A megaoperação deflagrada em doze estados no último dia nove foi realizada em conjunto pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, contando com o auxílio e participação das Polícias Estadual, Federal e Militar. Em Fernandópolis, o promotor de justiça Daniel Azadinho Palmezan Calderaro é quem participa efetivamente das investigações e explana sobre como o Ministério Público atua nestes casos e qual a importância dele dentro do atual cenário crítico da política brasileira, em um momento em que parlamentares querem destituir o poder de investigação dos promotores de justiça em casos de corrupção.
CIDADÃO: O Ministério Público realizou uma megaoperação na manhã desta última terça-feira, dia 9, contra a corrupção. Qual foi o desenrolar da questão até culminar nesta operação? Quais os procedimentos que antecedem essa ação?
Daniel Azadinho: O objetivo da megaoperação é decorrente da árdua tarefa de combate ao crime organizado, praticado nas suas mais variadas formas de atuação. No Estado de São Paulo, a operação, denominada FRATELLI, ocorreu em cerca de 80 municípios, a maioria localizada na região noroeste paulista, e teve como finalidade precípua o combate à corrupção e fraudes em licitações, cujas condutas criminosas eram perpetradas por empresas atuantes no ramo da construção civil e asfalto. As investigações tiveram início há vários anos, e estão sendo presididas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo desde então, através do GAECO - GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO NÚCLEO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO, o qual, após constatar a extrema complexidade dos crimes praticados e a vasta extensão de atuação dos criminosos, contou com a participação do Ministério Público Federal e das Policias Federal, Civil e Militar, formando-se, assim, uma verdadeira força-tarefa para o desenvolvimento da operação. Logo, a Operação Fratelli é fruto de investigação sobre crimes de formação de quadrilha, fraude em licitações, corrupção ativa e corrupção passiva.
CIDADÃO: Quais os próximos passos da investigação?
Daniel Azadinho: Durante a operação, além do cumprimento de mandados de prisão, foram apreendidos nas sedes das empresas investigadas e prefeituras municipais documentos, objetos e materiais relacionados aos fatos, os quais serão devidamente analisados e periciados pelos órgãos técnicos. As investigações prosseguem, notadamente com a realização de oitivas de testemunhas e dos investigados, bem como perícias sobre os objetos e documentos apreendidos. A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 127, “caput”, define o Ministério Público como sendo instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
CIDADÃO: Está em votação no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 37, também conhecida como "PEC da Impunidade", que tira o poder de investigação dos Ministérios Públicos Estaduais e Federal. Caso seja aprovada, praticamente deixarão de existir investigações contra o crime organizado, desvio de verbas, corrupção, abusos cometidos por agentes do Estado e violações de direitos humanos. A megaoperação deflagrada pelo Ministério Público nesta semana foi uma resposta aos parlamentares e ao seu criador, o deputado Lourival Mendes do PTdoB?
Daniel Azadinho: É de se lamentar que, em pleno Século XXI, após a humanidade entrar na era da informação e na era dos direitos, o constituinte derivado pretenda retroagir aos períodos mais negros e sombrios da História, para impedir a Nação Brasileira de fazer investigações. Sem dúvida, devemos prestigiar a verdade. Viver sob a mentira é a mais cruel das penas. Mentir o tempo todo, para todo mundo, inclusive para si próprio, é uma pena cruel, crudelíssima. Portanto, todo e qualquer instrumento de apuração da verdade deve ser prestigiado e, entre tais instrumentos, está a investigação criminal. Alguns parlamentares querem que apenas a Polícia Civil e a Polícia Militar façam investigação para apurar infração penal, excluindo a atividade investigativa de diversos outros órgãos e entes, em especial, a do Ministério Público.
Pois bem. É a esta pena privativa de liberdade que o parlamento brasileiro pode condenar a nação caso seja aprovada a PEC-37 que tramita perante a Câmara Federal.
Trata-se de uma emenda constitucional que fere o direito natural de investigar, ou seja, de buscar a verdade. Se for aprovada, a Nação Brasileira será impedida de investigar crime. Em caso de aprovação pelo Parlamento desta malfadada emenda, a investigação criminal será considerada exclusiva das polícias Civil e Federal.
