Maria Cipriana Martins Costa tem 52 anos, é professora de Língua Portuguesa da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e, recentemente, encarou um novo desafio: coordenar uma instituição particular, porém, fruto de cooperativa, que é o Colégio Coopere. Esposa de Jesuíno, mãe de Larissa e Rodolfo e a tia querida da pequena Ágatha, a educadora conta como seu pai foi fundamental em sua formação e faz um panorama atual e sincero da educação brasileira.
CIDADÃO: Por que você escolheu ser professora? Como seu pai influenciou em sua escolha?
Maria Cipriana: Na verdade, acho que já nasci para ser professora, pois desde criança dava aulas para as minhas bonecas e com aquela visão da época: varinha na mão e tinha que aprender na marra, afinal, professor era autoridade máxima, tinha que ser obedecido! Depois, o aprender me encantava muito, descobrir as palavras, falar corretamente (lembro que quando descobri que se falava vassoura e não “bassoura”, balanço e não “balango”, cheguei em casa, queria que todos falassem “direito” e, para o meu pai, isso era o máximo: eu aprendia e queria que todos aprendessem). Minha mãe é analfabeta e minha frustração foi não ter conseguido que ela aprendesse a ler e escrever, pois tentativas não faltaram. Meu pai sabia ler, escrevia as suas garatujas, na matemática era fantástico e ele incentivava muito para que nós (filhos) lêssemos: assinou jornal (O Estadão) e revista (O Cruzeiro), comprou coleções de dicionários e de Língua Portuguesa, além de outros incentivos relacionados ao aprender mais. Quando pedia-lhe dinheiro, tinha que falar para o que era, se fosse para doces, roupas e supérfluos, ele negava, mas se fosse para livros ou trabalhos escolares, nem pedia troco. Ele também dizia que ao invés de pensar em namorar e casar cedo, eu deveria estudar para futuramente ter uma profissão e não depender financeiramente de marido. Essa fala dele foi marcante para mim e sempre segui esse direcionamento. Agora, essa profissão, apesar das “pedras no caminho” é cativante! Quer lugar melhor do que estar entre crianças e adolescentes! Creio que é melhor conviver com seres cheios de vida do que com a tristeza do hospital, com a frieza dos bancos, dentre outros, concorda?
CIDADÃO: Quando começou a lecionar, quais foram as suas primeiras desilusões com a educação?
Maria Cipriana: Entre tantas desilusões, entrei na área justamente na época em que nossos governantes já desvalorizavam os educadores e uma das frases de um deles foi que “as professoras não ganhavam mal, elas eram mal casadas”. Outro entrave que eu via era a insatisfação de quem estava na rede há um bom tempo, as reclamações eram muitas e isso me incomodava, então comecei a prestar vários concursos: saúde, banco... O que aparecia, eu tentava. Depois de um tempo, começaram as chamadas para alguns cargos desses concursos, mas eu já estava engajada com as aulas e resolvi ficar, mesmo não sendo efetiva na rede. Então, resolvi que não reclamaria do magistério, já que foi realmente uma escolha minha! Outra desilusão foi ao perceber que na escola havia uma biblioteca fechada e com livros interessantes que não eram do conhecimento dos alunos. Achei aquilo um absurdo, pedi autorização para a diretora e uma vez por semana, pelo menos, eu ia mais cedo para a escola, selecionava os livros e levava para a sala de aula. Cada aluno lia o que queria e deixava que eles trocassem, falassem sobre o que haviam lido e, no final, anotava o livro que iriam levar para lerem em casa... Nossa, apesar do trabalho que dava, era muito bom vê-los lendo, trocando opiniões e ainda querendo levar para a leitura de casa... Ah, outro caso foi começar a dar aula e ser cobrado um planejamento, sendo que eu nada sabia sobre isso! O que fiz foi buscar informações com as professoras que já estavam trabalhando na escola. Ainda bem que sempre fui muito bem aceita por todos e não tive problema, corri atrás do prejuízo. Acho que esses foram os primeiros problemas. Não me lembro de desafetos maiores.
CIDADÃO: Você lecionou a vida inteira para o Estado e hoje está coordenando um colégio particular. Como você lida com as diferenças?
