O senhor Adelino Pereira Boaventura completará 70 anos de idade no próximo 5 de julho. Português nato, viu em Fernandópolis, juntamente com o seu irmão José Maria, a oportunidade de ter o próprio negócio e constituir família, o que resultou na Padaria União. Após 50 anos fazendo os pãezinhos da mesa fernandopolense, resolveu descansar e cuidar da saúde - nada mais justo. Casado com dona Leuza há 42 anos, tem três filhos: o engenheiro agrônomo André, a dentista Valéria e o jornalista Paulinho. Sob um olhar de quem trabalhou sem descansar, conta como foi sua vida em terras brasileiras e um pouco sobre a fundação da Casa de Portugal que completará 44 anos no próximo dia 15.
CIDADÃO: Quando e por que o senhor veio para Fernandópolis?
Adelino: Vim para Fernandópolis dia 15 de abril de 1963 para tomar conta da padaria. Antes, fiquei quase três anos em Araraquara. Eu e o José Maria Saímos da firma Dias Martins e estávamos comprando uma padaria em Frutal - MG. Aí, não deu certo e compramos aqui. Tinha o Manoel Felipe, irmão do gerente da empresa em que trabalhávamos, e ele disse: "vamos embora para Fernandópolis, tenho uma padaria boa para lhes vender". E nós viemos em 63.
CIDADÃO: O que fez com que abandonasse Portugal?
Adelino: O exército. Passava-se a mocidade servindo ao exército. Ficava dois anos em Portugal e mais dois anos na guerra. Se o jovem tem que ficar quatro anos parado, é melhor sair do país, que é mais fácil. Para um jovem, em quatro anos faz-se uma vida.
CIDADÃO: O senhor veio de qual região de Portugal?
Adelino: Eu vim de Beira Baixa, no centro de Portugal, no entroncamento de Santarém. Toda a linha que vai para o Norte, passa em Santarém. Eu morava quase virando para Castelo Branco para a divisa da Espanha.
CIDADÃO: Nunca pensou em voltar?
Adelino: Para Portugal, eu nunca voltei. O tempo em que eu podia ir lá para passear, eu não tinha dinheiro. E Leusa é brasileira, não tem aquela tal da vontade de ir. Segunda-feira passada embarcou um irmão e uma irmã para passear em Portugal e eu não posso ir, pois estou esperando por uma cirurgia nos quadris. Chegando a Portugal, para você ir ali ou aqui, acaba não aguentando.
CIDADÃO: E o senhor não sente saudade?
Adelino: Agora eu não sinto porque mudou tudo. Eu ri muito esses dias. Meu irmão queria visitar as propriedades que meu pai tinha e a minha irmã disse que ele terá uma grande decepção porque está tudo muito diferente. Um sobrinho meu foi para lá no ano passado e tirou algumas fotografias da antiga casa do meu pai. Só a entrada continua do mesmo jeito, tudo igual como nós deixamos. Já por dentro, o piso que é de madeira, está tudo podre.
CIDADÃO: Naquela época, quando o senhor comprou a padaria, Fernandópolis era de que jeito?
Adelino: Era uma vila. O asfalto terminava um pouquinho para baixo da padaria e ia também até a Munheca. A Santa Casa já era terra. Era uma cidade tipo Estrela d'Oeste onde todo mundo se conhece. O EELAS, por exemplo, quando foi construído, era no meio do café. O Jardim Santa Helena era plantação de café.
CIDADÃO: Por 50 anos, o senhor participou da vida dos fernandopolenses, colocando um item básico na mesa deles todos os dias. Um bom pãozinho requer muita prática?
Adelino: Agora é fácil, difícil era há 20 anos. Eu levantava às três horas da madrugada e desmanchava treze sacos de farinha. Naquele tempo, todo mundo comia pão e não engordava; hoje as pessoas comem e engordam (risos). O pão não tem segredo. Hoje é fácil fazer porque as máquinas fazem tudo. Naquele tempo tínhamos de fazer a massa, colocá-la para descansar, depois punha no tabuleiro, enrolava o pão, aí é que ia para o forno. Hoje, não. Bate a massa, já faz o pão e assa-se em grelhas. Naquele tempo era uma barra, onde padeiro tinha que ser artista. Hoje qualquer moleque enfia os pães no forno e pronto.
CIDADÃO: Certa vez, a sua padaria pegou fogo. Como foi isso?
