De entrevistador a entrevistado

20 de Agosto de 2025

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De entrevistador a entrevistado

Depois de realizar mais de 300 entrevistas para essa mesma coluna, o entrevistado dessa semana foi colocado do lado de lá do gravador. Vicente de Paulo Renesto, ou Vic, como todos conhecem, passou de entrevistador para entrevistado, algo, que para um jornalista, nunca é fácil. O hoje secretário municipal de Cultura foi titular da editoria de CIDADÃO por mais de sete anos, até que em 2013 assumiu a pasta que hoje comanda. Agora, figura pública, Vic recebe questionamentos que outrora fizera a seus antecessores na área da Cultura. Em baila, temas como o museu, que segue em situação precária desde o início dessa administração, o sucesso da 20ª Mostra Estudantil de Teatro, os poucos recursos e as grandes cobranças, além de seu posicionamento político, já que essa semana completaram-se exatos quatro meses que, ele e outros correligionários petistas, que atuam na administração municipal, foram praticamente expulsos de seu partido pelo presidente do diretório municipal

do PT, Rober Caetano.    

 

O senhor, por mais de sete anos, foi o entrevistador de centenas de pessoas. Como se sente agora sendo o entrevistado?

Durante sete anos e quatro meses, fiz cerca de trezentas entrevistas no CIDADÃO para a coluna “Observatório”. Fiz entrevistas de pé, sentado, dentro de automóvel e até dentro do necrotério da Faculdade de Medicina da Unicastelo. Foi assim: o entrevistado, Nagib Boer, professor de Anatomia, marcou a entrevista para o Campus. Quando cheguei, ele me levou até uma sala onde havia nove mesas de mármore. Oito delas tinham braço, perna, cabeça, enfim, partes de corpos humanos nas quais os alunos tinham que identificar detalhes anatômicos e responder questões numa prancheta. Era dia de prova, e o Nagib me jogou naquela fria!  Fiz a primeira coisa que me deu na cabeça: tirei os óculos, assim não enxergava direito, e fiz a entrevista. Mas é melhor ser entrevistador do que entrevistado, principalmente quando você dá entrevista na condição de agente público.

Ao longo dos tempos, a pasta da Cultura sempre foi questionada, afinal, o dinheiro é curto e a pedida por ações é enorme. Esse foi o maior desafio de sua vida?

Não diria que é o maior desafio. O mais difícil é acostumar-se ao ritmo da administração pública, que é muito mais lento e burocrático que a iniciativa privada. Na sua casa, se o fogão dá problemas, você vai à loja e compra outro; se não tiver dinheiro, manda consertar o velho. Na administração, é preciso licitar, pegar orçamentos, etcetera e tal. Fui muito criticado no final de 2013 por causa do enguiço do ar condicionado do teatro. O compressor, que já tinha uns 15 anos, pifou. Ora, era preciso abrir o processo de licitação, e isso demanda tempo. Os “leões de Internet” - essas pessoas que só falam as coisas quando estão sozinhas em suas casas, através do computador - fizeram muitas críticas, mas perderam tempo. Não entro em redes sociais. Depois que compramos sete aparelhos novos de ar condicionado, com um total de 42 TR (toneladas de refrigeração) e o teatro ficou muito agradável, não recebi uma única mensagem elogiosa referente a isso. Mas é assim mesmo que as coisas são.

 Com a retirada do “peso” da Expô dos ombros da Secretaria de Cultura, o problema questionado na pergunta anterior se esmiuçou?

Ah, sim, você perguntou sobre o dinheiro curto. Com o tempo, desenvolvemos um modus operandi através do qual promovemos eventos muitas vezes a custo zero, ou quase isso. Se você tiver um projeto cultural que só custe trabalho a mim e à minha equipe, pode ter certeza de que vamos executá-lo. Trabalhamos com criatividade, buscamos patrocinadores e parcerias, bem ao estilo do jeitinho brasileiro. Com relação à Expô, creio que a privatização foi uma medida muito feliz da prefeita Ana Bim. O município não pode arcar com esse ônus, há ações prioritárias.

Recentemente Fernandópolis viveu um festival cultural realizado pela iniciativa privada, porém com o apoio de sua secretaria, o “Meu Nome é Jão”. Ações como essa são bem vindas para o desenvolvimento cultural da cidade? Sua secretaria tem interesse em realizar o próximo?

