O jornal CIDADÃO reúne hoje a opinião de três filhos daquele que foi um dos advogados mais competentes que a nossa sociedade conheceu, com atuação brilhante nos tribunais: Fernando Jacob, de saudosa memória. Em Boituva, na comemoração do lº aniversario de Henrique Jacob Raffaini, a reportagem ouviu Fernando Jacob Filho (Diretor do Departamento Jurídico do Grupo Petrópolis), Luiz Eduardo Martins Jacob (Procurador do Estado do Mato Grosso) e Renato Martins Jacob (Desembargador do TJ de Minas Gerais). Abertamente, sem rodeios, os competentes profissionais expuseram suas opiniões sobre assuntos que hoje estão na imprensa, preocupam a sociedade e provocam grandes discussões nos poderes da República.
Fernando Jacob Filho:
“No Brasil existe uma mania de querer alterar a legislação de acordo com os números que começam acontecer em maior número, em maior intensidade. Eu não concordo com diminuição da maioridade penal. Primeiro eu acho que não resolverá o problema. Não porque a pessoa de 13 ou 14 anos não tenha consciência do que é certo ou errado. É preciso dividir esse grupo de menores infratores em dois. Tem aquele menor infrator ocasional, que é filho de gente boa, que tem boa formação moral e religiosa e que um dia comete um deslize que qualquer pessoa está sujeita a cometer. Só não vai alterar a legislação para alcançar esse menor infrator que é ocasional. Um menor infrator que não é ocasional, aquele que é habitual, inclusive usado pelo crime organizado, crime de transporte de entorpecentes e de todo tipo de droga, aquele que é usado para ir armado aos assaltos porque os outros se safam e ele ficaria internado um tempo e depois sairia com a ficha limpa. Nesse caso, não adianta. Se for reduzido para 16 anos, eles vão começar a usar os meninos de 14 e 15 anos. Então, será reduzido até pegar crianças no útero materno. Eu acredito que essa não seja a solução. A solução é a educação e campanhas de conscientização de pais. Hoje, existe no Brasil uma associação chamada CervBrasil, constituída pelas quatro maiores cervejarias do Brasil: Ambev, Petrópolis, Heineken e Brasil Kirin (que é a antiga Schincariol) que nós, participantes dessa associação, estamos ajudando o Poder Judiciário e o Ministério Público nesse sentido. Nós fizemos parcerias para conscientizar os donos de comércio, de bares e pequenos mercados, a não venderem bebida para menores de idade. Existe um software desenvolvido que, quando você chega no supermercado com o carrinho e começa a passar a suas compras, o programa identifica qualquer produto que tenha álcool. A máquina do supermercado trava e pede o RG da pessoa que está comprando. Se ele for menor de 18 anos, ele não leva o produto. Ninguém quer que o menor seja infrator, que ele beba, mesmo porque, quem começa a beber cedo, morre cedo também. Isso não interessa nem a quem fabrica e comercializa a bebida. Eu acho que a solução não é reduzir a maioridade. O menor que é usado pelo crime organizado: se reduzir para 16, vão começar a usar meninos de 13, 14 anos e vai aumentar o problema da juventude brasileira. Têm de serem feitas campanhas, tem que cuidar melhor da educação, conscientizar pais. Nós temos o exemplo do Dr. Evandro Pelarin que faz um trabalho excelente na área de menores. Eu acho que a conscientização dos pais seria o primeiro grande passo para diminuir a delinquência juvenil. Hoje, as detenções são fábricas de crime. O indivíduo entra por causa de uma infração e lá aprende a cometer outras infrações que ele não conhecia. Não é por aí. Eu acho que tudo passa pela educação, pela conscientização dos pais, professores na escola podem colaborar bastante, programas junto às escolas públicas e também particulares de conscientização para que o menor não beba. Se ele começa a beber com 11 anos, quando estiver com 18, ele não se contentará em tomar uma cervejinha. Ele vai querer tomar produtos de alto teor alcoólico e, aí, partem para as drogas porque aquilo já não o satisfaz mais.”
Luiz Eduardo Martins Jacob:
"O Fernando iniciou bem a questão dizendo que, no Brasil, propõe-se resolver os problemas mudando a legislação quando não é o caso. O Governo deixa de investir na infraestrutura, deixa de investir nos jovens, na educação e na profissionalização destas crianças para tentar resolver a questão da legislação. Eu penso que a legislação, de fato, precisa ser adequada para a realidade atual. Esses menores têm uma consciência melhor do que está acontecendo e ficam com aquela sensação de impunidade porque não há uma punição para menores. Mas, tem que ter uma punição que fosse investida na educação e na profissionalização desses menores. Não é a punição só por punir, mas uma punição que não chega a ser uma ressocialização, porque esse menino não foi socializado. Então, seria uma pena se não se investisse na socialização e na educação. Eu estou afastado da área criminal há muitos anos, eu não estou falando como técnico, e sim, como cidadão que vem acompanhando os acontecimentos e a evolução. Eu entendo que o governo tenta resolver os problemas tentando alterar a legislação enquanto, na verdade, ele deixa de investir no problema real, que seria na educação e na fiscalização dessas crianças, no encaminhamento destes meninos."
