PF investiga se Mozaquatro voltou a usar laranjas

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PF investiga se Mozaquatro voltou a usar laranjas

A Polícia Federal solicitou ao escritório da Receita Federal em Rio Preto que investigue o frigorífico de Alfeu Mozaquatro em Fernandópolis. A suspeita é de que a empresa esteja em nome de “laranjas” do empresário. A prática, em si, não configura crime, mas pode ser indício de sonegação. Mozaquatro é apontado pelo Ministério Público como o líder de esquema que sonegou R$ 1,6 bilhão no comércio de carnes justamente por meio de testas de ferro.

Atualmente o frigorífico de Fernandópolis funciona com o nome de LS Comércio de Carnes Ltda. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação de Votuporanga, o frigorífico tem atualmente 30 funcionários, que trabalham na desossa de 150 bois por dia, em média, o que gera um faturamento líquido mensal estimado em R$ 300 mil.

Tanto dinheiro contrasta com o padrão de vida de seus apregoados donos. Um deles é Luciano Simão Martins, que empresta as iniciais de seu nome para o frigorífico. Ele mora em uma casa simples na rua Totó Duarte, Vila Angélica, em Rio Preto. Antes de se tornar dono da empresa, segundo sua mãe, Luciano era vendedor de uma loja de artigos para pesca na cidade.

Seu sócio Gilberto Fernandes dos Santos, conhecido como Gil, tem perfil parecido. Divide com a mulher e a sogra um imóvel humilde na periferia de Paranaíba (MS). Segundo a sogra, ele “toma conta” do frigorífico. Antes, era um “faz tudo” de Alfeu. “Tirava leite, cuidava de sítio, vivia sujo, embarreado.” A mãe de Luciano confirma que, na verdade, Luciano trabalha para Alfeu, que, segundo ela, é o dono da empresa.

“Ele é funcionário do Mozaquatro?”, pergunta a reportagem.

“Ele é funcionário.”

“Faz tempo?”

“Um ano e meio.”

A telefonista do frigorífico também confirma que Alfeu é o proprietário do frigorífico. Luciano diz ter arrendado a empresa do empresário, mas todo dia, segundo a funcionária, Alfeu dá expediente no local. Já Marcelo costuma ficar em uma distribuidora de carnes nobres, da marca Benson Beef, no Jardim Novo Mundo. A firma também aparece em seu nome, e tem Marcelo Mozaquatro, filho de Alfeu, como um dos empregados. Segundo a mãe de Luciano, o filho entrega carnes. “Ele faz tudo lá”, afirma.

A LS em Fernandópolis foi criada em julho de 2012, coincidentemente na mesma época em que o frigorífico voltou para o controle do empresário, após seis anos de recuperação judicial, em que foi arrendado para várias empresas do ramo. Em outubro de 2013, Alex Alves Ferreira também se tornou sócio da empresa, quatro meses após se casar com a filha de Alfeu, Patrícia Mozaquatro.

O mesmo endereço da LS em Fernandópolis - avenida Expedicionários Brasileiros, 139, logo na entrada principal da cidade - já abrigou outras seis empresas, muitas delas concomitantemente, entre 1997 e 2006, ano em que foi deflagrada a Operação Grandes Lagos. Para a PF, não passavam de “filiais de fachada, inexistentes de fato”. Agora, a PF estranha o fato de o frigorífico não estar em nome dos Mozaquatro. A Receita Federal deve verificar se as empresas de Luciano estão emitindo notas fiscais e recolhendo os impostos devidos.

Mozaquatro ‘só passa lá de vez em quando’

Luciano Simão Martins nega ser laranja do empresário Alfeu Mozaquatro. Disse ter arrendado o frigorífico em Fernandópolis, e que Alfeu “só passa lá de vez em quando”. Garantiu ser dono da distribuidora de carnes nobres em Rio Preto. “O Marcelo (Mozaquatro, filho do Alfeu) é meu funcionário.”

O Diário tentou contato com Alfeu Mozaquatro no início de janeiro, no frigorífico de Fernandópolis. Nas três primeiras tentativas, sua secretária informou que ele estava no imóvel, mas não poderia atender nenhum telefonema. Na última, informou que o empresário não iria se pronunciar. Seu advogado, João Luiz Baldisera Filho, negou que o frigorífico seja de Mozaquatro.

“Está em nome de outra empresa, não tem nada a ver com o Alfeu, que apenas presta consultoria para os atuais donos.” A reportagem também tentou falar com Gilberto Fernandes dos Santos tanto no frigorífico quanto na sua casa em Paranaíba (MS), mas ele não foi encontrado.

