As meninas chegaram à cidade no ano 2000 vindas de Paranaíba-MS, junto com sua mãe, recém-separada do marido. Elas dizem não se lembrar de muita coisa, já que eram muito novas na época - só sabem que foram recolhidas ao abrigo por conta do alcoolismo de sua mãe, que resultava em maus tratos.
“Não me lembro de muito, só sei que minha mãe havia se separado do meu pai e que ela era alcoólatra, não tinha mais condições de cuidar da gente. Nós não íamos para a escola, não tínhamos comida em casa, então nos levaram para o orfanato e vivemos lá belos anos”, disse Raísa, a irmã mais velha.
No orfanato, elas receberam poucas visitas da mãe. Com o passar dos anos, essas visitas se extinguiram de vez. Já o restante da família, elas sequer conheceram. “Nós nunca tivemos contato com ninguém da nossa família. As únicas pessoas que pudemos contar durante todos esses anos foram as tias do orfanato. Minha família são elas e minhas irmãs”, completou Raísa.
Para recomeçar a vida, elas decidiram enfrentar juntas a nova etapa. Raísa reivindicou judicialmente a guarda de Roberta e conseguiu. Há cerca de 20 dias, as três saíram do orfanato para morar numa pequena casa de aluguel que fica ao lado do local onde viveram durante os últimos 12 anos, uma espécie de teste para quando se mudarem para a casa que conquistaram através do programa Minha Casa Minha Vida.
“É uma preparação para a nova casa, na nossa reunião no final do mês passado, a diretoria do orfanato alugou uma casa ali perto, para que as meninas possam ir se adaptando com a nova realidade, aos poucos, vencendo os primeiros desafios e problemas que surgem. Depois de 12 anos dentro do orfanato, é normal que elas tenham dificuldades para a uma vida independente”, explicou o juiz da Vara da Infância e da Juventude de Fernandópolis, Evandro Pelarin.
Com a mudança, elas ganharam uma série de responsabilidades. “Nós estamos aprendendo a viver fora do orfanato. Cada uma tem seus direitos e obrigações. Tem hora para cozinhar, estudar, lavar, passar, enfim, tudo que uma pessoa que mora sozinha precisa para viver”, afirmou Raiane.
Quando indagadas sobre do que mais sentirão falta do orfanato, a resposta vem em coro: as tias. “Elas foram nossas mães e pais ao mesmo tempo. Em todos esses anos nunca nos faltou amor, um colo aconchegante nos momentos difíceis, carinho, educação, enfim, tudo que poderíamos ter e não tivemos de nossa mãe, encontramos em dobro com as tias. Lá, também tinha uns puxões de orelha quando era preciso”, disseram as meninas com sorrisos nos rostos.
Rancor é uma palavra que segundo elas, não existe em seus dicionários.
“Simplesmente não temos. Só Deus sabe como seriam nossas vidas se não fossemos levadas para o orfanato. Se seriam boas ou ruins nunca saberemos, só sabemos que tivemos a melhor educação possível e isso graças às tias do orfanato. Minha mãe nunca demonstrou interesse em nos receber de volta, nunca tivemos contato com a família biológica, nem sabemos quem são, mas mesmo assim, desejamos tudo de bom para eles, essa foi uma das várias coisas que aprendemos com as tias: não sentir rancor”, destacou Raísa.
Fora do orfanato, as três conseguiram bons empregos. Raísa trabalha num escritório de advocacia, Raiane é funcionária de uma papelaria da cidade e Roberta trabalha como estagiária numa agência bancária. Raísa faz faculdade de administração de empresas, e as mais novas também se preparam para ingressar em cursos superiores.
“Só queremos ter uma vida melhor. Garantir aos nossos futuros filhos o que não tivemos e sabemos que só conseguiremos isso através de muito trabalho e dos estudos” destacou a mais velha.
As três deram esse novo passo na vida graças a elas mesmas e aos funcionários do orfanato, que se empenharam na montagem da nova casa. O básico elas já possuem (camas, geladeira, fogão, sofás, guarda-roupa e uma pequena TV), tudo fruto de doações. Agora, para montar a nova casa, elas irão precisar ainda mais da ajuda da população da cidade que as acolheu 12 anos atrás.
“Durante 12 anos, as meninas receberam o que há de melhor não apenas do orfanato, mas da sociedade fernandopolense, que sempre ajudou a instituição e as crianças que por ali passaram. Então, as meninas sabem que foram criadas pela união de todos e estão cientes das responsabilidades que elas têm. Aliás, todas já estão trabalhando, bem empregadas, e ainda sob o nosso aconselhamento. E, se necessário, um puxãozinho de orelha de vez em quando. Já disse a elas, pessoalmente, que espero vê-las mulheres formadas, bem encaminhadas na vida, mães de família, responsáveis e capazes de, mais adiante, auxiliar o orfanato pela experiência de vida que tiveram. E pedi mais: jamais caiam na armadilha de sentir pena de si mesmas. Porque o verdadeiro cristão é aquele que derrama a lágrima sempre pelo outro e nunca se acha um coitadinho. Cristão é um devedor da misericórdia divina”. (Juiz Evandro Pelarin)