Maria Cipriana: É fato que lecionei a vida inteira para o Estado, estava habituada e sempre gostei muito do que faço. Agora, fazer parte da coordenação desse colégio é algo novo e me deixa apreensiva na tentativa de ter atitudes assertivas, mas não tenho medo de mudanças, chego devagar para conquistar o meu espaço e é o que estou fazendo no momento. São realidades diferentes, mas o ser humano não difere muito um do outro e tenho a sorte de ser bem recebida pelas pessoas de modo geral. A confiança que você adquire com a convivência é primordial. Quando percebo que não sou bem quista em determinado espaço, não permaneço. Além disso, sempre procuro trabalhar com afinco, pois acredito que as pessoas têm que viver bem, sem discussão. Sou aberta ao diálogo e acredito nas pessoas. Assim vou levando a vida, sem medos.
CIDADÃO: Os professores do Estado estão mais uma vez em greve diante da desvalorização do profissional. Quais são os maiores problemas que o professor do Estado enfrenta?
Maria Cipriana: Nesses casos, a união de todos seria essencial, no entanto isso nunca acontece. Por trás disso há uma série de envolvimentos nos quais não acredito muito. A desvalorização é fato, mas nem todos têm um interesse em comum, há frentes que não têm a mesma ideologia de quem está na ponta mais frágil e tudo é emperrado. Participei de todas as paralisações que pude e não me senti prejudicada profissionalmente por isso, mas o clima na escola fica muito pesado, pois cada um tem seus motivos para não aderir, o que é cobrado e, às vezes, a decisão não é aceita, seja por quem adere ou não. O que é prometido, não é cumprido, no entanto, as propagandas mostram o contrário, o que é dito, é esquecido e a valorização não acontece.
CIDADÃO: No momento, você se encontra de licença-prêmio, aguardando que se resolvam algumas questões de sua aposentadoria. Por que ainda não sai a aposentadoria? Quais os entraves?
Maria Cipriana: Pois é, os entraves não são claros... Em pleno século XXI, com toda essa tecnologia à disposição e um profissional com trinta anos de atuação séria, ainda tem que esperar que seu direito seja cumprido a passos de tartaruga? Fiz o pedido em janeiro, um direito já adquirido, no entanto, teve que ser reavaliado e essa reavaliação ainda não saiu. E o pior, parece que eu sou a culpada por não ter pedido antes, como se eu soubesse de todos os trâmites do processo. Tudo isso é decepcionante.
CIDADÃO: Hoje você é professora dos filhos de seus ex-alunos. Qual a sua análise sobre a diferença das duas gerações? O que mudou?
Maria Cipriana: A diferença é que quando comecei a lecionar, em uma sala havia poucos alunos desinteressados, hoje acontece o contrário: há poucos alunos interessados... Vamos e venhamos, a sociedade também mudou muito! Antes a preocupação era que o cidadão se tornasse um homem trabalhador, que conseguisse suas próprias vitórias que não vinham através de ninguém, cada um trilhava seu caminho e sem traumas. Hoje, normalmente a família, se não abandona de vez, sem direcionamento, procura dar tudo para que o jovem não sofra ou por se sentir culpado por ser da forma que é ou está, ou por ter condições financeiras, então oferece tudo que o filho nem sonha... Dessa forma, sem limites, a integração do “ter” é cada vez mais forte, parece que se esquece do “ser”... Assim, estudar para quê? Prestar atenção em uma aula é menos interessante do que estar navegando na internet. Ah, e sem falar no palavreado “chulo” que está impregnado na fala cotidiana dos jovens, de modo geral. O triste é que esse modo de falar está tão comum que o adolescente nem sempre percebe que falou! Não é que a geração dos pais dos meus alunos seja melhor, mas é preocupante a atual... Onde e como chegará? As oportunidades são muitas, no entanto as escolhas serão sempre as melhores?
CIDADÃO: Quais são seus desejos acerca da Educação do Estado de São Paulo e do país?
Maria Cipriana: Eu realmente desejo que o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) atinja as metas estabelecidas para 2021. São Paulo, através do SARESP, já tem uma cultura avaliativa que vem ascendendo gradativamente e Fernandópolis, de modo geral, tem contribuído muito para isso, que nada mais é do que o resultado do trabalho realizado com seriedade e afinco dos professores que estão em sala de aula. O que praticamente ninguém reconhece é que o professor e os alunos são os verdadeiros protagonistas para que realmente a educação brasileira alcance um patamar considerável em relação aos demais países. Bons exemplos de práticas docentes estão espalhadas pelo Brasil todo, mas se não houver uma valorização, tanto salarial quanto aos demais aspectos, dificilmente este desejo tornar-se-á realidade. Difícil, mas não impossível, pois creio piamente que é através da educação que teremos um país mais justo, com cidadãos críticos e realmente humanos, com governantes sérios que visem o bem do povo e não a si mesmos. Até parece discurso político, mas estou sendo apenas sincera nesse desejo e, com certeza, não é apenas o meu!