Valéria Barros Rolim é uma fernandopolense que se formou em Odontologia pela Unesp de Araçatuba e atua nas áreas de Odontopediatria e Ortodontia. Só que ela é dessas pessoas que não aceitam restringir a vida ao binômio casa-trabalho. “Por que eu, que tive a felicidade de estudar numa ótima faculdade sem pagar um tostão por isso, iria deixar de participar de projetos sociais do meu país?”, indaga ela. E aí já estão todas as respostas: Valéria, que é casada com o engenheiro José Eduardo Pimentel Rolim e mãe de Mariana, não veio ao mundo a passeio. Veio para trabalhar, e, humildemente, ajudar a transformá-lo para melhor. Assim, ela se engajou no respeitado projeto “Dentistas do Bem”, que você conhecerá na entrevista abaixo. E Valéria, que também é professora na Faculdade de Odontologia da Unicastelo, trouxe uma boa notícia: em breve, a faculdade terá cursos de pós-graduação em Ortodontia e Implantodontia. Ah, sim: quem estiver interessado em participar do projeto, pode entrar em contato através de [email protected] ou www.turmadobem.org.br
CIDADÃO: O que é o projeto “Dentistas do Bem”?
VALÉRIA: O projeto “Dentistas do Bem” é criação de uma OSCIP também conhecida como “Turma do Bem”, que nasceu em 2002, por iniciativa de um dentista chamado Fábio Bibancos, de São Paulo. Em 1995, ele lançou um livro chamado “Um sorriso feliz para o seu filho”. O Fàbio é da minha turma da faculdade, nós nos formamos em 86. O Fábio é um profissional bem sucedido, e nessa época do livro era dentista de vários “globais”, como Ana Paula Arósio, Tarcisio Meira, Glória Menezes e outros. O livro fez sucesso, e na época a dona Ruth Cardoso adotou o livro como parte do programa Comunidade Solidária. Com isso, ele passou a ser chamado para dar palestras em vários lugares. Foi aí que ele passou a conviver com a realidade de outras camadas sociais, já que sua clientela era formada por uma casta. Ele frequentou escolas de bairros, comunidades carentes, e via pais pedindo tratamento dentário para os filhos, uma série de situações, muitas delas graves. Daí ele teve a ideia de formar uma comunidade de colegas dentistas que estivessem dispostos a tratar, como voluntários, desses jovens com problemas bucais. Isso foi crescendo, já completou dez anos. Daí nasceu o “Dentistas do Bem”, formado por profissionais voluntários. O projeto está em 900 cidades onde tem coordenadores, por todo o país, além de dez países da América Latina, Portugal e agora em expansão para a África. É a maior rede de voluntariado de uma especialidade de todo o mundo. Além de um relatório, que com base num questionário levanta a situação sócio-econômica do paciente, há um mensurador chamado IHC – Índice de Hierarquia e Complexidade – que define quem será atendido, sempre jovens de 11até 17 anos.
CIDADÃO: Quais são os critérios que definem esse atendimento?
VALÉRIA: Os dados são mandados para a “Turma do Bem”, que possui funcionários com um programa específico para avaliação. Os critérios são: pior condição de higiene bucal, nível sócio-econômico e maior proximidade com o primeiro emprego. Tinha que priorizar alguém, então se decidiu por esses fatores. Veja, é difícil para um jovem de 17 anos sem os incisivos ser contratado para um cargo de recepcionista, vendedor, etc. Ele precisa da boa imagem para conseguir o emprego. É a razão que determina essa escolha. A criança ou adolescente selecionado recebe uma cartinha e a Turma do Bem encaminha de acordo com a rede de voluntariado. O atendimento acontece no próprio consultório do dentista. Além do tratamento, buscamos dar ao jovem a conscientização necessária quanto à higiene bucal e à prevenção. Depois, fazemos consultas periódicas de prevenção até que ele complete 18 anos.
CIDADÃO: A Turma do Bem fala em “mudar a percepção da sociedade sobre o impacto sócio-ambiental de sua atividade”. O que significa isso?
VALÉRIA: Há duas missões principais: mudar a percepção da sociedade quanto à transcendência da saúde bucal e a percepção dos próprios dentistas quanto ao impacto, à relevância de sua ação profissional na sociedade. Acho que o impacto social nem se discute, trata-se de uma atividade importantíssima. Tanto que hoje o SUS já se preocupa com isso, o governo implantou o programa Brasil Sorridente. E há também, além do “Dentistas do Bem”, o projeto “Dentista Verde”.
CIDADÃO: Verde?
