Fernandópolis perde Nelson Cunha

20 de Agosto de 2025

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Fernandópolis perde Nelson Cunha

Foi sepultado nesta manhã no cemitério da Consolação o corpo de um ícone na história da cidade. Paramédico, operador de Raio X, presidente da Câmara por duas vezes (vereador em quatro mandatos), secretário de Saúde e do Bem Estar Social, Nelson Rodrigues da Cunha, 91, faleceu ontem vítima de um mal súbito. ele foi velado na Câmara Municipal.

Já bastante debilitado e de cama ele contava com a ajuda de uma enfermeira diariamente. Nelson é o fundador do Hospital das Clínicas e é considerado um dos homens que mais fez pela saúde pública de Fernandópolis.

 

Confira a última entrevista feita com Nelson Cunha pelo Jornal CIDADÃO, em maio de 2014.

A lenda viva Nelson Cunha: um desbravador da saúde em Fernandópolis

Batalhador incansável, exemplo, precursor da saúde pública. Estas são apenas algumas das várias maneiras de descrever o personagem histórico de Fernandópolis, Nelson Rodrigues da Cunha, o lendário Nelson Cunha.

Em nossa edição especial, não seria surpresa falar da vida de um ícone fernandopolense, e por isso, procuramos um entrevistado com a cara da cidade, aquele que criou seu próprio legado e cravou com firmeza seu nome nas páginas da história da famosa “terra moça”, com trabalho, honestidade e vontade de crescer juntamente com o desenvolvimento do “cantinho” onde escolheu viver.

Em 1924, um ano bissexto de eleições municipais, e ano de fatos marcantes na história do país, como o “5 de julho”, quando eclodiu a Revolta Paulista, a segunda revolta do Tenentismo, na cidade de São Paulo, o “12 de julho”, quando iniciou o levante militar em Bela Vista-MT, o “13 de Julho”, dia da revolta armada em Aracajú, o “23 de Julho” data da Comuna de Manaus (movimento tenentista ocorrido no Amazonas),além de outras datas como o “28 de Julho” quando Luis Carlos Prestes liderou os levantes tenentistas que originaram a Coluna Prestes, e o “5 de Novembro”, data em que foi instituído por decreto federal (nº 4867) o Dia das Crianças, pelo presidente Arthur Bernardes.

Neste mesmo ano, em que parecia estar predestinado a acontecimentos históricos, nascia em São José do Rio Preto Nelson Rodrigues da Cunha, 90, filho de José R. da Cunha e Noêmia da Cunha. Um homem que ajudaria, por meio de seus esforço, a levantar uma cidade. E quis o destino, que os trabalhos deste cidadão fossem prestados em Fernandópolis.

Com uma memória fantástica (afinal foram 50 minutos de entrevista) e um vigor físico de um garotinho, Nelson Cunha, paramédico, operador de Raio X, presidente da Câmara por duas vezes (vereador em quatro mandatos), secretário de Sáude e do Bem Estar Social, nos recebeu em sua casa e contou um pouco de vasta história. Pausadamente e com muita cautela ele destacou sua chegada a Fernandópolis, a fundação do hospital das clínicas, sua amizade com o ex-prefeito e deputado Estadual Ademar Monteiro Pacheco, sua iniciação na vida política, estratégias de combate à dengue (à época, não houve nenhum caso positivo durante sua administração), a desavença com Percy Waldir Semeghini e deixou uma mensagem para a população da cidade. Esses destaques você confere agora na entrevista com este ícone memorável.

 

Como e por que escolheu Fernandópolis para construir sua família e carreira profissional? E foi a política que o aproximou do amigo Ademar Monteiro Pacheco?

Me formei em São José do Rio Preto e trabalhei por lá no Hospital São Luis e no Hospital Santa Helena como paramédico/operador de Raio X. Eu quem tirava as chapas. Cheguei a trabalhar em São Paulo também em um hospital que já não recordo o nome, que tinha especialidade em ortopedia. Com aproximadamente 20 anos eu me casei com a enfermeira Bruna Tereza Sutto e resolvi me mudar para Fernandópolis e tentar ganhar a vida. Eu já atendia pacientes de Fernandópolis que o médico Ademar Monteiro Pacheco encaminhava para mim. Daí então, resolvi trabalhar por conta própria na cidade e com a ajuda dele, levantamos o Hospital das Clínicas. Comprei o terreno e montei todo o aparato para trabalhar.

O que levou o senhor a ingressar na carreira política?

Sempre gostei de ajudar as pessoas. Eu via que meu trabalho honesto ajudava as pessoas. E, após o convite do jornalista Alencar Cesar Scandiuzi, me filiei à UDN – União Democrática Nacional (antecessora dos partidos Arena – Aliança Renovadora Nacional, PFL – Partido da Frente Liberal e, agora, DEM - Democratas), cujo lema era:  "O preço da liberdade é a eterna vigilância". Foi contra meu gosto me filiar e depois acabei mudando de partido, mas fui vereador por quatro mandatos e presidente da Câmara em dois deles.

