Moutinho e as influências da “Terra Moça”

20 de Agosto de 2025

Compartilhe -

Moutinho e as influências da “Terra Moça”

Alguns fernandopolenses podem até não saber, mas nesta semana um “filho da terra” concorreu ao Prêmio de Empreendedor Social da Folha de S. Paulo, principal concurso de empreendedorismo socioambiental na América Latina e um dos mais concorridos do mundo. Paulo Moutinho, 53, fundador e atual diretor executivo do IPAM - Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia-, foi finalista do concurso que premiou na terça-feira, 2, os fundadores da Geekie, Cláudio Sassaki e Eduardo Bontempo.

Filho da professora Cyrene de Souza Moutinho e do ex-gerente do extinto supermercado Botinho Manoel Moutinho, Paulo viveu em Fernandópolis até os 13 anos de idade, onde estudava na Escola Coronel Francisco Arnaldo da Silva. Porém o pouco tempo na Terra Moça lhe deu suporte para construir pouco a pouco uma carreira de sucesso em uma causa mais humana que profissional: fomentar a produção agrícola e reduzir a zero da destruição da floresta amazônica.

Moutinho ingressou na faculdade de biologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro em 1981, onde conheceu Cláudia Ramos, sua esposa com quem casaria seis anos mais tarde. Em 1985, tirou o título de Bacharel em Ciências Biológicas e no ano seguinte se mudou para Campinas onde ingressou no mestrado em Ecologia na Unicamp. Seu primeiro filho, Lucas, nasceu no ano seguinte, já em 1994 ingressou no doutorado, também em Ecologia, ainda na Unicamp. Em 1995, fundou com outros pesquisadores o IPAM, ano que nasceu meu segundo filho, Theo. Em 1996 se mudou para os Estados Unidos onde finalizou sua tese no WHRC  - Woods Hole Research Cente-, um centro de pesquisa em meio ambiente em que atuou como pesquisador entre 2006 e 2010.

 

 

O que te motivou a se inscrever neste concurso da Folha? Foi a primeira vez?

Este é um prêmio diferente e o primeiro para o qual eu concorro. É voltado ao socioambientalismo e dá acesso a uma rede ampla de empreendedores sociais que estão trabalhando duro para trazer inovação e resolver vários problemas que, muitas vezes, o poder público não consegue. Fazer parte desta rede é o que mais me atraiu. Trocar experiências e o aprendizado com outras pessoas é o mais fundamental hoje em dia para avançar com soluções mais simples para os complexos problemas sociais e ambientais do país. Além disto, ser finalista, já abre portas para um veículo importante de mídia que é a Folha de São Paulo. É, portanto, um prêmio diferente. Não acaba na entrega da taça, mas sim começa!

 Qual seu ponto de vista apresentado e o que acredita ter sido o fator preponderante para que chegasse entre os finalistas?

 O prêmio foi disputado por mais de 120 inscritos. Acho que o que contou para chegar entre os finalistas foi o fato de estarmos tentando reduzir o fosso entre a ciência, a academia e a sociedade. Usamos ciência como ferramenta para promover um desenvolvimento sustentável que mantenha um planeta habitável para as próximas gerações. Também atraiu aos jurados o fato de que produzindo ciência e informação de qualidade, nós conseguimos envolver o poder público e motivá-lo para a construção de políticas públicas que sejam realmente transformadoras e úteis para as pessoas. Obtivemos sucesso em inúmeras áreas e uma boa parte das políticas de conservação e desenvolvimento sustentável para a Amazônia que foram construídas nos últimos 15 anos, absorveram alguma parte de nosso trabalho.

Quando e qual sua intenção ao criar o Instituto? Atualmente corresponde a tudo que esperava ao criá-lo?

Foi o de utilizar informações geradas de forma científica na própria região e transferi-las para a população e instituições locais de modo que pudessem estar mais capacitada para defender seus próprios interesses e melhorarem de vida. Hoje em dia os centros acadêmicos e universidade têm dificuldade de fazer a ponte entre o que produzem academicamente e o que as pessoas precisão e ou desejam. Assim, o que estamos buscando fazer é construir várias destas pontes. Antes de recursos financeiros, a crise na Amazônia ou mesmo no país é a falta de informações de qualidade, geradas de forma independente, que atenda aos anseios da sociedade e que possa ser utilizada por ela como meio para conseguir políticas públicas mais adequadas.   

Ainda existe alguma meta no que diz respeito ao trabalho que desenvolve com o IPAM que ainda pretendem cumprir?

Sim. Há várias metas. Zerar o desmatamento na Amazônia até 2020 e, ao mesmo tempo, aumentar a produção agrícola na região é uma delas. Neste sentido, estamos propondo modelos de uso sustentável de recursos florestais e de pagamento por serviços ambientais que a floresta presta a todos nós. Estes modelos estão sendo aliados com outros que visam a utilização agrícola melhor e mais eficiente das áreas já desmatadas e incentivem a intensificação da produção da pecuária.  Com este caminho será possível manter o melhor de dois mundos na Amazônia. Produção agrícola crescente e redução a zero da destruição da floresta.

Nesta semana o senhor participou de uma conferência da ONU em Lima, no Peru, sobre mudanças climáticas. Como se deu essa participação?

