Figueira ou JAP? “É preciso escolher entre um patrimônio ou outro”, diz Rosinha

20 de Agosto de 2025

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Figueira ou JAP? “É preciso escolher entre um patrimônio ou outro”, diz Rosinha

Nos últimos dias um dos temas mais debatidos na cidade é a derrubada da famosa figueira da escola JAP – Joaquim Antonio Pereira. As opiniões se contrapõem entre preservar a árvore, que muitos consideram como histórica, ou derrubá-la para acabar com a destruição que as raízes ocasionam na escola e nas casas vizinhas.  Enquanto o tema segue sendo debatido e a cinquentenária não vai ao chão, a coluna entrevistou essa semana uma das pessoas que mais defende a história da cidade, a professora Rosa Maria de Souza da Costa, mais conhecida como “Dona Rosinha”. Mesmo não sendo natural de Fernandópolis - nascida em Mirassol-, trilhou e escreveu a maior parte da história de sua vida na terra moça. Mesmo sendo uma das maiores defensoras do patrimônio histórico e cultural do município, disse que nessa briga de opiniões surge uma difícil escolha: preservar a árvore ou a escola. Sua opinião está expressa à baixo junto com outras declarações sobre a história de nossa terra.

Em que momento um objeto se torna um patrimônio, e quais os critérios utilizados?

O patrimônio cultural ou histórico de uma cidade é sempre ideológico. Aquilo que para mim é um patrimônio, para você pode não ser. Então, o patrimônio sempre tem um componente, um valor histórico e cultural, ou até mesmo ambiental. Mas, ele também tem um componente que conta muito: o emocional. É isso que vai influir no problema da árvore do JAP, por exemplo. Esse componente (o emocional) é grande, pois a árvore está presente em várias gerações fernandopolenses.

A senhora é responsável pelo centro de Documentação e Pesquisa da FEF. Qual o objetivo deste centro?

É manter um acervo histórico de documentos da cidade e da região. O CDP nasceu ligado ao curso de história, como um laboratório. Hoje ele é institucional, e pode atender todos os cursos. Então, ele é um acervo de documentação e notícias, de toda região. Nós temos um grande acervo de fotografias antigas. Lá, mantemos guardado o acervo da Folha de Fernandópolis. Temos fotografias únicas, que conseguimos com as famílias, com pessoas da cidade, temos também vários jornais, e estamos tentando conseguir cópias digitais, inclusive de jornais regionais. Lá, temos também toda a história da FEF.

Analisando mais a fundo, qual a importância real desse acervo?

Como ele surgiu ligado ao curso de história, para que fosse um apoio na pesquisa feita pelos estudantes e pelos pesquisadores de história da cidade e região, a importância dele é essa. Nenhuma das faculdades da região tem um CDP. Portanto, somos um CDP regional. Como a FEF atende  alunos de muitas cidades e estados, estamos tentando buscar a história dessas cidades para deixar tudo registrado.

De certa forma, a senhora faz parte da história da cidade. Com certeza, durante sua trajetória em Fernandópolis presenciou muitas curiosidades, fatos, histórias. Quais foram as mais marcantes?

Eu acho que a história de Fernandópolis tem certas afirmações que se “cristalizaram” e não são muito reais. Por exemplo, o próprio aniversário da cidade, que nós comemoramos dia 22 de maio. Mas, essa data foi da inauguração da Vila Pereira. Fernandópolis não é só Vila Pereira, ela é uma união com a Brasilândia, que existe desde 10 de novembro 1938. Então, porque 22 de maio? Porque adotamos a data da inauguração de uma vila? Isso é uma questão de lobby, de uma parte política, de um grupo mais “forte”, podemos dizer. O Barozzi se “acomodou” diante disso, e não lutou para conseguir essa supremacia. Pereira não era nem distrito, já a Brasilândia era. Porque a Pereira se sobrepõe a Brasilândia, então? Esse é um fato muito relevante, que devia ser revisto.

Seguindo essa contextualização, qual seria a data certa do aniversário da cidade?

1º de janeiro de 1945, que foi o dia que as duas vilas se uniram. Antes disso as duas vilas não podiam ser municípios. Antes era “eu moro na Vila Pereira” ou “eu moro na Brasilândia”. Somente depois dessa data passou a ser “eu moro em Fernandópolis”.

Lembra-se de alguma coisa ou local que poderia ser patrimônio do município, mas que acabou se perdendo?

Sim, tanto local quanto cultural. Temos como exemplo o Hotel Municipal, onde é hoje o “Bazar do Luíz”. Ali era um hotel, foi o primeiro prédio de dois andares da cidade, o primeiro “sobrado”. Antigamente Fernandópolis recebia muita gente para comprar terras, por exemplo, e todo mundo que vinha de fora se hospedava ali. Outro lugar que poderia ser típico era a “coloninha do Peres”. E um cultural que nós perdemos foi a “festa das bonecas vivas”.

Fernandópolis pode se considerar uma cidade que preserva sua história?

Não. O problema é o seguinte: um patrimônio é garantido por uma lei, tanto federal, quanto estadual e municipal. A cidade tem algumas leis que até citam alguns patrimônios. Lei 1082/86, que relaciona alguns imóveis de importância da cidade. Mas que patrimônio que esta lei relaciona? A Igreja Matriz da Brasilândia, a Praça Joaquim Antonio Pereira, o Lago da Sabesp, Edifício Fernandópolis, etc. A lei cita o que seria patrimônio da cidade em 1986. Depois vem a lei orgânica do município, que determina: quem é responsável pela preservação do patrimônio é a União, Estado e Município. Depois vem o nosso plano diretor, que apresenta um mapa que localiza os nossos patrimônios, mas esse mapa cita algumas coisas que nem existem mais. Então até existe alguma lei, mas se alguma coisa está de pé ainda, não foi por causa da proteção da lei, foi porque a comunidade conservou. Mas de toda forma, da parte da prefeitura, nunca vimos  impedindo a demolição de algo.

