Das 13 cidades da região, apenas Ouroeste não se opôs à criação de UTI Neonatal

20 de Agosto de 2025

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Das 13 cidades da região, apenas Ouroeste não se opôs à criação de UTI Neonatal

Das 13 cidades da microrregião de Fernandópolis, Ouroeste foi a única que não contestou a ação civil pública do Ministério Público, que pedia que as mesmas custeassem a instalação de uma UTI – Unidade de Terapia Intensiva - Neonatal na Santa Casa fernandopolense.  

A ação foi julgada parcialmente procedente pelo juiz da Vara da Infância e Juventude Evandro Pelarin, que deu 12 meses, sob pena de multa diária de R$5 mil, a contar de 9 de dezembro de 2014, para que os municípios de Fernandópolis, Estrela d’Oeste, Ouroeste, Guarani d’Oeste, Indiaporã, Macedônia, Pedranópolis, Meridiano, Turmalina, Mira Estrela, Populina, São João de Iracema e São João das Duas Pontes, além da Irmandade Santa Casa e Governo do estado de São Paulo, à instalarem UTI Neonatal junto à Santa Casa de Fernandópolis, com todo o aparato necessário (aparelhos, medicamentos, médicos, enfermeiros e outros), bem como o número mínimo de leitos exigidos pela respectiva norma de referência.

No entanto, o que mais chamou atenção na sentença, que só veio à público no final deste mês, foi que apesar da morte de pelo menos três crianças, nos últimos sete anos, em decorrência da falta da unidade específica, as prefeituras da região insistem em afirmar que não veem necessidade de instalação da mesma, como foi o caso da própria Prefeitura de Fernandópolis, que nos autos, afirmou “não haver qualquer necessidade de implantação da requerida UTI Neonatal na cidade, haja vista que as emergências são pontualmente encaminhadas, após contato com a Central de Regulação do Estado, a uma de suas unidades”.

O mesmo afirmou a Prefeitura de Estrela d’Oeste, que em sua defesa, “diz ser desnecessária a implantação de nova UTI Neonatal, porquanto os leitos daquelas já existentes nas microrregiões vizinhas estariam ociosos”.

Os municípios de Pedranópolis, Indiaporã, São João das Duas Pontes e Turmalina, em suas respectivas respostas ao juízo, atribuíram a responsabilidade quanto à instalação de UTI Neonatal ao gestor estadual, “pois os municípios somente responderiam pela atenção básica, aduzindo, ainda, quanto ao imposto repasse dos recursos para a correquerida Irmandade, que sem laudo técnico de avaliação do Grupo de Vigilância Sanitária de Jales, eventual unidade de tratamento ficaria impossibilitada de credenciar seus serviços junto ao Ministério da Saúde e Secretaria de Estado da Saúde; além do que, e mesmo com a instalação da requerida unidade de tratamento, correr-se-ia o risco de a vaga, por questões administrativas internas, ser disponibilizada noutra unidade que não está porventura instalada na cidade de Fernandópolis”.

São João das Duas Pontes e Mira Estrela alegaram a incompetência da Justiça Estadual para o conhecimento e o julgamento da presente demanda, “pois entendem que a União devia compor o seu polo passivo, com a consequente remessa ao respectivo Juízo”.

Afirmaram também que o “polo passivo da ação deveria ser formado por todos os municípios que se situem no eixo Santa Fé do Sul/São Paulo, em litisconsórcio unitário e necessário, porque a instalação de uma UTI Neonatal na cidade Fernandópolis a todos beneficiaria, devendo, portanto, todos eles suportarem o ônus de sua construção e não um ou outro. No mérito, entretanto, disseram que se todos os municípios que menciona colaborarem, não se opõem em contribuir com o que, respectivamente, lhe couberem”.

Populina, a seu turno, assevera que “cumpre integralmente as normas que lhe impõem obrigações para com a saúde de seus munícipes, ressaltando, ademais, que somente responde pela atenção básica, encaminhando seus pacientes, quando necessário, ao AME de Votuporanga ou mesmo ao Hospital de Catanduva, não havendo, portanto, necessidade de instalação da pretendida unidade de terapia intensiva especializada”.

Meridiano e Guarani d’Oeste, apesar de devidamente citadas, sequer se pronunciaram sobre o caso.

