Em uma palestra organizada pela Regional de Fernandópolis da APM – Associação Paulista de Medicina – no Clube dos Médicos da cidade, o professor do departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e chefe do Ambulatório de Cefaleia e Algias Craniofaciais do Hospital das Clínicas da FMRP-USP, José Geraldo Speciali, especialista em dor, falou sobre um novo conceito em relação às dores neuropáticas. Porém, a experiência e o conhecimento do renomado médico, não foram as únicas curiosidades de sua visita. Speciali é sobrinho de um dos maiores políticos da história de Fernandópolis, o Dr. Adhemar Monteiro Pacheco, que foi prefeito, vice-prefeito e, também, fundador do Hospital das Clínicas do município. A convite do tio, o médico, que hoje é referência nacional em se tratando de dores de cabeça, chegou a residir em solos fernandopolenses e clinicar no hospital fundado por Pacheco, logo depois de se formar 1968. No entanto, o desejo de se especializar o levou para outros caminhos, retornando para Fernandópolis somente agora. Em entrevista, o doutor das dores, como é conhecido nacionalmente, fala de suas lembranças dessa terra, do carinho que seu tio tinha por ela, da atual situação da classe médica, além de explicar algumas peculiaridades e dar dicas de tratamentos para a tão temida enxaqueca, tema de seu livro “Entendendo a Enxaqueca”.
O senhor passou algum tempo em Fernandópolis assim que se formou em medicina. O que achou da cidade depois de tantos anos e como foi o reencontro com os amigos?
Foi muito bom rever os amigos, mas principalmente ver que Fernandópolis cresceu tanto, uma cidade tão progressista. Eu conheço Fernandópolis desde quando não tinha energia elétrica. A energia que tinha aqui vinha de um gerador que sempre era desligado a meia noite e apenas algumas casas tinham essa regalia, vamos dizer assim. Hoje eu vejo aqui uma grande cidade, com faculdades importantes, inclusive com o curso de medicina. Vejo o município hoje com asfalto, pista duplicada até a entrada da cidade e isso para mim é fantástico, pois antes só conseguia chegar aqui de trem, quando era jovem, e hoje consigo vir de carro e em pista dupla. Foi uma grande surpresa ver Fernandópolis como está, ver a cidade que meu tio, o Dr. Adhemar Monteiro Pacheco, ajudou a e desenvolver, dando tantos belos frutos.
Seu tio falava muito de Fernandópolis?
Muito. Ele tinha grandes amigos amava Fernandópolis. Várias vezes ele chegou a me falar que tinha vontade de voltar, mas depois que ele se mudou para São Paulo, ele se enraizou no hospital São Cristóvão e, como era apaixonado por medicina, fez daquele local sua vida e não saia de lá direito nem para passear. Assim, foi até praticamente a sua morte. Ele era uma pessoa que se dedicava de corpo e alma a tudo que fazia com carinho e amor. Acho que muito que sei aprendi com ele.
A Santa Casa de Fernandópolis foi certificada recentemente como Hospital de Ensino. Sendo professor de medicina, como o senhor avalia essa conquista para a cidade?
Extremamente importante, pois atrás de um Hospital de Ensino tem grandes professores e já conheço alguns ótimos docentes do curso de medicina daqui, mas essa certificação vai atrair, cada vez mais, professores com doutorados, mestrados, pois em se tratando de um hospital universitário, com certeza vai requerer profissionais diferenciados em algumas áreas e isso poderá servir de atração para novos docentes que se interessarão pelo ensino, pesquisa e atendimento a população.
Sua palestra em Fernandópolis foi sobre dores Neuropáticas. De forma sucinta, o que são elas?
É difícil conceituar as dores neuropáticas para os leigos, mas podemos dizer que as são aquelas geradas do próprio sistema nervoso, lesões, sejam elas nos nervos, nas raízes nervosas, na medula, ou no próprio cérebro. Ou seja, a dor existe sem uma lesão de músculo, sem uma lesão de articulação, sem uma batida ou pancada, ela é gerada no próprio sistema nervoso e requer tratamentos específicos, muito diferente das chamadas dores somáticas que são das articulações e outras origens.
O senhor é autor do livro “Entendendo a Enxaqueca”. O que o levou a escrevê-lo?
