Se no frontispício do prédio na Rua 7, nº 1043, em Santa Fé do Sul, uma placa recebesse a inscrição “Pronto-Socorro Jurídico”, os moradores da Estância Turística aprovariam sem titubeios, e muitos acrescentariam: “Espaço Cultural”. Ali mora, desde 1959, um dos profissionais mais competentes que se conhece na região: Dr. Alcides Silva. Natural de Bauru, o filho de Dora Martins e Duarte Silva lecionou português e formou-se em direito na “Cidade Sem Limites”. Casou-se com Eliza Sampaio com quem teve 5 filhos. Aos 83 anos advoga, assessora prefeituras (inclusive de MS), escreve e dirige o semanário “O Jornal” há mais de 4 décadas, e assina para vários jornais da região a festejada coluna “Língua portuguesa, inculta e bela”. A entrevista que segue é uma aula de português e de profundo conhecimento jurídico, com ênfase para “A liberdade de imprensa e a responsabilidade social”. Embora não faltem advogados competentes na área, nenhum ostenta a verve de Alcides Silva. Confira.
CIDADÃO: Há algum tempo que se discutem propostas de controle social da mídia, além de certas represálias como o queda do diploma para jornalistas. Como o senhor vê essa pressão por parte dos políticos?
ALCIDES SILVA: Premissa: todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão e esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações, por quaisquer meios e independente de fronteiras. A manifestação do pensamento, como liberdade pública fundamental, é livre, sob qualquer forma, processo ou veículo e não sofrerá restrição alguma. Esse o preceito nuclear, do qual deriva o direito objetivo da informação exata.
É um eufemismo através do qual se pretende a criação de um policiamento ideológico, filosófico, político e religioso do pensamento, que inicialmente levará à censura prévia e, depois, à parição dos hediondos delitos de opinião. Controle social é arbítrio, pois, opinião desfavorável ou não, desde que expressada em linguagem moderada, jamais poderá ser considerada delito.
O Poder pertence ao povo e não à classe dominante. A Constituição garante a liberdade de imprensa sem censura, prescrevendo em seu artigo 220 que «a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição» e «nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística».
A crítica é indispensável no mundo civilizado. Às vezes o texto chega a ser insolente, mas nem por isso deve ser proscrito. Pelo seu conteúdo responde seu criador ou divulgador.
Há diploma para escritor, para poeta, para pensador? Há diploma para as habilidades físicas? O jornalista tem de saber ler bem e melhor escrever. Tem de ser vocacionado e vocação não se aprende na escola. Para exercer a profissão não basta a faculdade: é preciso um exame de suficiência.
CIDADÃO: Assuntos como Mensalão, CPI de Cachoeira, ganharam visibilidade graças a denúncias realizadas pela imprensa. Qual a responsabilidade da mídia na veiculação de escândalos envolvendo casos graves, como os de corrupção?
ALCIDES SILVA: Dizia Rui Barbosa que a imprensa é a vista da nação, que a acompanha de perto e de longe, relatando o que lhe fazem de bem ou de mal, devassando o que lhe ocultam ou sonegam (mensalão). A crítica haverá sempre de traduzir um juízo de apreciação. Se o ato criticado é reprovado pela consciência do homem comum, não há porque minimizá-lo ou dourá-lo. Uma imprensa sob o tacão do controle social não denuncia, não mostra os erros. Mas nem por isso a imprensa pode ser irresponsável. Deve responder pelos danos que causar.
CIDADÃO: Numa esfera municipal, qual a responsabilidade dos pequenos jornais?
ALCIDES SILVA: Tanto faz. Pequeno ou grande, de circulação local, regional ou nacional, o jornal, independente do tamanho, tem de ser imparcial e fiel à verdade. O jornal noticia, mas não cria os fatos.
CIDADÃO: Como identificar um caso de abuso do direito de informar?
ALCIDES SILVA: A manifestação do pensamento, como liberdade pública fundamental, é livre, sob qualquer forma, processo ou veículo e não sofrerá restrição alguma. Esse o preceito nuclear, do qual deriva para o público alvo, o direito objetivo da informação exata. O abuso nasce com o desrespeito a esse princípio.
CIDADÃO: O que a liberdade de imprensa tem a ver com responsabilidade social e democracia?
ALCIDES SILVA: Parece haver um inter-relacionamento conceitual entre controle social e responsabilidade social. Aqueles são os mecanismos que estabelecem a ordem social disciplinando a sociedade e submetendo os indivíduos a determinados padrões sociais e princípios morais. Em termos mais eloquentes: é o poder absoluto de controlar os membros da sociedade. Esta, a responsabilidade social, é a forma de retribuir a alguém, por algo alcançado ou permitido, modificando hábitos e costumes ou perfil do sujeito ou local que recebe o impacto. Por outro lado, liberdade sem responsabilidade é complacência.
CIDADÃO: Qual a diferença entre liberdade de expressão e direito à informação?
ALCIDES SILVA: Não vejo diferenças; vejo complementaridade. A livre expressão e manifestação de ideias, de pensamentos e de convicções não podem e não devem ser impedidas e nem sofrerem interferência do poder Público; o direito à informação é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito e ferramenta indispensável à concretização do princípio republicano e à consolidação da cidadania. Sem informação e transparência o povo é impedido de exercer o poder estatal, do qual é o único titular (Constituição Federal, art. 1º, parágrafo único). E o direito à verdade.
O jurista português Gomes Canotilho, explicando a Constituição de Portugal, neste ponto inspiradora do Texto Brasileiro de 1988, leciona que "o direito de informação integra três níveis: o direito 'de informar', o direito 'de se informar' e o direito 'de ser informado'. O primeiro consiste, desde logo, na liberdade de transmitir ou comunicar informações a outrem, de as difundir sem impedimentos, mas pode também revestir de uma forma positiva, enquanto direito a informar, ou seja, direito a meios para informar. O direito de se informar consiste designadamente na liberdade de recolha de informação, de procura de fontes de informação, isto é, no direito de não ser impedido de se informar. Finalmente, o direito de ser informado é a versão positiva do direito de se informar, consistindo num direito a ser mantido adequadamente e verdadeiramente informado, desde logo, pelos meios de comunicação e pelos poderes públicos".
CIDADÃO: Com a experiência que tem, como o senhor vê os rumos que a imprensa tem tomado no Brasil e quais as suas expectativas para a área?
ALCIDES SILVA: A imprensa, a grosso modo, tem vínculos com as classes dominantes, o que é um mal. Os jornalistas, porém, não deveriam ser influenciados pela opinião pública ou por fatores externos: apenas pela busca da verdade. A verdadeira função da imprensa é a de informar esclarecendo, noticiar instruindo, discutir elucidando. E foi isso o que fez o contestante.