas, para ver como funcionaria a implantação de inclusão para os deficientes visuais.

A primeira apresentação com tradução em Libras acontecerá no dia 10 de abril. A data foi escolhida por algum motivo em especial, ou é o tempo necessário para preparação?

O tempo é necessário para a preparação, organização e divulgação, porém estamos seguindo o calendário da secretaria de Cultura, onde no dia 10 de abril acontecerá uma apresentação do Circuito Cultural Paulista com o espetáculo “Elza e Fred”. Estamos ansiosos com essa estreia e aproveito para convidar a todos, inclusive a comunidade surda, para que compareça e prestigie esse novo projeto.

Em Santa Fé do Sul, por exemplo, existe uma secretaria Municipal destinada à defesa dos direitos da pessoa com deficiência. Acredita que todos os municípios do país deveriam tomar essa iniciativa?

Com toda certeza. Se cada município adotar essa forma de inclusão, estaríamos pondo em prática o nosso papel social. Cada administrador deveria se preocupar com esse tipo de inclusão, pelo fato deles serem pessoas praticantes e atuantes dentro da nossa sociedade.

Em sua opinião, qual é a principal dificuldade para a real inclusão social dos deficientes em Fernandópolis?

 Um dos grandes problemas da dificuldade da inclusão social começa com a falta de informação. As pessoas não conhecem e as vezes não querem conhecer esse mundo que está tão perto de nós. Estamos vendo que as autoridades fernandopolenses estão nos dando total apoio, acredito que ainda falta uma mobilização de todas as pessoas da nossa sociedade em receber e apoiar todo e qualquer tipo de deficiência. Acredito que também existe alguns preconceitos por parte das pessoas com deficiência às vezes por medo de não serem aceitas.

Há alguns anos, a pauta já vem sendo colocada em discussão. Mas apesar disso, tem invisibilidade, principalmente pela falta de conhecimento das pessoas. Quais são os maiores desafios para os deficientes na sociedade?

Não podemos negar a falta de preparo e informação por grande parte das pessoas que atuam em vários aspectos da sociedade. Muitas vezes isso ocorre não por falta de vontade, mas por falta de informação. Algumas pessoas não sabem nem o significado da sigla LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).  Infelizmente, grande parte da população de pessoas com necessidades especiais vive ainda no contexto da segregação, isso faz com que o surdo ou quaisquer outras pessoas com necessidades especiais acabe se ausentando de participações importantes da nossa sociedade, ressaltando uma questão específica, mas não única a inclusão cultural. As barreiras humanas e sociais impõem-lhe restrições ao exercício da cidadania plena, de uma vida digna e participativa. Esta realidade social demanda de esforços do poder público, das associações e da sociedade em geral, no sentido de promover melhoria de vida de toda uma coletividade de forma igualitária e democrática.

Em algumas universidades a libras é matéria obrigatória. Como o senhor define a importância de um profissional saber a língua de sinais?

Além de inúmeras disciplinas específicas de área a serem cursadas, muitos alunos dos cursos de graduação se deparam com a obrigatoriedade de aprender a língua brasileira de sinais, quando então surgem várias perguntas: por que devo aprender Libras?  Podemos responder essa questão de uma forma simples: qual é a finalidade de qualquer um de nós aprendermos outro idioma? Acredito que muitos irão responder a comunicação com uma pessoa de outro país, agora porque não aprender uma língua para podermos nos comunicar com pessoas que convivem na mesma sociedade que nós?

Quais livros o senhor indicaria para quem quer aprender Libras?

O recomendado para uma pessoa que queira aprender a língua de sinais, é procurar um curso específico. A Libras é uma língua totalmente diferente da nossa, ela possui uma gramática diferente, sendo às vezes até mais complexa, além de ser uma língua visogestual. Ela não se baseia somente em saber os sinais, mas ela traz consigo uma junção face, corpo e sinais. Existem os dicionários de Libras, dicionário virtual e agora um dicionário trilíngue, porém, esses dicionários acabam sendo fonte de pesquisa para alunos que estão cursando graduação, especialização voltada para a Libras.

O que o motivou a trabalhar com Libras?

Desde quando tomei os primeiros contatos com essa nova língua, percebi uma beleza dentro das interpretações e traduções. Acabei então me deparando com algumas situações dentro dos cursos, com surgimento de leis sobre inclusão que, no começo, confesso que fiquei meio assustado perante o que era passado. Acredito que pela falta de informação, resolvi me envolver e procurar cursos para aprender um pouco mais e me especializar.

A discriminação por parte da sociedade é uma falta de conhecimento sobre os surdos?

A falta de conhecimento faz com que as pessoas não busquem informações a não ser se tiver algum problema dentro da família. A falta de conhecimento sugere hipóteses sobre os surdos são algumas delas: “Todo surdo é mudo”, “Acessibilidade para surdo é fácil e só colocar uma janelinha com interprete na TV,” “Crianças surdas devem estudar em escolas para surdos”, essas são só algumas questões preconceituosas com certeza por falta de conhecimento, onde se sugere que é só “esconder” o surdo em casa que fica tudo certo, essa discriminação acontece muito pela sociedade isso é decorrente pela falta de informação.