Adelino: A padaria pegou fogo em outubro de 1968, quando ainda era no meio do quarteirão, onde hoje funciona uma reformadora de sofá. Tinha um comício do Alvizzi em frente à padaria naquele tempo e meu irmão estava lá. Eu estava na fila do cinema com a minha esposa, que na época era minha namorada. O forro era de madeira e uma faísca que saiu bateu no saco de papel e pegou fogo em tudo. Perdemos tudo. Tivemos que reformar todo o prédio e ainda permanecemos por lá por algum tempo. Até tentamos comprar o prédio, mas tinha seis ou sete donos, fruto de herança. Quando um aceitava a venda, o outro recusava. Então, deixamos quieto. Aí, surgiu aquele prédio da esquina, onde era o Bradesco (que havia comprado o prédio da antiga rodoviária), o compramos e passamos a padaria para lá em 1975.
CIDADÃO: Como era a política aqui em Fernandópolis?
Adelino: Quando eu cheguei, a briga era entre Percy (Waldir Semeghini) e Rolim (Edison), e Rolim ganhou. A política em Fernandópolis sempre foi muito suja e continua sendo. Nós éramos iguais a Votuporanga e hoje ela está a um passo muito a frente do nosso. Isso acontece porque lá não tem briga. Aqui, o que um faz, o outro desfaz. Quando Rolim ganhou, eles puseram umas línguas de vacas atrás de uma caminhonete e saíram dando voltas na cidade com elas penduradas. Já naquela época já se tinham brigas ferrenhas.
CIDADÃO: Como surgiu a Casa de Portugal?
Adelino: Juntou-se um grupo de portugueses para comprar o terreno. E o que fazíamos? Fazíamos almoços para nós mesmos e nós pagávamos. (risos) Compramos o terreno do Augusto Cavalin para a construção. Continuamos fazendo almoços e iniciamos a venda de títulos para começar a fazer o clube. Naquele tempo tinha muitos portugueses aqui. Tinha o Mário de Matos, o meu irmão Zé Maria, o Mané Felipe entre muitos outros.
CIDADÃO: Na época em que fundou a Casa de Portugal, qual era a maior dificuldade, além da financeira?
Adelino: Naquele tempo até que as coisas eram fáceis. Nós fazíamos as festas do vinho onde 60% era ganho. Eram festas que davam bastante lucro. O vinho era um português que dava ali de Valinhos, que é aquele “Quinta das Fontainhas”. Os ranchos portugueses vinham cantar aqui e era a TAP (Transportes Aéreos Portugueses) que pagava e eles davam uma passagem para sortear e arrecadar mais dinheiro. Então fazíamos festas, vários eventos, vendíamos títulos e assim conseguimos construir aquilo lá. Trabalhei por cerca de 20 anos nos eventos do clube. Eu ficava sempre no bar, por ter mais prática.
CIDADÃO: Hoje, aposentado, olhando para tudo que foi feito e para frente, pensando nos próximos anos, o que o senhor pensa da vida?
Adelino: Minha vida agora é só cuidar da saúde, visitar os filhos e descansar, porque já trabalhei bastante. Meu serviço foi bom, a padaria funcionou bem, o que me gerou o capital para que eu possa descansar hoje, além de ter formado meus três filhos e tê-los colocados cada um em que realmente queriam fazer. Nós queremos que a cidade vá para frente, pois tudo o que temos está aqui. Meu irmão Zé Maria, eu acredito que era a pessoa que mais gostava de Fernandópolis. Ele foi presidente da Casa de Portugal, Associação de Amigos, Lions Clube, Associação Melvin Jones, fora esses quereres sempre à frente. Ele foi um dos causadores da terceira faixa da Rodovia Euclides da Cunha, ele fez um movimento muito grande para o término construção daquela ponte de Porto Alencastro para lá de Iturama. Eu sou uma pessoa mais recolhida, ele não. Ele fazia parte da sociedade. Muita gente nem sabia que éramos irmãos porque nossos feitios eram muito diferentes, mas sempre nos demos muito bem. Passamos 42 anos trabalhando juntos, tanto que nós nunca tivemos repartições. Se eu precisava de dinheiro, eu pegava; se ele precisava, também fazia o mesmo. Se ele pagava dez contos e eu pagava cinco, não tinha problema. Não tinha acerto de contas entre os dois.