A situação do menor infrator em Cuiabá-MT
"É como ocorre em todo o Brasil. Essas crianças não têm um lar definido, são frutos de lares desestruturados, de mães solteiras, de pessoas carentes de uma forma geral, carentes de financeiro e de educação, e que depois elas acabam sendo aliciadas pelo crime, e em um envolvimento muito grande com drogas. Você interna, depois solta e essas crianças continuam voltando porque não existe uma estrutura que possa recuperar esses meninos, que possa dar uma formação e educação."
Renato Martins Jacob:
"O assunto realmente está na pauta do dia, inclusive com o governador do Estado de São Paulo fazendo proposições e gestões no sentido de reduzir a maioridade penal como uma das soluções. Eu penso que nessa área da criança e do adolescente, a primeira palavra é a de inclusão social. O que o Estado não pode renunciar é a obrigação de criar e estabelecer programas no sentido de incluir esses menores, que são menores abandonados pelas famílias, abandonados pela situação financeira, enfim, são crianças que crescem na rua. Eu sempre resisti muito à ideia de reduzir a idade penal, mas a experiência, hoje, me levou a entender que ela é imperiosa e inadiável, porque nós não falamos mais de pequenas infrações cometidas por menores. Hoje, a natureza da delinquência juvenil se agravou demais. São verdadeiros líderes de facções de crimes de tráfico, de roubo, com 14, 15, 16 anos. Isso é o que temos visto no nosso dia-a-dia de tribunal. E as medidas sócios educativas propostas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente são absolutamente insuficientes para prevenir e punir esse tipo de infração ou esse tipo de infrator. Na verdade, até não se pode falar em punir, porque as medidas socioeducativas não tem em tese um caráter punitivo, apenas um caráter educativo. Só que, para esse tipo de criminalidade que nós estamos enfrentando hoje, essas medidas já se tornaram inócuas. Eu penso que na linha da infinita maioria dos países do mundo, nós temos que reduzir, sim, a maioridade penal para tentar conter essa criminalidade juvenil. Mesmo porque existe um fator que se o menor recebe uma punição aos 17 anos e 10 meses e comece a cumprir daí dois anos, com 21 já está extinta a medida socioeducativa, independentemente dele ter cumprido ou não com as medidas. Esse é um outro fator do Estatuto da Criança e do Adolescente, se ele cumpriu ou não, mesmo tendo cometido um crime de homicídio, um crime de latrocínio. Tem um outro aspecto que a jurisprudência caminha. Por exemplo, o menor já tem vários atos infracionais previstos no ECA e que responde àqueles processos. Aí, com 18 anos ele vem a sofrer uma ação penal por um delito mais grave. Perde-se a eficácia e o objetivo daquelas ações. São todos extintos, embora ele tenha cometido crimes gravíssimos. Porque ele já atingiu 18 anos e, agora, vai estar sob a tutela de um Direito Penal e não mais do Estatuto da Criança e do Adolescente. Existe um descompasso entre a nossa realidade e a legislação do ECA. Eu acredito que a primeira palavra de ordem é a inclusão social, com vários programas para fazer esse trabalho. Mas, também, não podemos mais adiar a questão da maioridade penal que deve ser reduzida, no meu ponto de vista, para 16 anos.”
A situação do menor infrator em Minas Gerais
“Não é diferente da realidade de outras regiões do Brasil. Os menores são arregimentados pelo tráfico. Há esse problema, como disse o Fernando, que os traficantes vão arregimentar menores de 13, 12 anos, mas isso já acontece também. Esses meninos já estão começando no tráfico com 11 anos. É a realidade muito triste que o nosso país atravessa. Em Minas não é diferente. Minas tem uma circunstância que ajuda um pouco que é o fato de não ter divisa com o exterior. Portanto, o tráfico internacional é uma coisa mais controlada. Existe sim, mas é mais controlado. No mais, o crime contra o patrimônio, o crime de latrocínio, crimes de homicídios, roubos e assaltos à mão armada são rotineiros, infelizmente, no estado de Minas Gerais.”