Na última terça-feira, no julgamento do Mensalão em curso pelo Supremo Tribunal Federal, uma cara conhecida dos fernandopolenses ocupou o microfone da defesa para a sustentação oral: era João dos Santos Gomes Filho, advogado de Paulo Rocha, ex-deputado pelo Pará e líder do PT. Durante uma hora, Gomes Filho perpetrou brilhante defesa, para orgulho dos pais, que acompanhavam o julgamento pela TV Justiça. Em sua casa na Avenida Paulo Saravalli, dona Wônia Aparecida Franco Gomes, 79 anos, tentava ser crítica e imparcial. Inútil tentativa: apesar da cultura geral que possui – é inclusive bacharel em Direito, curso que concluiu aos 69 anos, na Unicastelo, e até foi a oradora da turma – a professora aposentada se rendeu à condição de mãe-coruja. Dois dias depois, sentada ao lado do marido João dos Santos Gomes, de 84 anos, ela falou à reportagem sobre a experiência vivida, como o leitor verá nesta entrevista.
CIDADÃO: Que tal a emoção de ver o filho fazendo uma sustentação oral perante o STF, num processo – o Mensalão – que deve entrar para a história, e com transmissão ao vivo para todo o Brasil?
WÔNIA: Não posso dizer que não houve emoção – ela foi muito grande. Porém, procurei prestar muita atenção nas colocações do João, e na forma como ele o fazia. Ele foi muito feliz na sustentação oral. Eu sentia que todos os ministros tinham um olhar sobre ele até inquiridor, mas também simpático. Achei que meu filho, naquele instante – desculpe ser coruja – foi maravilhoso.
CIDADÃO: A senhora conversou com ele, depois da sustentação?
WÔNIA: Imediatamente após o final, liguei para o celular do meu neto, que é estudante de Direito e acompanhou o pai. O Neto saiu a uma sacada e me retornou. Logo em seguida, o João chegou até onde ele estava, conversamos os três, ficamos muito emocionados e felizes. Afinal, a vitória de um filho advogado, de chegar a fazer uma sustentação oral perante o STF, num caso sério como esse, que repercute em todo o país, é emocionante. Eu fiquei orgulhosa da postura dele – da maneira cavalheiresca, honesta e digna com que se portou. Ele me disse ao telefone: “Mãe, devo tudo isso a você e a meu pai, que me deram chance de seguir em frente”. Isso é muito gratificante.
CIDADÃO: Como bacharel em Direito, o que a senhora achou da estratégia do João, de admitir que o réu Paulo Rocha participou de esquema de caixa dois, um crime já prescrito no caso do Mensalão?
WÔNIA: Não foi estratégia, foi a verdade. O que ele contou do Paulo Rocha foi a verdade: o deputado foi pedir dinheiro para pagar dívidas de campanha. Isso qualquer prefeito, candidato, faz. Ele foi procurar no partido mãe (o PT). No caso, o Paulo Rocha redistribuiu o dinheiro. Do processo constam os recibos e quem ele pagou.
CIDADÃO: E o que a brasileira Wônia acha da questão do Mensalão? (risos)
WÔNIA: A brasileira Wônia fica no antagonismo. Mas, há questões dentro desse processo, que é um verdadeiro balaio de gatos, que são pontuais. Há questões e questões. Então, acho que é preciso ir até o fim, punir culpados e absolver inocentes. Punir os “safados” e, muito entre aspas, os “ingênuos”. No caso do cliente do João, o Paulo Rocha, ele recebeu um aviso: “Venha buscar o dinheiro”. Ora ele estava premido, apertado pelos credores. Mas não sabia de onde vinha o dinheiro. Agora, quem urdiu essa teia tem que dar conta perante a Justiça.
CIDADÃO: Existe uma crise moral no país? Somos todos Macunaímas?