Os argumentos das prefeituras foram rebatidos pelo juiz da vara da Infância e da Juventude, Evandro Pelarin, que lembrou da morte das três crianças.

“Os arranjos administrativos até agora utilizados pelos requeridos buscando levar a efeito os ditames da lei, consistentes no transporte de parturientes e recém-nascidos que necessitam de uma UTI Neonatal para outras cidades que disponham desse serviço, logo após contato com a Centra de Regulação, não vêm se mostrando suficientes, tanto que, ao menos três mortes, decorrentes da apontada ineficiência estatal, foram aqui noticiadas. Repita-se: morte de crianças”, frisou o juiz em sua sentença.

Ainda de acordo com Pelarin, apesar de os depoimentos de pessoas ligadas à Santa Casa e de uma coordenadora de saúde de Pedranópolis apontarem pela aparente desnecessidade de instalação de UTI Neonatal na cidade de Fernandópolis, pois sobrariam vagas nas unidades de Jales, Votuporanga, São José do Rio Preto e Catanduva, para onde, em regra, são encaminhados os pacientes neonatos e/ou suas parturientes, a “impressão” não condiz com a realidade.

“As vagas, depois de solicitadas, são disponibilizadas no período de duas a sete horas, podendo até mesmo, em casos excepcionais, passar de um dia para o outro. Ora, se uma parturiente ou um recém-nascido, numa situação de emergência médica, precisa aguardar, no mínimo, duas horas até a disponibilização de vaga em UTI Neonatal, mais o tempo necessário para o traslado, que, não raras vezes, pode se dar para a cidade de Catanduva, como afirmaram as testemunhas, distante de Fernandópolis mais de 150 km, a necessidade de uma unidade terapêutica intensiva para tratamento de tais casos nesta microrregião administrativa jaz premente. Não parece crível, que uma parturiente e/ou recém-nascido com problemas de saúde, depois de aguardar, no mínimo, duas horas a disponibilidade de vaga, mais o tempo necessário ao percurso, tenha as mesmas chances de cura daquele que é imediatamente atendido”, concluiu o juiz.

OUTRO LADO

Em entrevista à Rádio Difusora, o secretário de Assuntos Jurídicos de Fernandópolis Marlon Santana e a secretária de Saúde Ligia Barreto esclareceram que a contestação havia sido realizada em 2011 e que a atual administração tem sim interesse na implantação de uma UTI Neonatal.

“A ação é de 2011 e a contestação que aponta a não necessidade de uma UTI Neonatal em Fernandópolis é daquela época. Depois que vocês comentaram o caso aqui pela emissora, fui analisar essa contestação e pude observar que ela foi feita de uma maneira muito técnica. Quando essa contestação aponta pela não necessidade, é porque estudos do governo do Estado apontavam que a demanda era atendida e talvez a época eles não soubessem da demanda reprimida”, explicou o secretário.

Ainda de acordo com os secretários, a prefeita Ana Bim sabe da necessidade e é a favor da UTI Neonatal em Fernandópolis.

“Momento algum nós somos contra a UTI Neonatal e a prefeita Ana Bim deixou isso já muito bem claro, só que o município não poderia arcar com esse ônus sozinho. De acordo com o Pacto Nacional da Saúde, ao município cabe a atenção básica e não seria justo nós tirarmos recursos da atenção básica, ou seja, tirar dinheiro dos remédios distribuídos pela Prefeitura, por exemplo, para sanar um problema que seria de responsabilidade do Estado”, completou a secretária de Saúde Lígia Barreto.   

AS MORTES

Em 2007, o casal Alessandro Ribeiro da Silva e Rita de Cássia dos Santos, ambos com 28 anos, esperava a chegada de suas filhas gêmeas, que já tinham seus nomes escolhidos: Lorraine Vitória da Silva e Laiane Mara da Silva.

Porém, no dia 10 de dezembro daquele ano, Rita de Cássia foi levada às pressas à Santa Casa, após entrar em trabalho de parto numa gravidez de risco e a falta de vagas em UTIs Neonatais da região resultou morte das duas crianças.