Desde 1998 eu participo das conferências da ONU sobre Clima, dando palestras e organizando eventos. O IPAM está presente todos os anos em vários eventos, muitas vezes dando voz nestes fórum a produtores rurais, extrativistas e indígenas da Amazônia. E obtivemos várias vitórias. A mais expressiva foi a construção de um mecanismo de pagamento por redução de emissões de gases de efeito estufa oriundas do desmatamento. Todo ano o desmatamento amazônico emite um volume grande desses gases agravando a mudança climática. O que fizemos foi propor mecanismos de compensação para aqueles que fizessem esforços de redução de desmatamento. Desta ideia simples, nasceu na ONU a ideia do REDD - Redução de emissões por desmatamento e degradação florestal. Um mecanismo que compensa financeiramente os países que reduzem a distribuição de suas florestas e, consequentemente, das emissões de gases de efeito estufa associadas. Agora em Lima, mais uma vez, estou indo para dar uma palestra sobre nossas ideias sobre como enfrentar os impactos das mudanças do clima que já estão entre nós.

O senhor é fernandopolense nato. O que mais lhe marcou no período em que morou em Fernandópolis?

 Vários períodos foram muito importantes. A lista é grande. Muitos, contudo, contribuíram diretamente para minha carreira profissional. Os ensinamentos no “Coronel”, especialmente aqueles que envolviam o laboratório de ciências, foram importantes. Lembro, particularmente, os eventos culturais (festa da Boneca Viva) e também as semanas culturais que ocorriam todo ano nas quais eu e outros colegas participávamos em peças de teatro e shows musicais. Não posso deixar de lembrar a Escola de Samba “Fermentação”, a qual ajudei, juntamente com meus conterrâneos, na construção de enredo e até de carros alegóricos. Isto tudo me deu um desenvoltura muito grande para enfrentar o grande público, como que hoje geralmente enfrento nestas grandes conferências.

Quando deixou a cidade e por quê? A família continua por aqui?

Deixei a cidade muito cedo (aos 13 anos) para estudar num colégio em São José do Rio Preto. Terminado o colégio, ingressei no ano seguinte na Universidade do Rio de Janeiro para fazer Biologia e aí a vinda para Fernandópolis ficou restrita a visitas rápidas aos meus pais e às festas de final de ano. Depois da mudança de meus pais para Belo Horizonte, as viagens a Fernandópolis ficaram mais difíceis.

Pensa em voltar um dia?

 Gostaria muito, mas acho que o rumo que tomou minha carreira não vai permitir. Sinto falta de voltar para fazer uma visita.

O senhor orgulhou toda a cidade por ter ficado entre os finalistas do Prêmio, podendo mostrar um pouco de seu trabalho para aqueles que ainda não mensuravam a importância dele. Considera-se um dos fernandopolenses de maior sucesso?

 Considero-me um fernandopolense que, como muitos, e entre aqueles que permaneceram na cidade ou se transferiram para outras paragens, fizeram e estão fazendo sucesso. No final, esta história de sucesso é relativa. Vejo hoje a pujança de Fernandópolis, fruto do trabalho das pessoas que aí residem. Isto sim que é sucesso.

 Desde cedo o senhor demonstrava interesse na área da Biologia. Quando e como decidiu qual seria seu futuro? Imaginava que alçaria voos tão altos nesta área contribuindo efetivamente com o país?

 Como todo jovem, gastava de muitas coisas e, confesso, que gostava mais de astronomia do que de biologia. Passava noites acordado olhando para o teto de minha casa na Av. Paulo Saravali, construindo cartas estelares e mapeando rotas de satélites. Foi show quando ganhei de meus pais um telescópio e com ele fiz minhas primeiras fotografias astronômicas (um eclipse lunar). A biologia veio depois, quando de várias férias em Ubatuba, me encantei pela biologia marinha. Acabei na faculdade me enveredando na áreas de genética e depois biofísica. Tentei no meio do caminho fazer medicina, mas um estágio de meses no pronto socorro do hospital da  universidade acabou com meu ímpeto médico. Voltei para biologia e finalmente me encontrei no ramos da Ecologia. Daí, mais tarde, iniciei estudos sobre o papel das florestas amazônicas o equilíbrio climático, fazendo pesquisa sobre como a floresta influencia o regime de chuvas na região e no país. Esta jornada rendeu quase 100 artigos em revistas científicas e vários livros. O legal é que sigo com o mesmo ímpeto de pesquisa dos velhos tempos.

 Quando aluno da Coronel, o senhor desfrutou de um dos melhores laboratórios de Ciências dentre todas as escolas. Acredita que o fato de ter um bom aparato de equipamentos à época influenciou seu futuro profissional? Imagina-se fazendo outra coisa?

 Certamente. Os momentos naqueles laboratórios foram fundamentais para despertar a curiosidade. Eu não tinha, na época, a dimensão do que aquelas experiências de química e biologia estavam me proporcionando, mas hoje vejo nitidamente que foram fundamentais para minha carreira. É nesta fase da vida escolar que construímos as coisas mais sólidas as quais carregamos para o resto da vida.

 Já sabe qual a próxima visita à “Terra Moça”?

 Posso dizer que estamos, eu, meu irmão, Marcio e meu pai, Manoel, fazendo planos para que esta visita aconteça em breve. Espero que ainda no primeiro semestre do ano que vem. Isto certamente me dará um prazer muito grande. Afinal, quem não reconhece suas raízes, não tem história para contar.