Paulo Eduardo Zucarelli é médico pediatra apaixonado pelo que faz. Se formou na Faculdade de Medicina de Rio Preto, sua cidade natal, e em 1996 e veio para a nossa microrregião trabalhar em Macedônia, onde morou por onze anos. Em 1998 se mudou com a família para Fernandópolis – casado desde 1987, tem dois filhos já formados. Sempre gostou de tratar de crianças por considerar que a médico precisa assumir o paciente, criar vínculos com ele.
Filho de mãe professora e pai mecânico, veio de família humilde e sempre entendeu a necessidade de criar políticas públicas para o desenvolvimento da saúde. Foi um dos fundadores do Consórcio Intermunicipal da Saúde, trabalhou por muitos anos na Secretaria de Saúde de Macedônia e passou 20 anos de sua carreira atendendo aos pacientes do PSF da Brasilândia, e mais dois anos no PSF do Jardim Guanabara.
CIDADÃO: O que te fez escolher esta microrregião para trabalhar?
Paulo Zucarelli: Tudo na vida são oportunidades. Naquela época, o governo estadual tinha um projeto chamado Médico Residente, onde se fixava um médico para cada cidade pequena e pagava-se bem para isso. Segundo que, naquela época, ao contrário de hoje, existia muito pediatra em Rio Preto, a vida lá era mais difícil para entrar na pediatria.
CIDADÃO: E por que você acha que está faltando pediatra hoje?
Paulo Zucarelli: Na pediatria aconteceu uma desvalorização de salários, eu sai do postinho daqui de Fernandópolis porque o salário é muito baixo. Enquanto valorizam algumas especialidades como neurologia e cardiologia, onde pagam quatro ou cinco vezes mais do que pagam ao pediatra. A vida de pediatra não é fácil porque a criança precisa de carinho, precisa ter um cuidado especial, porque criança não é brincadeira. Quanto menor a criança, mais cuidados ela requer. Fiz 20 anos de plantões. Você faz toda essa vida e o retorno financeiro é muito pequeno. Os preços pagos pelo sistema público, como os de convênios, são muito baixos. Não vivemos uma vida ruim, mas ganhamos pouco. Hoje, um pediatra ganha muito menos que um comerciante ou um bom advogado. O pessoal que tem se formado, não estão a fim de montar consultório, ninguém quer mais assumir o paciente. Hoje estamos enfrentando esse problema. Em Fernandópolis, quando cheguei, tinha no mínimo dez pediatras, hoje estamos em quatro pediatras atendendo na cidade. O pessoal que tem se formado, tem partido para dar plantão e atender em postinho, porque o pessoal vai lá, atende e vai embora, ninguém quer mais criar vínculos com o paciente. No meu consultório eu acompanho o paciente desde quando nasce até os quinze, vinte anos. Têm crianças que atendi pequenas e que hoje estão trazendo os filhos para mim. Você cria vínculo e eu gosto disso.
CIDADÃO: Dizem que as mães são todas iguais, mas as mães mudaram e desmitificaram algumas coisas?
Paulo Zucarelli: Hoje as mães têm menos filhos, só que elas querem um cuidado especial para esses filhos, principalmente as mães bem informadas. Toda mãe faz pré-natal, tem pediatra, ela vem na primeira consulta, isso se deve a conscientização geral da população e os programas governamentais que tem feito campanhas nesse sentido. Antigamente, a mãe tinha aquele monte de filhos e tentava cuidar da melhor maneira possível. Hoje, elas têm um ou dois - a média do Brasil é de 1,5 por família -, mas elas querem cuidar bem. Conheço muitas mães que tem planos de saúde apenas para a criança e não para elas. Elas estão mais preparadas graças aos cursos de pré-natal, elas também acessam muito à internet e procuram informação. Ainda existe muita pressão de pessoas mais velhas que estão acostumadas de um jeito, todavia, a mãe busca mais orientação do pediatra do que da família.
CIDADÃO: Qual a idade recomenda, na visão médica, para a criança ingressar na escola?
Paulo Zucarelli: O ideal seria depois dos quatro anos, que é quando a criança tem um desenvolvimento do sistema imunológico melhor. Antigamente o consultório de pediatria dava mais movimento nos meses de abril a agosto, que são os meses frios. Mas hoje, percebemos que o movimento começa quando as escolas e as creches começam as aulas. Quando acabam as aulas, dentro de duas semanas as doenças diminuem, principalmente as transmissíveis. O recomendável é que a criança vá para a creche depois dos quatro anos, mas atualmente temos outro problema. A criança fica muito sozinha em casa, ela não tem mais irmãos, primos, a socialização da criança fica mais difícil porque ela não gosta de conviver com adulto. Então, para que a criança possa brincar, seria melhor se fosse por volta dos dois anos, antes disso é complicado. As crianças tem ido para a creche com seis meses, um ano de idade.