TREZE AÇÕES PENAIS

Mozaquatro é réu em 13 ações penais na Justiça - 12 decorrentes da Operação Grandes Lagos, da Polícia Federal, que desmontou megaesquema de sonegação fiscal no comércio de carnes e derivados, em 2006. Dessas, foi condenado em quatro e absolvido em uma. Nas restantes ainda não há sentença. A decisão mais recente é de outubro passado, da Justiça Federal em Jales. Mozaquatro foi condenado a 11 anos e 11 meses de prisão em regime fechado, além de multa de R$ 2,1 milhões, por sonegação fiscal de R$ 30,4 milhões e falsidade ideológica. Outros cinco réus, incluindo a filha dele, Patrícia, foram condenados pelos mesmos crimes.

O processo é referente à Coferfrigo ATC, uma das principais firmas “laranjas” de Mozaquatro, segundo a Polícia Federal. Criada em 2001, a empresa arrendou as plantas industriais do Grupo Mozaquatro em Rio Preto e Fernandópolis. Daí em diante, todos os impostos do grupo eram recolhidos pela Coferfrigo, que estava em nome de laranjas. Como nem a empresa nem seus donos no papel tinham lastro patrimonial para arcar com a dívida, a Receita não conseguia executar a cobrança dos impostos devidos. E o Grupo Mozaquatro se livrava do passivo tributário.

Em 2010, Alfeu já havia sido condenado na Justiça Federal a quatro anos, quatro meses e 15 dias de prisão em regime semiaberto e a pagar multa no valor de R$ 915 mil por tentar corromper testemunha ainda na fase de inquérito da operação da PF, em 2006. Dois anos depois, ele e o também empresário Marco Antonio Cunha tiveram pena de, respectivamente, 5 anos e 10 meses e 6 anos e 9 meses de prisão, em regime fechado, por sonegação tributária de R$ 8,7 milhões por meio dos frigoríficos Caromar e Santa Esmeralda, de Guapiaçu, e Boi Rio, de Rio Preto. Alfeu e os demais réus recorrem desses processos em liberdade.

MAIS SEIS AÇÕES

Na Justiça Federal, há outras seis ações penais contra Alfeu ainda não julgadas, cinco por crimes tributários e uma por formação de quadrilha. O esquema investigado na Grandes Lagos sonegou um total de R$ 1,68 bilhão em impostos, segundo a Receita Federal. Os tributos são cobrados tanto em âmbito administrativo quanto judicial. Somente contra Alfeu são 63 ações de execução fiscal por dívidas de tributos da União, que se arrastam na Justiça Federal de Rio Preto desde 1993 - a cobrança judicial antecede a operação da PF. Esses processos somam uma dívida tributária de R$ 109,4 milhões contra Mozaquatro, em valores não corrigidos.

Alberto Zacharias Toron, advogado do empresário nas ações penais decorrentes da Grandes Lagos, nega que seu cliente tenha praticado os crimes de que ele é acusado. Para ele, na “pior das hipóteses” houve inadimplência fiscal, não sonegação, já que Alfeu declarava os impostos devidos, embora não os pagasse. Para o advogado Baldisera Filho, que defende o empresário nos processos de execução fiscal, as cobranças se referem a empresas que não pertencem a Mozaquatro. “Ele não tem nada a ver com essas firmas.”

CRIME AMBIENTAL DÁ CONDENAÇÃO

O Tribunal de Justiça condenou Alfeu Mozaquatro e seu funcionário José Roberto Barbosa a três anos de prisão por crime ambiental, substituída por prestação de serviços comunitários. A empresa Indústrias Reunidas CMA Ltda, curtume em Monte Aprazível, também foi condenada a custear programas ambientais no município no valor total de R$ 1 milhão.

Os réus foram acusados pelo Ministério Público de ordenar aos funcionários do curtume que enterrassem chumbo e cromo, usados no processamento do couro, em áreas dentro da empresa, em vez de encaminhar os resíduos para um aterro sanitário licenciado. O depósito irregular foi feito entre 2000 e 2006. As substâncias, cancerígenas, contaminaram o solo e o lençol freático do local, conforme o Diário revelou na época.

A 1ª Vara de Monte Aprazível havia condenado Alfeu a seis anos e oito meses, em regime fechado, e Barbosa a quatro anos e sete meses, no semiaberto. Mas ambos recorreram, e o TJ reduziu as penas. Mesmo assim, os réus ingressaram com novo recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ainda não analisou o caso.