As investigações criminais também não poderão mais ser feitas pelo Poder Judiciário, pelo Parlamento, pelo Ministério Público, pela Ordem dos Advogados do Brasil, pelos Tribunais de Contas, pela Controladoria-Geral da União, pelos órgãos ambientais, pelos conselhos profissionais, ou pelos mais variados órgãos e entes estatais, ou não que para bem exercerem seus misteres, têm necessidade de apurar infrações penais. Ou seja, o Congresso Nacional está prestes a impor à Nação uma pena privativa de liberdade. Pior, quer vendar os olhos da Nação para infrações penais. A megaoperação realizada no Brasil, inclusive em nossa região, não é uma resposta aos parlamentares idealizadores e defensores da malfadada PEC 37. Absolutamente não. Tanto é verdade, que as investigações criminais vêm sendo realizadas e desenvolvidas há vários anos pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, antes mesmo da propositura da sobredita Proposta de Emenda Parlamentar de autoria do Deputado Federal Lourival Mendes, líder do partido político PT do B/MA, datada de 08 de junho de 2011.
Além disso, ao longo desses anos outras investigações criminais presididas pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal foram desempenhadas com êxito, notadamente no tocante ao desmantelamento de quadrilhas de traficantes de drogas e de autores de crimes praticados contra a administração pública.
CIDADÃO: A PEC 37 sendo aprovada, o que acontece com o Ministério Público?
Daniel Azadinho: Indaga-se: investigar crime é algo de que se pode privar alguém? Investigar é algo a que se possa chamar de direito, ou prerrogativa. Caso seja, a quem se pode privar o direito de investigar? Investigar criminalmente, em sentido estrito, é empenhar-se em descobrir; é investigar a autoria e as circunstâncias de um crime. Quem pode privar alguém de apurar a autoria, a materialidade, e as circunstâncias de um crime? Ninguém. Nem a Constituição, nem a Lei, nem nada, pode impedir alguém de fazer perguntas, de tirar fotografias, de fazer anotações, de procurar pessoas, de procurar coisas, de fazer exames laboratoriais etc.
Pois bem. Ao Ministério Público tem preocupado a tramitação desta emenda constitucional, uma vez que cabe à instituição, que é permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, a incumbência de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. E mais, cabe ao Ministério Público, no exercício destas incumbências, a função de promover, privativamente, a ação penal. Por tal motivo, o Ministério Público será extremamente prejudicado no desempenho de suas incumbências e de suas funções constitucionais, caso seja aprovada a emenda que dá exclusividade à Polícia Civil e à Polícia Federal na investigação de infrações penais. E assim, certamente ficará bem prejudicada a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
O trabalho de investigar é extremamente difícil. Não pode ser encarado como prerrogativa, ou como direito. Investigar é dever. As polícias Civil e Federal tem o dever de investigar. A atividade investigativa criminal é uma das atividades mais importantes para a sociedade que se pretende democrática e para o Estado de Direito. A atividade investigativa de infrações penais tem relação direta com a liberdade e com todas as garantias constitucionais que lhe asseguram. Por tal motivo, a atividade investigativa deve ser exercida de modo transparente, para que possa ser acompanhada por todos os setores da sociedade. Por tal motivo, a investigação criminal não pode ser exclusiva.
A atividade policial é extremamente árdua. Do fruto do trabalho árduo e denodado dos policiais. Tanto é que resulta do trabalho de investigação penal feito pela Polícia a maioria das ações penais propostas. Não há dúvida de que se deve valorizar a investigação penal feita no âmbito das polícias Civil e Federal. Exatamente pela seriedade, a investigação criminal precisa ser livre, aberta e transparente, de modo a garantir a todos, principalmente aos investigados o acesso às informações obtidas durante o procedimento investigatório. Por serem as investigações criminais importantes, elas não podem ser exercidas com exclusividade. A possibilidade de ser a investigação criminal feita por órgãos e entes diversos da Polícia Civil e da Polícia Federal traz o aperfeiçoamento do instituto.
Portanto, acreditamos sinceramente na não aprovação da malfadada PEC 37. Somente assim, operações exitosas como a FRATELLI continuarão sendo executadas cotidianamente, no árduo, porém incansável trabalho do Ministério Público, instituição que jamais se curvará diante dos corruptos e dos coronéis de colarinho.
CIDADÃO: O senhor conhece Fernandópolis e seus problemas políticos. O que o povo pode esperar após essas ações e quais as responsabilidades do cidadão fernandopolense?
Daniel Azadinho: No município de Fernandópolis continuaremos combatendo toda forma de desmando político e corrupção, e atuaremos contundentemente nos processos criminais e civis que se originarão das investigações da operação FRATELLI. No mais, a população fernandopolense pode ter a certeza de contar um Ministério Público forte e atuante. Pra encerrar, parafraseando o célebre colunista e jornalista Arnaldo Jabor, árduo defensor do movimento contra a PEC 37, “apenas três países no mundo não permitem a investigação criminal pelo Ministério Público: Uganda, Quênia e Indonésia. Se a PEC 37 for aprovada, estaremos em excelentes companhias”.