Então Fernandópolis é uma cidade que não cuida de sua história?

É, infelizmente não cuida. Mas ainda, se você observar o bairro da Brasilândia, podemos dizer que ele é o único que conservou sua arquitetura. Certa vez uma museóloga ficou encantada pelo fato de termos um bairro inteiro em contextualização histórica. Por outro lado, a deterioração do bairro é visível. Alguns prédios estão sendo desfeitos, e um exemplo concreto é o Museu de Fernandópolis, fechado e caindo aos pedaços. E ele não é tombado. Aliás, nada na cidade é tombado, exceto o Sólon Varginha, que foi tombado por uma lei estadual. Ele foi construído pelo arquiteto João Batista Vila Nova Artigas, e todas as construções dele no país são protegidas por uma lei estadual de tombamento. Não existe uma lei de tombamento no município.

Qual a consequência da ausência dessa lei de tombamento e preservação na cidade, atualmente e futuramente?

Vários municípios do Estado de São Paulo têm um conselho de patrimônio, e a lei afirma que cada município é obrigado a cuidar de seus patrimônios. Então a primeira coisa que deveria ser feita aqui era formar esse conselho. Aí entra uma dificuldade: quem é especialista em patrimônios aqui? Ninguém. Teríamos que formar um grupo em parceria com a comunidade. Tudo isso em parceria também com o Ministério Público. Então deveríamos determinar o que é patrimônio, pois a lei que existe, praticamente não vale nada. Se não houver isso, vai ser tudo destruído.

Foi aprovado nessa semana um projeto de lei que institui o COMPAC – Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Fernandópolis. Qual a importância disso?

Ótimo, então isso já é o começo. Agora só falta formar o conselho. Inclusive, teve uma lei de proteção, cuja prefeitura conseguiu derrubar, devido a um erro de origem, pois não a prefeitura que propôs a lei. Foi assim que a Praça Joaquim Antonio Pereira foi descaracterizada, pois ela não tem documentação. A prefeitura é dona da praça, mas não da Igreja. Ele vai cumprir uma lei que está na Constituição Federal, que estabelece quem é responsável pela manutenção e proteção do patrimônio. Então, como eu já disse, vários municípios já tem o seu conselho, suas leis de proteção. Fernandópolis, até agora, não tinha.

Atualmente, temos alguns imóveis preservados. Além do Museu, que outros imóveis continuam de pé e que são históricos?

Igreja da Brasilândia, Igreja Matriz, a Praça da Matriz, a Estação, o JAP, Terminal Rodoviário, Teatro Municipal. Fora alguns monumentos, como o da unificação das vilas, que se dá em frente ao quartel. Outro exemplo é a famosa “munheca”, que é um monumento religioso feito nas missões jesuíticas.

O turismo da cidade pode ser parceiro de sua própria história?

Claro, eu acredito, por exemplo, que se a Brasilândia fosse mais conservada, tivesse os prédios pintados, com um portal, falando que o bairro é histórico, atrairia turismo, traria dinheiro para cidade. Olímpia consegue fazer muito bem isso. O museu poderia ser mais bem utilizado, e com certeza seria um atrativo. Teríamos que ter um museólogo, depois fazer uma expografia, ou seja, Fernandópolis poderia ter um potencial turístico muito grande.

Nos últimos dias, muito se falou na árvore do JAP. Se tratando do município, qual o prejuízo cultural?

Como eu já havia dito aqui na cidade ninguém definiu ainda o que é patrimônio. Portanto, a árvore não é legalmente um patrimônio. Ao olhar para um vaso, eu posso afirmar que um vaso é um patrimônio, porque para mim existe uma conotação emocional, mas para você não. Então, para várias gerações fernandopolenses, aquela árvore tem uma conotação emocional porque ela se identifica com a escola onde eles estudaram, ou que forneceu sombra para eles brincarem, etc. Para outros, aquela árvore não é patrimônio, mas sim um estorvo, como, por exemplo, para os vizinhos da escola, que sofrem com a raiz da árvore no subsolo, quebrando tudo. Ou seja, ela é um patrimônio que destrói outros patrimônios. Entre a árvore e o prédio do JAP, você tem que dar um valor. Eu por exemplo, daria mais valor ao patrimônio prédio, institucional, do que ao patrimônio árvore. Isso é uma questão de valores. De toda forma, dá um sentimento de perda. Eu mesmo via a árvore aqui da minha casa, agora eu olho e não vejo mais nada. É triste, mas é um patrimônio ou o outro. Em contrapartida, poderíamos plantar outra árvore dessas em outro lugar, por exemplo. Para as pessoas que árvore é prioridade, é compreensível e o valor sentimental é real. Mas o dever de cuidar de patrimônios também é da comunidade. Eu não vejo ela defendendo o museu, que está lá, em pedaços, por exemplo. Ninguém está lutando pra manter as nossas tradições.

Para finalizar, em sua opinião, falta incentivo, educação ou conhecimento para o descaso com a história de um modo geral? Tudo. Falta de incentivo significa a falta de educação. Eu acho que nas escolas deveriam ensinar educação patrimonial. Se as pessoas tivessem esta educação, elas iam saber cuidar melhor, saberiam que tem em mãos uma história, e que ela pertence a nós, e não há uma parcela da prefeitura.