Na verdade, a princípio, eu comecei a estudar apenas dor de cabeça, me especializei nisso, e hoje eu me considero um expert em dores de cabeça. Escrevi o livro para compartilhar esse conhecimento. Só que com o passar dos anos eu percebi que havia dores pouco exploradas, poucos profissionais que cuidam da dor em geral, principalmente das neuropáticas e para mim, como neurologista, seria muito fácil pular ou acrescentar o meu conhecimento, não só às dores de cabeça, mas a dor em geral. E hoje eu atuo nessas duas vertentes que afligem cerca de 50% da população.
O que causa a enxaqueca?
A enxaqueca é um tipo de dor de cabeça causada por um problema hereditário. O indivíduo herda de sua família uma sensibilidade anormal, então quem tem enxaqueca é sensível a várias coisas, como por exemplo odores, certos alimentos, bebida alcoólica, a estresse, etc. Essa sensibilidade exagerada é que provoca a dor, que geralmente é de forte intensidade, latejante, provocando até náuseas, vômitos, etc. Os tratamentos mais modernos estão no sentido de tratar através de medicação diária e não apenas quando dói, o que diminui essa sensibilidade.
Há uma faixa etária mais propícia a desenvolver uma enxaqueca?
Na faixa etária mais produtiva, dos 20 aos 40 anos e principalmente nas mulheres, para cada três mulheres, um homem sofre desse mal.
A má alimentação pode influenciar nas crises de enxaqueca?
Não vou dizer a má alimentação, mas sim aos alimentos que o indivíduo é sensível. Não falo em má alimentação, pois algumas frutas também provocam a enxaqueca, e fruta é saudável. Por exemplo, a melancia, laranja, tomate, tudo isso pode provocar enxaqueca. Como disse, a enxaqueca é uma sensibilidade e a pessoa também pode ser sensível a alimentos saudáveis.
O senhor foi um dos precursores da utilização de artes plásticas em sala de aula para o ensino da medicina. O que o levou a utilizar desse método?
Em viagens ao exterior. Conhecendo museus famosos, como o de Nova York, de Londres e outros países, eu observei os quadros de alguns artistas renomados do ponto de vista de um cefaliátra (especialista em dor de cabeça). Eu olhava e dizia: esse personagem parece que estava com dor de cabeça. Com isso, em mente fui selecionando alguns quadros, que na minha percepção retratavam sinais típicos de dor, sem saber se na cabeça do pintor ele estava realmente tentando retratar uma dor de cabeça, mas vi que as pinturas poderiam ser uma maneira criativa de auxiliar os alunos a identificar em seus pacientes alterações faciais específicas de cada tipo de cefaleia. Trata-se de algo muito didático. O aluno aprende olhando e nunca mais esquece. Um exemplo que posso citar é da obra “O Grito”, de Edvard Munch. A expressão revela uma dor alucinante típica da cefaleia em salva. Este gênero de dor de cabeça é um dos piores conhecidos e caracteriza-se por uma dor que surge em ondas lancinantes. O personagem ainda tem a pálpebra caída, mais um sinal apresentado nessas condições. Outra obra que serve para ilustrar a dor é o afresco “A Expulsão do Paraíso”, de Michelangelo, pintado no teto da Capela Sistina, no Vaticano. Na imagem, Adão traz no rosto uma expressão clara de quem sofre de cefaleia cervicogênica, dor que tem origem na região cervical.
Tendo em vista o cenário em que se encontra a medicina em decorrência da implantação do programa “Mais Médicos”. Como vê a atual união da classe médica?
Essa união é absolutamente importante. Talvez esse programa “Mais Médicos” tenha sido o estopim para a grande união da classe médica que é contrária a essa situação, que não é confortável para ninguém e também nem é segura para a maioria da população que vai se servir desses médicos que não sabemos qual é a qualidade da medicina que vão exercer e o pior vai ser ainda o problema da língua, pois eles vão tentar exercer a medicina em lugares pequenos que tem um linguajar totalmente diferente do português aprendido em escola, então até eles entenderem os pacientes e vice-versa, eu não sei no que vai dar. Para mim isso não é um bom caminho. Mas essa questão serviu, pelo menos, para unir a classe médica. Faltava alguma coisa para dizer assim: espera ai, estamos sendo agredidos, precisamos nos unir e nos defender. A classe médica, muitas vezes não é unida e isso gerou uma união entre as classes médicas no Brasil todo.
O que o senhor tira de experiência nessa visita à Fernandópolis?
Eu sou acostumado a fazer esse tipo de reuniões em todo Brasil, mas em poucos lugares que fui, inclusive bem maiores do que Fernandópolis, tinha tanta gente e participantes tão interessados em aprender coisas novas e se atualizar. Isso para mim foi uma experiência fantástica.