Por dois votos a um, O STJ – Superior Tribunal de Justiça – anulou definitivamente na quinta-feira, 21, a portaria baixada pelo juiz da Vara da Infância e da Juventude, Evandro Pelarin, que impôs o “Toque de Acolher” em Fernandópolis. A decisão pôs fim à medida que vigorava desde 2005, sem direito a recurso.
A medida proibia menores de 18 anos de permanecer nas ruas depois das 23h. Segundo Pelarin, o objetivo era impedir o crescimento da delinquência juvenil e evitar que menores ficassem expostos a situações de risco à noite, como vinha ocorrendo. A cidade foi a pioneira do país na adoção da medida, copiada depois por 100 municípios de 22 Estados.
A ação é de autoria do Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio do promotor Denis Henrique Silva, que questionou a portaria na Justiça por entender que ela impedia o livre trânsito dos menores, uma vez que, entre outras coisas, proibia os jovens de frequentar estabelecimentos comerciais como bares, lanchonetes e restaurantes, no período noturno, desacompanhados dos pais ou responsáveis.
Essa semana os ministros do STJ concordaram com o MP, que entrou com recurso especial na corte depois de perder, em segunda instância, no Tribunal de Justiça do Estado, que, em julgamento anterior, havia mantido a portaria por unanimidade. A decisão do STJ foi por maioria, dando provimento ao recurso do Ministério Público e derrubando, assim, a portaria, o que tornou ilegal o toque de recolher.
Com a decisão, o Juizado de Fernandópolis não poderá mais prosseguir com o “toque”, que, na prática, já havia sido suspenso por Pelarin em fevereiro, quando o recurso do MP foi protocolado no STJ.
Na ocasião, o juiz disse que tinha decidido por uma suspensão provisória porque a portaria poderia ser anulada a qualquer momento pelos ministros do STJ - o que aconteceu de fato - e porque a medida estabelecia, entre outras coisas, multas para pais e responsáveis cujos filhos, autores de atos infracionais, fossem flagrados nas blitze do toque de recolher realizadas pelo Conselho Tutelar, Polícia Militar e Juizado.
"Não posso punir alguém por uma medida que pode ser suspensa", disse Pelarin. No entanto, a intenção do juiz era retomar o toque de recolher, caso o STJ mantivesse a decisão do TJ. Porém, como a decisão do STJ foi contrária, Pelarin não poderá retomar a restrição.
Apesar de criticado por muitos, o toque de recolher de Fernandópolis foi elogiado pelo Conselho Tutelar e recebeu apoio de outros segmentos da sociedade local, como um grupo de professores da rede estadual que fez um abaixo-assinado pedindo a retomada do toque de recolher.
Além disso, a medida teria apresentado bons resultados. De acordo com dados do Conselho Tutelar, ela reduziu os indicadores de infrações cometidas pelos menores. Em 2005 elas eram 378 e caíram para 207 em 2011.
Afetados são a favor do “toque” desde que haja reformulação
Assim que a suspensão da medida por parte de Pelarin ganhou a mídia nacional, o CIDADÃO reuniu um grupo de 30 estudantes do colégio COC, com idades entre 14 e 17 anos, para uma espécie de mesa redonda, onde todos puderam expressar sua opinião a respeito da portaria que os impedia de sair de casa após as 23h.
Quem imaginava que, por serem os principais afetados, todos seriam expressamente contra, se enganou. Todos os 30 jovens presentes são favoráveis ao toque, desde que a medida sofra reformulações.
“Sou a favor do toque, mas não da maneira como estava sendo imposto. Estavam nos trancando em uma espécie de redonda de vidro e isso não era e não é necessário. Se aos 16 anos já temos o direito e a responsabilidade de escolher um presidente para o nosso país, por que não podemos sair de casa depois das 23h?”, questionou a estudante Naila, 16.
Os demais estudantes concordam com essa visão. Marcela, também de 16 anos, acredita que não é trancando os jovens em casa que o problema das drogas será solucionado.
“Eu também sou a favor, mas não é nos trancando depois das 23h que eles solucionarão o problema com as drogas. As bebidas alcoólicas e as drogas estão nas ruas em qualquer hora do dia e não somente depois das 23h. Se quiséssemos fazer algo errado, não seria isso que nos impediria”, disse a jovem.
Segundo eles, o certo seria aumentar a fiscalização e não tirar deles o direito supremo de ir e vir.
“Eles tinham que aumentar a fiscalização para tirar das ruas quem está fazendo algo errado e não quem sai apenas para se divertir. Se o problema são as drogas, tem que se intensificar a fiscalização contra o tráfico e se for o álcool, os donos de bares e restaurantes não podem vender para menores - e quem vender deve ser punidos, afirmou Larissa.
Ao fim da reunião, todos chegaram ao consenso de que o “Toque de Acolher” foi uma forma de suprir as deficiências na fiscalização e mesmo no policiamento.
“A meu ver, o Dr. Pelarin criou essa portaria para tampar esse buraco provocado pela falta de fiscalização. A intenção foi boa, de certa forma deu certo, mas para fazer cumprir a lei ele nos privou de um direito supremo que é o de ir e vir. Sou a favor, mas o toque de acolher deve ser reformulado”, concluiu a estudante Isabele, de 16 anos.
Toda essa discussão aconteceu durante bate-papo descontraído, onde os jovens puderam “pela primeira vez em sete anos”, conforme disse o garoto Rafael, se expressar voluntaria e abertamente sobre um assunto que os afeta diretamente. Isso – os garotos sabem muito bem - se chama democracia.