Os médicos inibiram o trabalho de parto por quase dois dias enquanto não surgia vaga em UTI Neonatal que comportasse os dois bebês em hospitais da região. Laiane morreu no dia 11, ainda na barriga da mãe. Lorraine nasceu no dia 12, sendo transferida à UTI Neonatal da Santa Casa de Jales, onde morreu no dia 14.

Já em junho de 2010 o mesmo se repetiu. Eurismara de Andrade Dias, teve de ser internada às pressas, na Santa Casa, com dores na barriga e contrações. Segundo ela, por ser prematuro, o médico plantonista indicou que ela fosse transferida para um hospital da região, equipado com UTI Neonatal. Depois de várias tentativas de falar na central, segundo ela, o médico teria informado que o pedido havia sido negado, uma vez que as UTIs de hospitais da região estavam lotadas.

Depois de quase dez horas de espera, e sem poder adiar o parto, Pedro Henrique nasceu, mas só viveu por mais duas horas.

SUSTO

Em junho de 2013 outro casal passou pela mesma dificuldade e, por pouco, também não perdeu a criança. Na ocasião, após duas semanas transcorrendo com a equipe de médicos do hospital adiando o parto, o bebê Miguel Biscasse Martins nasceu com uma anomalia que fez com que seu coração apresentasse um tamanho inadequado para sua idade.

Segundo André Rodrigo Martins da Silva, pai de Miguel, os enfermeiros do hospital informaram que o estado da criança era grave e necessitava de transferência urgente para outro hospital com atendimento especializado. À época André disse à reportagem do CIDADÃO que havia esperado por mais de quatro dias pela transferência.

CONTROVÉRSIA

Causa estranheza o fato de a Prefeitura de Fernandópolis, hoje comandada por Ana Bim, afirmar “não haver qualquer necessidade de implantação da requerida UTI Neonatal na cidade”, sendo que no material de campanha política da prefeita, veiculado na campanha de 2012, em uma lista de 55 itens de prioridades em sua administração, a então candidata colocou a instalação da UTI Neonatal em primeiro lugar.

O material diz o seguinte:

“Amigo fernandopolense: No dia 7 de outubro, você terá a chance de reconduzir Ana Bim ao cargo de prefeita do município, ao lado do atuante vereador José Carlos Zambon, candidato a vice-prefeito. Com Ana Bim e Zambon, Fernandópolis retomará o caminho do desenvolvimento com justiça social. A volta de Ana Bim à prefeitura representará a redemocratização das relações entre os poderes constituídos, além de dar a vez e voz a todas as camadas da sociedade. Ana Bim é 55. Por isso, elencamos 55 razões para você votar nela.

01 – UTI Neonatal - Nos últimos anos, algumas tragédias aconteceram em Fernandópolis devido à inexistência de uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal na Santa Casa, a ponto do Ministério Público acionar judicialmente o município para que cumpra esse projeto. Com Ana Bim, a UTI Neonatal sairá do papel.”

SANTA CASA É CITADA

Em nota, a assessoria de imprensa da Santa Casa de Fernandópolis informou que a Irmandade “já foi notificada oficialmente quanto a decisão, da qual ainda cabe recurso. Assim a Mesa Diretoria, a Administração do Hospital e a Assessoria Jurídica ainda definirão quais as medidas que serão tomadas, por esta instituição”.

Ainda de acordo com a assessoria de imprensa da Santa Casa, “parte da estrutura física destinada para a UTI Neonatal já havia sido construída pela Santa Casa, entretanto apenas o hospital não conseguiria arcar com toda a infraestrutura, compra de equipamentos e manutenção daí a necessidade de auxílio dos municípios que a utilizariam e do Estado também serem citados na ação. No momento não há uma projeção de quanto ainda precisa ser investido para a finalização da obra, compra dos materiais, equipamentos e contratação da equipe necessária.

Por fim, a Santa Casa informou que ainda “não possui tal unidade pois, sendo destinada ao atendimento de pacientes do SUS, não há autorização da manutenção da mesma pelo Departamento Regional de Saúde (DRS – XV) de São José do Rio Preto, órgão vinculado à Secretaria de Estado da Saúde, já que as unidades existentes nesses moldes nas cidades de São José do Rio Preto, Votuporanga e Jales, suprem todas as necessidades regionais. Durante todo o ano de 2014, apenas 20 bebês necessitaram de transferência para alguma dessas unidades”.