WÔNIA: Não. A gente se sente Macunaíma quando vê uma coisa dessas (o Mensalão). Mas a gente deixa de se sentir assim quando vê os grandes movimentos sociais, e mesmo as campanhas benemerentes que são feitas – veja, por exemplo, o nosso próprio terreiro, Fernandópolis, onde são feitas tantas campanhas em prol das instituições. Aí, eu não vejo um Brasil Macunaíma, não. Vejo o Brasil-cidadão, o Brasil presente. Há, sim, uma banda podre que está posta em evidência, mas existe muita coisa boa, produtiva. O brasileiro é mais positivo, e acredito que esse fato, o Mensalão, servirá para muita gente repensar a forma de fazer política.
CIDADÃO: A senhora acredita que um círculo está se fechando, e que vem aí uma geração com valores diferenciados, voltados para o bem?
WÔNIA: Acredito piamente. Se você conversar com os estudantes de hoje, verá que não são partidaristas, eles analisam as coisas; e analisando, chegam a uma conclusão. No Brasil acabará o radicalismo, o fundamentalismo, o maniqueísmo, que sempre marcaram a nossa política. Muita coisa vai mudar – assim como um dia acabou o voto de cabresto, que cheguei a conhecer na minha juventude. O coronelismo acabou. E agora, essa pseudo política sindicalista vai acabar.
CIDADÃO: Voltando ao João: o que o levou para o caminho do Direito Penal?
WÔNIA: Quando o João se formou, ele e mais dois amigos compraram uma Brasília velha, trocaram o motor e foram conhecer o Brasil. Saíram de Londrina até Campo Grande, foram subindo e chegaram até o Pará. Voltaram pelo sertão de Minas, conheceram vários locais. Chegaram a Londrina, venderam a Brasília e aí o João voltou para casa. Chegou aqui e disse: “Pai, mãe, estou formado. Em Londrina, existem cinco grandes criminalistas. Se vocês me derem um tempo para que eu me firme em Londrina, prometo que não vou decepcioná-los”. Claro que concordamos, e ele voltou para Londrina e abriu a banca. Aí, ele se casou com uma mulher maravilhosa (Desirée), que também é advogada, só que civilista. Ela lutou junto com ele, chegaram a passar maus momentos, lutaram muito. Aos poucos, o João começou a trabalhar em crimes famosos. Teve um caso do filho de um amigo dele, que se meteu com drogas. O João, que jurava que nunca defenderia um traficante, pela primeira vez fez isso, porque descobriu que “traficante tem família”. Hoje, ele tem escritório em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo. A retaguarda quem dá é Londrina, com a Desirée, o Neto, que já está no escritório, e futuramente minha neta Isabeau, que vai prestar vestibular de Direito em 2013 e deverá acompanhar a família. Agradeço a Deus por isso.
CIDADÃO: Apesar de ter apenas 47 anos, o João tem um estilo de advogado clássico, que valoriza a cultura, o conhecimento, o latim. Por que os advogados de hoje são tão técnicos, só falam em lei e jurisprudência? É coisa de mundo moderno?
WÔNIA: O João sempre foi um leitor voraz, lia até rótulo de garrafa. No banheiro de casa sempre teve um porta-jornais. Ele era polemista, gostava de debater qualquer tema, e sempre teve amigos mais velhos, com quem mantinha grandes papos. Isso o levou para o ramo clássico. Apesar de nunca ter estudado latim, descobriu um dicionário de latim que tinha sido de seu tio Dorival, já falecido. Vivia lendo o dicionário, que já estava caindo aos pedaços. Passou a ler os clássicos, conheceu a cultura greco-romana. Sempre foi um leitor insaciável.
CIDADÃO: No próximo ano, a senhora completará 80. Com os filhos João e José Paulo sendo profissionais vitoriosos e os netos já bem encaminhados, já é possível dizer que valeu a pena?
WÔNIA: Lógico que valeu a pena! Só pelos filhos serem as pessoas que são – Zé Paulo e João são pedras preciosas que estão na minha fronte e na fronte do pai – já posso dizer que valeram todas as lutas, todas as dificuldades passadas. Nós nos orgulhamos e amamos muito nossos filhos, netos e noras. Os dois caboclinhos nascidos em Fernandópolis, filhos de uma cabocla (eu) e de um filho de imigrantes português e italiana (o João pai), venceram na vida. Ah, se o velho Paulo, meu pai, estivesse vivo! Ele adoraria esse momento!