O que pode dizer sobre o episódio com a CGI – Comissão Geral de Investigação, que o levou  preso?

Foi quando me levaram preso. Eu já era vereador e um “dedo duro” falou para o coronel Antônio, que nem lembro o sobrenome e nem quero saber, que eu era comunista. Fui dedado. Mas não tinha nada de comunista. Mas não levou apenas eu, levou um monte de gente e não fomos para cadeia, nada de grade. Nos levaram para São Paulo, na base aérea de Cumbica. Fomos muito bem tratados. Tinha dentistas, médicos, alojamento. Aí nos interrogavam todos os dias. Foram seis dias e depois me trouxeram de volta para Fernandópolis, se desculparam e me agradeceram.

O senhor considera autoritário o regime à época da CGI?

Autoritário? Autoritário é uma palavra muito boa (risos). Era uma porcaria aquilo lá. Tinha os puxa-sacos de militares que prefiro nem citar também.

O senhor acompanhou de perto o rompimento de Ademar Monteiro Pacheco e Edson Rolin?

Sim. Mas foi um “amorzinho” (risos). Eram amigos. Não houve briga feia não. Era um querendo mandar mais que o outro. Briga por poder. E o Pacheco ganhou. Foi eleito deputado Estadual. Tudo por política, briga banal. Eu era amigo dos dois, ficava no meio do fogo cruzado, mas conseguia apaziguar. Depois o Rolin, que virou prefeito, ainda ajudou a eleger o Pacheco como deputado e voltaram a serem amigos.

E quanto às brigas de seu grupo político com o então prefeito Dr. Percy Waldir Semeghini? Quais as atitudes dele que faziam você discordar daquela postura?

Prefiro não comentar. A coisa é feia.

Mas é possível comentar algo sobre o ele como pessoa?

Era bom. Mas falava mal dos outros sem motivo.

Chegou a fazer as pazes com ele? Chegou a ser amigo?

Nem depois de morto.

Quando o senhor estava à frente da pasta da Saúde, qual a estratégia adotada para o combate a dengue?

Eu montei uma equipe muito competente para fazer visitas. Durante minha administração, nos quatro anos, não houve nenhum caso da doença. Nem da dengue nem do mosquito Barbeiro que também era comum naquela época. Nós íamos de casa em casa, com uniformes de identificação e ensinava as pessoas. Se na segunda vez ocorresse de novo dava um puxão de orelha. Consegui combater apenas com conscientização, sem multas.

O que falta para a secretaria de Saúde da atual administração ou que poderia ser feito para melhorar ainda mais o trabalho de combate a dengue?

Na dengue, até que eles estão fazendo um serviço bem feito. Minha administração foi boa porque eu tinha uma equipe competente e eu fiscalizava os próprios fiscais.

Se a secretaria de Saúde visse até sua casa para pedir um conselho sobre as atividades da pasta, o que o senhor falaria?

Eu diria que o segredo é dar condições para os agentes. Fornecer a identificação com uniformes, crachás, dar condição de alimentação e fornecer remédios à população. E parte muito da própria sociedade que tem que saber receber os agentes, tratar bem. Para se fazer um bom trabalho não depende apenas da secretaria, mas do apoio popular.

O que falta para Fernandópolis engrenar de vez?

Falta honestidade. Procurar fazer o difícil. Fazer o difícil funcionar. Tem que ser ousado, arriscar. A saúde é primordial. Tem que dar bom atendimento para os pobres, moradia... Não é só tratamento de saúde só não, tem muita coisa para fazer. Pobre não pode dormir nesse frio, na rua, na calçada. Eu criei o primeiro albergue, mas desmontaram não sei porque.

Se pudesse voltar atrás, faria tudo novamente da mesma maneira? Se arrepende de algo, ou de não ter feito algo?

Não me arrependo nunca. Uma coisa que tenho nojo é gente desonesta e eu sempre fiz tudo com honestidade.

O senhor acredita que tem uma boa parcela de atuação no desenvolvimento da cidade?

Tenho. Na água, na luz, porque naquele tempo lá, por exemplo, estava parada em Votuporanga. Eu e o Pacheco precisamos brigar com o Jânio (Quadros, presidente)e a luz chegou. Água também não tinha encanada nem saneamento. Tirava água de balde nos poços em cada casa. E conseguimos trazer a SABESP também. Ajudei ele em tudo isso. Agora temos água tratada. Você pode beber tranquilamente, pois o pessoal da SABESP é competente.

Se a Comissão da Verdade o procurasse para falar sobre o caso da CGI, você deporia?

Já falei com eles. Vieram aqui, fizeram um levantamento.  De fato, pegaram malandro, mas pegaram gente séria como malandro.

Para quem está começando a construir a vida agora em Fernandópolis, qual o conselho que o senhor daria para a população neste mês de aniversário da cidade? Qual o segredo do sucesso?

Com serviço decente você cala a boca do inimigo. A solução é trabalhar com honestidade e fazer tudo bem feito. Essa é a mensagem que eu deixo.