VALÉRIA: É, trata-se de um programa montado pelo político e ecologista Fábio Feldman, sobre resíduos, desperdício de água, etc, enfim, de preservação do meio ambiente. O site da Turma do Bem tem lá todos os projetos. Periodicamente, fazemos reuniões para discutir ideias novas. Esse trabalho até já influenciou políticas públicas. Em 2012, cada candidato em cada cidade onde há o Turma do Bem foi procurado e solicitado a ele que, caso vencesse, dê atenção especial à saúde bucal. Os kits de higienização bucal – creme dental, escova e fio dental – também são alvo do nosso interesse. O governo não distribui preservativos? Ora, por que não kits de higiene bucal? Há algumas distribuições pontuais, mas isso não está sistematizado. Fernandópolis, por exemplo, tem um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) alto, estamos numa região até privilegiada. Mas, em termos de Brasil, há muito por se fazer. Não adianta ir a um lugar dar palestras sobre prevenção bucal se a pessoa não tem acesso aos instrumentos de higiene. Ainda não existe pasta de dente genérica! Na verdade, como em tudo o mais, o ideal seria que acontecesse a utopia da união de forças harmônicas entre governo, iniciativa privada, ONGs inclusive, e população.
CIDADÃO: Qual é a participação de Fernandópolis nesse projeto?
VALÉRIA: Depois que me inscrevi, viram que aqui não havia coordenador. Então, fiquei como coordenadora. Hoje, temos uma rede local de 14 voluntários, e que pode crescer muito, ainda. Temos cerca de 200 dentistas em Fernandópolis, dá pra crescer bastante.
CIDADÃO: Como você vê a situação do noroeste paulista, quanto ao quadro odontológico apresentado nos seus municípios?
VALÉRIA: Se analisado em comparação ao resto do país, é evidente que o quadro é razoável. Temos faculdades, muita gente trabalhando na área. No resto do país, em muitas regiões a situação é bem pior. Só para que se tenha uma ideia: no dia 25 de outubro, Dia do Dentista, houve uma palestra com o presidente da Associação Brasileira de Odontologia, que revelou que cerca de 27 milhões de brasileiros jamais se sentaram numa cadeira de dentista! Ainda há muito por se fazer.
CIDADÃO: Em 1987, os Titãs lançaram um álbum chamado “Jesus não tem dentes no país dos banguelas”. Passados 25 anos, a situação melhorou ou ainda somos o país dos banguelas?
VALÉRIA: Eu me formei há 25, 26 anos, aliás vi o primeiro show dos Titãs na Praça Rui Barbosa, em Araçatuba (risos) e posso dizer que as condições do brasileiro, especialmente das crianças, melhorou muito, pelo menos na nossa área de atuação, a Odontologia. Isso, aqui na nossa região, que fique claro. E mesmo assim, nas comunidades carentes de Fernandópolis, como Jardim Araguaia, Jardim Ipanema, já examinei casos infanto-juvenis muito graves. Se considerarmos que na nossa região, que é privilegiada, encontramos casos assim – sem falar nos adultos – acho que ainda temos muito que avançar na Odontologia. Não é uma coisa que vai mudar da noite para o dia, mas precisava começar. Quanto mais se falar disso, melhor. No Brasil há hoje, se eu não estou enganada, 22 mil equipes do Brasil Sorridente em ação. Os governos precisam investir em prevenção e informação.
CIDADÃO: Do ponto de vista social, acadêmico e pedagógico, como você, que é professora da Faculdade de Odontologia da Unicastelo, acha que a universidade pode inferir nesse processo?
VALÉRIA: Há muito tempo que a Turma do Bem procura trabalhar com os estudantes de odontologia. Este ano, a coisa funcionou, com o Estudantes do Bem, lançado no estande da Trident no CIOSP de 2012. Houve quase mil inscritos, sendo que 27 deles foram até áreas carentes do Brasil para identificar as bocas que mais precisavam de cuidados. Essa campanha foi sensacional. Na Turma do Bem, todo mundo quer ajudar, então o papel do professor, além de ensinar, é de formar a pessoa humana, para além dos ensinamentos odontológicos. Formar também o cidadão. E o legal é que o projeto é muito bem organizado e valoriza a categoria profissional. O Sorriso do Bem, por exemplo, premia os colegas que expandiram o projeto. A ideia é dar a eles o título de “melhor dentista do mundo”, não porque fez a melhor restauração ou colocou o melhor aparelho, mas sim porque se trata de uma pessoa que divulgou e expandiu o projeto. Pode acreditar: por mais que a gente faça, a gente recebe muito mais em troca.