As infinitas possibilidades de um engenheiro civil

20 de Agosto de 2025

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As infinitas possibilidades de um engenheiro civil

O engenheiro civil Roberto Racanicchi é coordenador do curso de Engenharia Civil da Unicastelo desde 2001, perito associado ao Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias do Estado de São Paulo há 12 anos – trabalho que resultou na perícia técnica que apurou irregularidades nas licitações da construção do Conjunto Habitacional “Dr. Jayme Baptista Leone”, durante a administração Vilar. Foi presidente da Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Fernandópolis por seis anos e é o responsável pelos projetos de estruturas de concreto de obras importantes como o Residencial Quarta Avenida, o Hotel Ramada, o novo Estádio de Votuporanga, entre outras grandes edificações de múltiplos pavimentos por todo Estado de São Paulo. 

CIDADÃO: Apesar de trabalharem juntos, existe uma grande diferença entre o arquiteto e o engenheiro civil. Como eles se diferem?

Racanicchi: Eu sou projetista e eu preciso de computadores, celular e internet. Se eu quiser trabalhar de bermuda e chinelo, eu posso. Esse é o tipo de engenheiro que fica no escritório pensando nos projetos complementares da obra, compatibilizados com a arquitetura. Nas grandes obras, o projeto arquitetônico é desenvolvido por arquitetos e nós, engenheiros, desenvolvemos o projetos funcionais da edificação. Essa seria a definição mais singela de um engenheiro civil. Tem engenheiros que fazer projetos de arquitetura, mas a formação dele é muito inferior em relação ao arquiteto, assim como o arquiteto não tem a formação que um engenheiro tem para fazer os projetos complementares de superestruturas, de instalações etc. Todo mundo faz tudo, mas as grandes obras tendem aos especialistas. Por exemplo, um grande prédio. O arquiteto faz o projeto arquitetônico porque ele é especialista naquilo, mas ele não vai fazer a estrutura ou a instalação hidráulica. Ele é o gerenciador do projeto e irá compatibilizar com os projetos complementares dos engenheiros. Os arquitetos mais antigos têm formação semelhante ao do engenheiro civil de hoje, por isso da confusão das atribuições entre os dois. Hoje é totalmente diferente, tanto que a engenharia civil é da área de exatas e arquitetura, de humanas. Os cálculos foram quase que extintos nos cursos de arquitetura. Para ter uma ideia, o profissional formado em arquitetura demora aproximadamente quatro anos para fazer engenharia civil, já um formado em matemática demora uns três anos. A engenharia é um modelo matemático, associado à física que resolve problemas arquitetônicos. 

CIDADÃO: Como o curso de engenharia civil prepara o aluno para o mercado de trabalho de hoje?

Racanicchi: A engenharia civil é uma das profissões mais antigas do mundo, é muito conceitual, afinal, muita gente quer dar um palpite sobre questões da área. A preparação dos alunos, dentro das cinco grandes áreas: estrutura, hidráulica e saneamento, geotecnia, transportes (ferrovia, rodovia, portos, aeroportos etc.) e construção civil, é voltada para o que chamamos de “V0”, que é uma variável física que digamos ser o início do problema e faz o aluno começar a pensar em determinado assunto. É um começo dos estudos de cada grande área, mas esse começo é muito grande... Hoje, a faculdade forma o aluno para atender o mercado de execução de obras, que é amplo. Agora o perfil do aluno formado na Unicastelo, em função do nosso Projeto Pedagógico, não é um perfil de fazer projeto de casa, de projetar grandes obras de início, como disse é um “V0”, mas tem um ótimo perfil para trabalhar em execução de obras, seja ela de saneamento, hidráulica, estruturas, geotecnia, transportes ... Ele olha o projeto, sabe de onde veio e sabe executar, mas é claro que tem todas condições de atuar em outros tipos de serviço, afinal é uma engenheiro civil pleno.

 CIDADÃO: E como está esse mercado?

