Rafael Guerra de Aquino: uma vida dedicada ao riso

20 de Agosto de 2025

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Rafael Guerra de Aquino: uma vida dedicada ao riso

Quanto vale fazer uma pessoa sorrir? Talvez o valor seja ainda mais eminente quando o público parece ter mais motivos para se aquietar a sorrir. Há 21 anos submerso na vida artística, Rafael Guerra de Aquino, 34, dedica parte de seu tempo fazendo as pessoas se alegrarem com a arte de ser palhaço. Desde de o ano 2000 ele coordena a ONG Palhaços de Plantão, que ele mesmo fundou e cujo foco é visitar hospitais semanalmente para levar um pouco da arte milenar.

Fernandopolense, Rafael estudou em São Paulo até os oito anos. Em Fernandópolis ele passou pelas escolas Coronel Franscisco Arnaldo da Silva, Anglo, Coopere - onde iniciou a vida no Teatro -, e na EELAS. Graduado e pós graduado pela FEF - Fundação Educacional de Fernandópolis-, em Enfermagem, ele possui ainda especializações pela Fiocruz e pela Famerp e mestrado em Ciências Ambientais pela Unicastelo.

Além das atividades com a ONG em Fernandópolis, Rafael Guerra dá aulas na FEF, Funec (Santa Fé do Sul) e no Senai (Votuporanga). Ele possui ainda a Cia de Teatro Mirabolante bem como uma empresa de prestação de serviços na área de saúde, segurança e meio ambiente.

Na semana em que foi comemorado o Dia do Palhaço (10), Rafael Guerra de Aquino que já recebeu nove prêmios como ator tendo atuado, inclusive na renomada internacionalmente Cia Azul Celeste de São José do Rio Preto, conta um pouco de sua carreira e de sua paixão que é fazer rir.

O que te levou a se fantasiar como palhaço? Houve alguma influência? Se lembra da primeira vez?

Eu já era ator e em 1998 quando conheci um grupo no Rio de Janeiro, Teatro de Anônimo, em um festival em Resende onde eu representava o S.O.S Teatro. Essa arte me encantou e me levou posteriormente a conhecer um grupo que animava hospitais, Doutores da Folia de Santos-SP, e no final de 1998 em um evento chamado ‘Anjos do Picadeiro’, que acontece até hoje no Rio de Janeiro e é organizado pelo Teatro de Anônimo, mas que particularmente naquele ano foi realizado em Rio Preto, lá que também pude saber da existência dos Doutores da Alegria.

Como se deu a escolha do nome?

O palhaço não é apenas um personagem, é um arquétipo que transita pela sociedade desde seus primórdios. Eu me apropriei de um palhaço que remonta da tradição oral e por isso era iniciado naturalmente, posteriormente e até hoje, pra ser palhaço em sua essência é preciso ser iniciado por um mestre, que lhe dá um nome que tem relação com sua verdade mais absoluta, no caso Ferrugem, que era um dos inúmeros apelidos que recebi quando criança e que eu não gostava. Mas o palhaço me fez amar também aquilo que eu considerava defeito em mim. O palhaço é um anti-herói e na sociedade, vivemos querendo ser ou parecer algo para sermos amados e aceitos já o palhaço não, ele é aceito como ele é, com seus defeitos e qualidades.

Considera o que faz como uma profissão? Ou teria outra definição?

Mais do que profissão pra mim o palhaço é um ofício, como em qualquer escolha de vida no trabalho, preciso estudar e me aprimorar constantemente, existe muita técnica envolvida e só não a vemos quando o palhaço faz muito bem, pois ela está ali, orgânica, fazendo parte do seu corpo. Tudo na vida que nos leva ao desenvolvimento de uma atividade laboral é trabalho, sendo remunerado ou não, de qualquer forma, um dos meus sonhos é que a sociedade valorize mais as relações do que o capital, cada vez mais sinto a necessidade do palhaço presente na sociedade, ele foi e sempre será o apontador das mazelas humanas, haja visto o bobo da corte na idade média, o único que poderia criticar o rei sem ser morto.

Quando e o que lhe motivou a fundar a ONG “Palhaços de Plantão”?

Foi em 2000, depois de passar um ano sem conseguir me estabelecer financeiramente no teatro ingressei na enfermagem e já conhecendo alguns trabalhos de palhaços em hospitais iniciei em Fernandópolis.

Atualmente quem compõe esta ONG?

Existe uma diretoria composta por sete membros e 17 palhaços que atuam nos hospitais de Fernandópolis e Votuporanga, bem como fazem apresentações dentro e fora do Brasil.

Em um determinado período vocês chegaram a deixar Fernandópolis por falta de apoio. Como isso ocorreu e como se deu esse regresso?