CIDADÃO: Quanto tempo seria o recomendável para que a mãe fique com o filho?
Paulo Zucarelli: Seis meses ainda é pouco para a mãe. O ideal seria pelo menos um ano, mas aí têm os problemas trabalhistas. Eu recomendo que as mães tentem ficar em casa com a criança pelo menos meio período até essa criança crescer bastante. Existem pesquisas mostrando que, quando a mãe está presente em casa, além das crianças se desenvolverem melhor, ficarem mais sociáveis, o envolvimento com drogas no futuro, é menor.
CIDADÃO: Com quantos anos as mulheres estão decidindo serem mães?
Paulo Zucarelli: Quando você atende em periferia, você vê gente muito nova tendo filhos. Meninas de 13 já são mães. É comum ver uma moça de 20 anos com três filhos. Agora, quando se tem uma classe mais alta, as mães têm filhos a partir dos 25 anos de idade. A mãe quer estudar, quer se formar. O Brasil tem duas partes divididas economicamente: por um lado, mães mais instruídas que terão dois filhos, no máximo e, por outro lado, onde as pessoas menos favorecidas ou que moram em cidades pequenas, estão tendo filhos precocemente. Hoje se vê muita adolescente grávida. A incidência cresceu absurdamente.
CIDADÃO: Quanto à vacinação, qual o atual quadro brasileiro?
Paulo Zucarelli: Hoje, em termos de vacinação oferecida pela rede pública, está bem completa. Nos últimos anos foi incluída nessa grade, a vacina contra a meningite meningocócica. Mas ainda existem três vacinas que não foram incluídas, que provavelmente entrarão logo, que são as da varicela (catapora) - que é uma doença perigosa que pode atingir o cérebro da criança -, a hepatite A, que é uma doença transmitida pelas fezes, e a contra o HPV, que uma vacina que muita gente esquece porque acha que vacina só serve para criança, mas, na verdade, elas são para a criança, para o adolescente e para o adulto. Essa vacina deve ser dada entre nove e 29 anos, isto é, a mulher em idade fértil. O HPV é transmitido por relação sexual, causa o câncer do colo de útero e é o segundo câncer mais frequente na mulher brasileira, sendo o primeiro, o de mama. Se você vacinar a menina, mesmo sendo uma vacina um pouco cara, vai protegê-la de um câncer. São essas três vacinas que não estão disponíveis, ainda, pelo sistema público de saúde. Acredito que logo estarão incluídas, inclusive esta contra o HPV, porque é mais fácil para o governo prevenir do que tratar uma doença.
CIDADÃO: É difícil lidar com as mães? Elas mudaram a forma de pensar?
Paulo Zucarelli: Cada um tem uma formação, uma psicologia, um temperamento diferente. Um dos problemas da mãe é que ela recebe muita pressão da família e é um desafio que o pediatra enfrenta. O pediatra fala uma coisa e a avó fala outra. Normalmente as avós fazem muita pressão e a mãe chega desesperada no consultório. É que tudo mudou muito. Há 25 anos introduzia-se a alimentação da criança com dois meses de idade e, hoje, é aos seis meses. Muita gente ainda não aceita que não se pode dar leite de vaca puro para a criança, que ele pode causar vários problemas como colesterol, triglicérides, obesidade... Como antigamente se tratava a criança, quando a mãe não tinha leite, com o leite de vaca, acha que todo mundo pode. É preciso ter conhecimento, sentar com a mãe e explicar todos os riscos. A mãe, coitada, recebe bombardeios de todos os lados, afinal, o brasileiro não é muito científico, ele tem muita crença, acreditam em chás e banhos milagrosos. Tudo empirismo.
CIDADÃO: Qual a importância da valorização da pediatria?
Paulo Zucarelli: A pediatria teve uma fase de decadência muito grande por causa dessa falta de profissionais, só que, agora, o governo está enxergando isso, tanto que o Estado já está desenvolvendo um plano de carreira para médicos, está enxergando o pediatra como um médico essencial para a saúde da criança, pois outros médicos podem até tratar a criança, mas não tem o mesmo cuidado. A parte científica da pediatria está muito desenvolvida, o que estão faltando mesmo são profissionais. A pediatria é muito importante, é o começo da vida, é a base de tudo, é uma criança bem nutrida, bem orientada, bem cuidada, no início da vida, será um adulto promissor, não tenha dúvida.