Racanicchi: Eu costumo dizer que o mercado sempre foi bom. Eu me formei em 94 e era uma coisa triste [risos]. Era um triste cômodo. Ela difícil você ter um emprego, mas nunca faltou trabalho. Era difícil de achar, mas o trabalho tinha. O que faltava e o que falta é a pessoa de associar àquele trabalho. Falam que no Brasil faltam 200 mil engenheiros, mas isso não significa que faltam 200 mil pessoas formadas em engenharia, faltam engenheiros especialistas e sobram generalistas. Falta tanto, que o aluno com status de recém-formado atingem os objetivos que as empresas precisam, e as empresas pensam nesta pessoa como um forte candidato na evolução da profissão. É essa pessoa que falta no mercado, mesmo que ela seja especialista em uma situação básica como, por exemplo, orçamento. Por mais que seja uma atividade simples, mas minuciosa, falta no mercado engenheiros que façam bons orçamentos que, quando se projeta e se executa, o valor é compatível. Mas 2006 para cá que houve crescimento considerável no setor. 

CIDADÃO: Esse crescimento é consequência de quê?

Racanicchi: De 2006 para cá coincide com o governo Lula, mas não sei se tem relação. Para mim é uma coincidência, mas a construção civil cresceu muito nesse período. O poder de compra aumentou. Uma casa simples, de 60 m², hoje custa em torno de R$ 100 mil. É até difícil falar em valor, pois se faz casas de R$ 200 mil ou R$ 120 mil com a mesma área construída. A questão da fiscalização profissional também melhorou muito, porque antigamente as pessoas realizavam as construções do jeito que imaginavam estar corretas, o acesso da sociedade ao engenheiro civil era um pouco restrita. Hoje, todo mundo procura um engenheiro ou um arquiteto para resolver o seu problema com a residência. As grandes obras públicas também fazem a exigência de que se tenha um engenheiro civil residente na obra. Por exemplo, você tem uma obra de porte médio e é obrigada a ter um engenheiro constantemente lá. Antigamente isso não existia. O dono da construtora tinha cinco obras e tinha um engenheiro pra todas. Hoje, ele precisa de um engenheiro para cada uma. A questão da Copa do Mundo e das Olimpíadas também favorece, mas não sei se isso atinge Fernandópolis diretamente. Eu acredito, sinceramente, que não. 

CIDADÃO: Como é o trabalho de um perito?

Racanicchi: Existe o Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias do Estado de São Paulo - IBAPE, que é como se fosse uma associação de peritos. Para se associar ao IBAPE é necessário fazer vários cursos preparatórios para a atividade, por exemplo: como abordar pessoas no local, de como desenvolver um laudo pericial técnico, de como atender de forma satisfatória o juízo. Você lê o processo e, como os olhos do juiz, você vai ao sinistro, e emite uma parecer técnico de uma forma que o juízo entenda o que se passa e tenha suas conclusões sobre o assunto engenharia. Portanto, o juízo tem profissionais de várias áreas que fazem esse serviço. Geralmente as perícias são de avaliação por conta de execução fiscal, mas há também algumas de sinistros relacionadas à engenharia. Em janeiro, por exemplo, fazemos muitas perícias em muros de arrimo, por causa das chuvas. Muitas vezes fazem os muros sem nenhum critério, chove, infiltra água e o muro entra em colapso. Aí, lá vai o perito verificar o que está acontecendo, avaliando dentro das normas técnicas e emitindo um parecer fundamentado sobre o assunto.

 CIDADÃO: Você foi o perito responsável pelo laudo que apurou as irregularidades em licitações da construção do Conjunto Habitacional “Dr. Jayme Baptista Leone”. Como tudo aconteceu?

Racanicchi: Lá foi outra coisa. Não foi uma perícia judicial, fui contratado pela Câmara Municipal para fazer o mesmo trabalho que faço no Fórum. Quando se realiza obras públicas, como da CDHU, é necessário à realização de uma licitação pública, nesta licitação existe uma planilha orçamentária com todos os itens que serão pagos em função das quantidades e valores dos serviços executados. No caso, foram feitos alguns serviços que diziam ter sido executado antes ou depois de terem sido pagos. Tinha a ver com tempo da execução dos serviços. Tudo questão de datas. Meu serviço era ver se tinham feito o serviço e quando foi feito, se foi antes ou depois da nota de pagamento das empresas. Era um consórcio, se não me engano, com cinco empresas. Na Delegacia da Mulher foi da mesma forma, tinha uma relação entre a época da execução, as quantidades e as datas dos pagamentos. A acusação alegava que alguns serviços de uma segunda etapa, da qual ainda não tinha sido ganha pela construtora, já havia sido executado por saber que iria vencer a licitação. O meu papel não era discutir a questão da licitação, mas sim, discutir o que tinha sido feito e quando foi feito. Na época, para mim, independente das pessoas que iriam atingir com o resultado, eu tinha de falar a verdade e fiz o meu laudo.