Fernandópolis é uma das poucas cidades do Estado de São Paulo que conta com um Conselho Municipal da Comunidade Negra.Com o objetivo de valorizar e promover ações que privilegiam a minoria, buscando benefícios à comunidade. Para conhecer mais sobre o trabalho e destacar várias questões que vemos no dia a dia, como casos de racismo, CIDADÃO ouviu o presidente do Conselho Municipal da Comunidade Negra, o servidor municipal Evandro Luis Inácio, 47, incansável batalhador pelos direitos dos negros, que palestrou na rede municipal na última quinta-feira, 20, Dia da Consciência Negra. Ele é formado em Administração e Marketing e membro da SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Houve motivos para se comemorar na última quinta-feira?
A princípio agradeço a prefeita Ana Bim pela sensibilidade no tocante à data comemorada na quinta-feira, 20, Dia da Consciência Negra, pois a mesma entende a necessidade de uma conscientização e reflexão ao dia e decretou ponto facultativo nas repartições públicas municipais. Porém, particularmente vejo uma falta de interesse dos gestores que convivem com alguns temas alusivos à data e que não se empenham e nem se preocupam em massificar junto a população a cultura afro tão importante para o crescimento cultural e educacional em nosso pais. Acho muito válido (comemorar) pois é um dia para refletimos nossas percas, lembramos o sangue que foi derramado por nossos ancestrais para que a igualdade fosse feita, e que se temos alguns benefícios hoje, se deve a luta destes a longo de 500 anos.
Existe um movimento negro em Fernandópolis? Como surgiu e quais as conquistas até aqui?
Sim existe um movimento no qual foi o percussor do conselho que hoje temos um movimento onde alguns negros como eu, na época da faculdade e também vários amigos que entenderam que a luta do meu povo e digna, estávamos sempre fazendo palestras e organizando eventos que pudessem trazer a tona os problemas que enfrentamos no dia a dia, uma das conquistas ainda na época de movimento, foram aglutinar no CPP mais de 900 pessoas em dois dias de evento, onde pudemos discutir alguns assuntos alusivos a comunidade negra local, e também fazíamos as semanas afro na faculdade.
Quais as principais ações Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Fernandópolis?
Acredito que uma das maiores conquistas, foi pertinente a área de saúde, onde hoje os nascidos vivos ou seja recém nascidos, de mães pretas e pardas, fazem o exame de eletroforese e hemoglobina, exame esse que e gratuito pelo SUS, porem não era feito em nosso município por falta de conhecimento dos gestores da área de saúde.Porem ainda temos muitas dificuldade nessa área devido as dificuldades em termos profissionais capacitados e os que tem conhecimento sobre o porque do exame.
Ainda faltam ações que valorizam e resgatam a cultura afro em Fernandópolis?
Sim, falta e muito, mas não é por falta de material humano em nossa comunidade, que não se faz as ações, e sim por falta de vontade e conhecimento dos gestores na área cultural, que não dão oportunidade aos grupos existentes, sendo que hoje a cultura negra através dos grupos de hip hop e dança de rua, se faz representada no Brasil e exterior.
O racismo à brasileira é mais difícil de combater? Acredita que diminuiu nos últimos 30 anos?
Pelo contrário, o racismo está mais acentuado a cada dia, porem hoje nosso povo perdeu o medo de mostrar e falar as barbaridades que sofremos em nosso dia a dia. Ele está cada vez mais latente, ou seja, nós negros temos que lutar todos os dias de nossas vidas para podermos mostrar nosso valor, pois infelizmente sentimos o preconceito e o racismo desde do nosso nascimento. Em países emergentes como o Brasil, esse sentimento não deveria existir em razão da miscigenação existente, onde felizmente ou infelizmente para alguns não temos aqui uma raça pura.
É a favor de cotas e outros benefícios separatistas?
