Enquanto entrevistava a Eliana Martins Jacob Fernandes de Almeida, esta semana, não pude deixar de me lembrar de uma frase do jornalista Juarez Soares: “E a gente ainda ganha pra fazer isso!”. Refiro-me ao imenso prazer de conversar com a Eliana, a quem conheço desde a infância (dela) e adolescência (minha). Diretora do curso “Em Bom Português”, cujo objetivo principal é melhorar a expressão escrita e verbal, formada em Letras pelo Ibilce de Rio Preto, filha do grande advogado Fernando Jacob e de Dona Ely Martins Jacob, única filha entre cinco irmãos homens, casada com José Tadeu, mãe de José Tadeu e Isabela, avó – quem diria! – de Caio Henrique, Eliana, uma cronista de mão cheia, lança agora uma compilação de seus melhores textos, intitulada “Enquanto é Tempo”. É uma bela oportunidade de guardar, sob a proteção da capa dura, as pérolas escritas por essa brilhante observadora da natureza humana, que faz de Fernandópolis o seu quintal, o seu latifúndio criativo. Já não era sem tempo. (VicRenesto)
CIDADÃO: Você vai lançar a compilação das suas melhores crônicas. Como é nome do livro?
ELIANA: Ele tem o nome de uma das crônicas mais recentes, “Enquanto é tempo”. Essa crônica teve muita repercussão, as pessoas gostaram, por isso escolhi para ser o título do livro.
CIDADÃO: De onde surgiu a ideia da publicação?
ELIANA: Bem, eu sempre pensei em fazer isso, mas a gente fica com a ideia de que ainda é cedo, de que é preciso fazer uma seleção rigorosa das crônicas... Aí, fui fazer personalcoachingcom a Sueli Paixão – é um treinamento através do qual, em dez encontros, você realinha o seu futuro – e, ao terminar a última sessão, a Sueli me perguntou se estava tudo bem, tudo certo. Respondi que só havia ficado uma coisa para trás: o desejo de publicar o livro, coisa para a qual eu ainda não tinha tomado coragem. Ela abriu a agenda e disse: “No dia 14 de setembro você vai lançar esse livro!” Já saí procurando os trabalhos de nove anos, no computador, em pen-drives. Tinha muita coisa espalhada. Juntei tudo e procurei o César (Alencar César Scandiuzi, diretor de CIDADÃO) para saber como fazer. Ele me revelou que aqui mesmo em Fernandópolis eu poderia editar o livro. Falei com a Glenda(Scandiuzi), que ficou mais empolgada do que eu (risos). Foi isso. A verdade é que precisei de um empurrão. E quer saber? Depois que ouvi aquela música do Michel Teló, Ai se eu te pego, uma coisa tão pobre, rodando o mundo, eu pensei: “Não é possível, se isso aí faz sucesso, por que não publicar? O único risco que correrei, se o livro ficar muito ruim, é dele fazer sucesso!” (risos).
CIDADÃO: Quanto tempo durou esse processo, entre a ideia e a execução?
ELIANA: Apenas três meses – junho, julho e agosto. Pesquisei na internet a forma do convite, e a Glendasempre por trás, me dando a maior força.
CIDADÃO: Como você define a cronista Eliana? Se você tivesse que definir o seu estilo, qual seria ele?
ELIANA: Creio que aquilo que escrevo é pinçado das coisas comuns, das minudências do dia-a-dia. O gênero “crônica” é despretensioso, quem escreve sabe que é algo passageiro, e que o jornal onde ela é publicada no outro dia estará no lixo ou na gaiola do papagaio. Geralmente, os meus textos partem de um olhar mais crítico sobre uma situação que muitas pessoas estão vendo e não estão reparando. É aquela coisa da reflexão. Às vezes, para mostrar essa observação, parto para a ironia, em vez de fazer uma reflexão séria. Parto para o bom humor, gosto dessa vertente da crítica bem- humorada. Não sei se os outros se divertem, mas eu me divirto muito. O Antônio Cândido, crítico literário, fala que “escrever é ordenar o caos”. Tenho esse prazer, porque quando termino de produzir um texto, sinto-me organizada por dentro. E o compromisso de escrever uma vez por semana cria um estresse positivo. Quando finalmente a crônica sai, dá um prazer enorme.