Me mudei no final de 2004 para São José do Rio Preto com o sonho de implantar o projeto, mas não consegui estabelecer parcerias lá que mantivessem o trabalho. Já trabalhando como professor universitário, comecei a investir parte do meu salário na esperança de que tudo iria dar certo, porém fracassei, é um aprendizado sempre. O palhaço é um perdedor, mas ele sempre recomeça. Quando fui para Rio Preto ficou aqui uma palhaça realizando a maioria das visitas sozinha, e posteriormente ela também foi buscar um novo caminho fora de Fernandópolis, foi quando o trabalho acabou por aqui, mas ainda sobreviveu em Votuporanga onde sempre teve patrocínio. Não consigo colocar a culpa em falta de apoio de maneira genérica, creio que minha inabilidade em compreender o mundo dos negócios me levou à derrocada, fiz talvez poucos contatos, ou talvez não enfoquei a coisa certa, como era ator valorizava bastante o tipo de trabalho que estava sendo desenvolvido no hospital, sua qualidade e a captação de recursos ficava em segundo plano. Nossa energia era tanta em produzir um trabalho de qualidade, independente do financeiro, que em parceria com a FEF e professores que terei como mestres a vida inteira, como Ilda e o Silvia, produzimos inúmeras pesquisas, inclusive uma que apontou falhas consideráveis em nosso trabalho por isso hoje temos consciência que apesar da imagem bela de um palhaço em um hospital, é preciso muito estudo, pois queremos contribuir não atrapalhar.

A ONG conta com algum apoio financeiro para manter as atividades filantrópicas na cidade?

Contamos com apoio da iniciativa privada e de sócios mantenedores, bem como eventos e apresentações que realizamos.

Já passaram por algum tipo de capacitação?

Vários foram meus mestres em cursos e oficinas e trago esse aprendizado para o grupo, como Andréia Macera (Brasil), Cristiane Paoli Quito (Brasil), Ana Elvira Wuo (Brasil), Luiz Carlos Vasconcelos (Brasil), Marcio Libar (Brasil), Hilary Chaplain (USA), Taísa Ferrara (Brasil), Soraya Saide (Brasil), Welington Nogueira (Brasil), Michel Cristensen (USA), Chacovachi (Argentina) e Tortel Poltrona (Itália).

Você conseguiu sediar um encontro mundial de palhaços em Fernandópolis. Como foi esse dia?

Foi a maior realização em termos de trabalho da minha vida. Mais uma vez colocamos dinheiro do bolso, mas eu me sentia pleno. A filosofia nos orienta a viver com a iminência da morte e este encontro surgiu justamente de uma inquietação minha. Eu já estava completando 34 anos, idade com a qual meu pai faleceu.

Se pudesse definir a profissão de Palhaço em apenas uma palavra, qual seria?

Verdade

Pensando em todas as dificuldades em se tentar fazer o bem por meio do riso, pensa em perpetuar este trabalho em sua família? Aconselharia seu filho a seguir seu legado?

Cada um tem seu caminho, conselhos não são bons, descaracterizam os sujeitos em sua essência. Se minha filha me vir no espelho e quiser ajuda em algo, farei com imensa felicidade, mas é só isso, aprendi com o palhaço: Nunca serás quem tu não és.

Um palhaço também pode estar triste um dia. De onde tira forças e motivação para se apresentar num momento em que acorda de mau humor ou triste com algum acontecimento? Isso já ocorreu?

O trabalho do palhaço é como qualquer outro, vivemos felizes e tristes constantemente, mas o trabalho segue sem que percebam, não há seriedade no trabalho que rompe os limites entre o pessoal e o profissional. Quando nos preparamos, buscamos parcimoniosamente o essencial que existe em nós, preparamos nosso corpo e nossa mente, e como em qualquer trabalho se nossa dor, física ou psíquica é grande não vamos trabalhar, é preciso que alguém nos substitua.

Já prepararam alguma atividade especial para o Natal?

Todos os anos nessa semana realizamos visitas aos hospitais de costume com um grupo maior de palhaços tocando canções natalinas, feitas em paródias das rotinas destes serviços.

Se pudesse fazer um pedido ao Papai Noel para benefício da ONG, o que pediria?

Que nenhum dos palhaços que compõe hoje o grupo fosse embora, que pudéssemos nos dedicar cada vez mais e que se tivessem que ir, que fosse permitido vivermos nosso vínculo interior para sempre, que pudéssemos ter mais recursos para trabalhar com mais dignidade e realizar mais ações. Que eu pudesse ter mais discernimento para saber gerir tudo com amor e profissionalismo.