A Secretaria da Cultura ajudou bastante o Gustavo Jesus e o Luigui Delyer nesse evento. Pouca gente sabe, mas foi a mim que as coordenadoras do projeto Fernandópolis Cidade Responsável consultaram, para saber se valeria a pena a CervBrasil patrocinar o “Meu nome é Jão”. Disse à Tarsila e à Stella que os meninos eram competentes e tinham grande capacidade de mobilização, e que havia muitas bandas de rock na cidade e região. Agora, o evento será realizado em São José do Rio Preto, o que mostra que ele veio para ficar.  

A situação do museu histórico de Fernandópolis é precária. A parceria com a ACIF que pretendia arrecadar fundos por meio do ProAc, parece não ter avançado. A secretaria de Cultura esperará a boa vontade do empresariado por mais quanto tempo, antes de tomar uma atitude realmente concreta em relação à história do município?

Como a captação de recursos pela ACIF através do ProAc ICMS não apresentou resultados positivos, a prefeita Ana Bim, o Secretário de Planejamento Edson Damasceno e eu decidimos que no início do próximo ano retomaremos o projeto inicial, de promover o reforço das fundações do prédio. Com isso, ele poderá ser reaberto à visitação pública. Neste sábado mesmo, dia da circulação do jornal, estaremos com o projeto “Prefeitura Cidadã” na Brasilândia, onde está o museu. Certamente a população vai querer saber notícias sobre a reforma do museu, então já vou adiantando: vamos retomar o projeto inicial.

A cidade vive sua 20ª Mostra Estudantil de Teatro, que a cada ano parece estar mais bela. Qual é a receita para o sucesso desse evento que tem tido casa cheia em todas as apresentações?

A receita não existe, o que existe é a continuidade. Em vinte anos, a Mostra Estudantil de Teatro nunca deixou de ser realizada. Com isso, várias gerações de adolescentes passaram pela Mostra, aprendendo e ensinando, fazendo leituras de textos, ensaiando, pesquisando. Isso é cultura. Teatro é uma arte fascinante, sublime, arrebatadora. Como resultado, vemos vários diretores - Rafael de Lima, Isaac Ruy, Leandro Vieira, Vivien, Cidinha - que se formaram tecnicamente na Mostra, além de atores importantes como Jedsom Carta e André Araújo, que saíram da Mostra para se profissionalizarem em São Paulo. Outro aspecto positivo são os debates, que levam à reflexão e ao conhecimento. 

O rompimento do PT com a administração municipal, às vésperas do pleito, influenciou no fraco desempenho do partido na cidade durante essas eleições?

Entre as maiores cidades da região, Fernandópolis foi a única onde Dilma venceu, em 2010. Creio que o rompimento do politburo petista com a administração, saindo da base aliada nos últimos dias de junho deste ano, ou seja, às vésperas do início da campanha eleitoral, causou estragos, sim, na votação da presidente em termos locais. Mas é bom que se frise que a grande votação do Aécio no Estado de São Paulo foi um fenômeno generalizado. Cabe ao PT refletir sobre esse fato e adotar medidas que resgatem a credibilidade do cidadão em relação ao partido. Em minha opinião, deveria começar pela Petrobrás.

Completaram-se exatos quatro meses que Rober Caetano Luiz, presidente do diretório municipal do PT, afirmou ao CIDADÃO que o senhor e os demais colegas petistas que atuam na administração pública teriam de decidir se permaneceriam em seus respectivos cargos na Prefeitura ou no diretório municipal, pois segundo ele “não dá para ficar dos dois lados”. Qual foi a atitude dos senhores após essa declaração?

Não sei quais eram os objetivos do presidente do PT ao tomar decisão tão drástica em momento tão inadequado. Afinal, ele quer expurgar um ex-prefeito de Fernandópolis, o Milton Leão; um militante que já presidiu o partido e é inegavelmente competente, como o Sérgio Teixeira; uma militante fiel e atuante como a Isaura; e este secretário da Cultura que é petista desde a fundação da agremiação política. Não sou petista dos tempos de dirceus e delúbios. Sou do tempo de Hélio Bicudo, Jacó Bittar, Luiza Erundina, Vinicius Caldeira Brant, Eduardo Suplicy, Carlito Maia, Djalma Bom, Geraldinho Carneiro, Eder e Emir Sader, Henfil. Não pedi a saída do presidente do PT local, quando ele participou ativamente da administração passada, sabidamente de direita. Acho que eu e os companheiros ameaçados de expulsão merecíamos mais respeito.