CIDADÃO: Fernandópolis tem sido um bom laboratório humano pra você, como campo de observação?
ELIANA: Ah, sim! Como a crônica tem essa característica de fatos miúdos do cotidiano, você não precisa buscar muito longe. Basta sentar na varanda da sua casa e observar os vizinhos, que dali pode nascer uma crônica. Entra na loja para trocar uma sandália, é atendida pela funcionária que é sua amiga de longa data, já dá outra crônica. Faço uma caminhada, é a mesma coisa. A gente aprende a observar e refletir: “O que posso extrair dessa situação? E dessa?”. Tudo o que a gente faz na vida pode redundar em ideia de crônica.
CIDADÃO: Você desenvolveu um método que vai ao encontro da teoria de Durkheim – a que diz que “o que move o artista é sua forma subjetiva de receber os estímulos exógenos e decodificá-los de uma forma muito pessoal”. Trocando em miúdos, quem não nasceu para a coisa, não adianta teimar. O cronista tem outros olhos, não é?
ELIANA: Olha, tenho uma crônica intitulada “Cachinhos Dourados”. Toda vez que eu ia para a escola, via um pai com uma menininha enrolada num edredom, no banco de trás. Só via aqueles cachinhos pulando. Aquilo se repetia todas as manhãs, e um dia parei para escrever sobre isso. Quantos estímulos acontecendo em volta daquela cena! A gente faz uma espécie de recorte, e pensa que essa menina vai crescer, que seus pais terão que trabalhar muito nesse mundo de hoje, e tal. Quanta gente não deve ter visto essa cena corriqueira?
CIDADÃO: De quem você herdou esse pendor para a literatura?
ELIANA: É engraçado. Minha mãe é uma leitora voraz. Meu pai estudava muito. Como ele tinha influenciado todos os filhos a fazer Direito – menos eu – eu acreditava que ele não me influenciara. Só que meu pai gostava muito de poesia. Quando éramos pequenos, meu pai declamava poesias depois do jantar. Poesias longas, lindas. O Corvo, de (Edgar) Allan Poe, inteiro. Eu me encantava com isso. Fui estudar Letras, mas mesmo assim senti que tinha influência de meu pai, por causa da veia poética, do amor pelas letras. Da minha mãe, herdei o amor pela leitura. Meu avô, pai do meu pai, que era libanês, tinha um português muito bom. Pouca gente sabe, mas meu avô era correspondente do Estadão em Estrela D’Oeste. Meu pai teve um jornal em Fernandópolis. Juntando tudo isso, você passa a acreditar que não é coincidência. Tinha que acontecer alguma coisa nessa vereda.
CIDADÃO: Dentro de casa, você tem feedbackdo marido, dos filhos?
ELIANA: Sim. Quando acabo de escrever – normalmente, tarde da noite – deixo em cima da mesa. Quem passa, lê. Às vezes, até põem uma observação, tipo “Mãe, essa é a melhor que você já escreveu!”, coisas assim. Minha empregada, comigo há 18 anos, gostava de ler, de ver cinema. Um dia, pedi que ela lesse uma crônica, e falei: “O Tadeu não gostou muito”. Ela leu e me respondeu: “Olha Eliana, eu gostei. Será que ele entendeu?” (risos).
CIDADÃO: Seu pai tinha o hábito de levar os filhos, à noite, para dar uma volta de automóvel pela cidade. Ele sempre teve aqueles carros enormes – SimcaChambord, Dodge Dart -, e depois do jantar punha no carro a dona Ely e os seis filhos. Você se lembra disso?
ELIANA: Claro! Passava na Caiçara, comprava balas, e a gente passeava ouvindo música e chupando balas. Não havia propriamente um destino. Passávamos em frente às casas dos amigos, o “Seu” Antenor Ferrari abanava a mão, o “Seu” Zé Garcia abanava a mão. Eram tempos pré-novelescos, em que as pessoas batiam papo na calçada, à noite. Às vezes, meu pai passava na padaria e comprava um prato cheio de doces, que íamos comendo. Não sei como cabiam seis filhos no carro.
CIDADÃO: O lançamento do livro está previsto para dia 14 de setembro. Onde vai ser?
ELIANA: No restaurante Paladar, das 17h às 19h, vai ter um coquetel. Os convites estarão prontos esta semana.