Sou a favor sim, com algumas restrições, ou seja, fiz faculdade particular (FEF), cursei os quatro anos normalmente, por ter tido a oportunidade de ter pais que se esforçaram pra deixar como herança a mim e duas irmãs um diploma, porém entendo que a Lei de cotas veio pra resgatar a alta estima do nosso povo, pois hoje podemos ver negros trabalhando em cargos bons, mesmo porque e como digo, as pessoas tem medo de nos dar oportunidades.
Sempre digo que não é interessante dar conhecimento ao povo carente, negro, índio, pois estes podem causar problemas às instituições na qual estão vinculados.
E quanto ao Código penal? Falta mais vigor na punição ao crime de racismo?
Sim, não só o crime de racismo, mais como outros crimes também. Particularmente acho que o crime de racismo deveria ser tratado como um crime hediondo, pois ainda nos dias de hoje sofremos muito, e a dor do preconceito e discriminação é muito grande, pois deixa sequelas que passam de geração à geração.
O episódio entre a torcida do Grêmio e o goleiro Aranha do Santos te faz perder a motivação ou faz parecer que a luta contra o racismo será eterna?
Esse fato foi um que felizmente a mídia tomou pra si, pois o ibope é muito grande, e também o goleiro Aranha, fez valer seus direitos, e não teve medo de expressar seu repudio as barbaridades dita por uma pessoa despreparada como aquela, mais existem outros casos até mais graves do que esse, que infelizmente ficam esquecidos e não tem uma repercussão como esse. Em Fernandópolis mesmo ocorreu um e não houve repercussão midiática.
As leis federais números 10.639/03 e 11.645/08 vêm sendo seguidas à risca na cidade? Explique-as.
Bom, essa pergunta respondo com uma grande tristeza, pois em meados de 2012, denunciei o então prefeito Luiz Vilar de Siqueira, através da Secretaria de Educação do Município quando a secretária era Darci Marin, pelo não cumprimento as referidas Leis Federais tendo a administração sido condenada junto a SEPPIR para que a mesma cumprissem-nas de imediato. Após a prefeita Ana Bim ter vencido o pleito municipal, este conselho obteve a doação de vários livros pertinentes às Leis supra citadas, para que possam estar sendo usados junto as escolas da rede municipal.
Infelizmente ainda não tem o cumprimento correto das Leis em nosso município, por estarmos adequando as referidas leis, uma vez que o conselho sentiu um certo despreparo por parte de professores, coordenadores de ensino tanto municipal como Estadual quanto ao conhecimento da cultura Afro Brasileira.
Imagino que a Secretaria de Educação do Município deveria estar realizando junto ao quadro de professores, coordenadores, palestras pertinentes ao Dia comemorado, mas não tivemos nenhum evento no município, e o conselho fez as devidas comemorações ao dia, junto a sua comunidade, ficando um tanto quanto fechado. A intenção do conselho é divulgar suas ações junto a população, mais como não tem ajuda e nem aporte financeiro para realizar os projetos, pelos referidos gestores das pastas a qual este conselho faz um trabalho de conscientização, e erradicação mínima possível do racismo e preconceito em nosso município, fica restrito a um número de pessoas. Em Fernandópolis 23% da população é negra e muitos não sabem da existência do Conselho, pois os projetos não podem ser executados.
Você se sente sozinho, às vezes, nessa busca incessante pelos direitos e valorização da cultura negra em Fernandópolis? Acredita que falta interesse do próprio negro em buscar o conhecimento sobre a cultura e encampar lutas?
Não, uma vez que hoje sou reconhecido no Estado de São Paulo e no Rio de Janeiro, pelos projetos que faço junto a comunidade negra através de políticas públicas em parceria com outros conselhos existentes. Nós trouxemos para Fernandópolis uma verba de R$ 100 para construção de uma pista de skate. A luta a qual tenho e a igualdade que luto, poderia ser mais branda se os órgãos públicos fossem parceiros, pois poderíamos trazer grandes benefícios a comunidade e verbas ao município, já que junto a SEPPIR, foram devolvidos mais de R$ 8 milhões por falta de projetos na área da cultura Afro.