Presidente da OAB luta contra instituições prisionais no município

20 de Agosto de 2025

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Presidente da OAB luta contra instituições prisionais no município
   Nas últimas semanas, o advogado Henri Dias, presidente da 45ª Subseção da OAB-Fernandópolis, empunhou firmemente a bandeira da oposição à criação e instalação de unidades prisionais no município. Recentes sinais do governo do Estado indicaram esse risco – já está funcionando há alguns dias no centro da cidade uma “Unidade de Atendimento de Reintegração Social”, e há estudos de especialistas em segurança pública pela construção de um CDP ou penitenciária em Fernandópolis. Formado há 24 anos, presidente da Ordem local há cinco, presidente do PMDB, pai de Vitor, de 19 anos, Henri nasceu “de parteira”, como diz, na Fazenda Nossa Senhora Aparecida, em São João das Duas Pontes. Nos artigos que escreve, e no discurso que fez na última terça-feira, quando usou a Tribuna Livre da Câmara de Vereadores, ele se mostra visceralmente contrário ao projeto. Entenda as razões nesta entrevista.

 

CIDADÃO: Afinal, qual é o projeto do governo do Estado, relativo ao sistema prisional, que envolve Fernandópolis?

HENRI: Já existe há algum tempo uma determinação do governo estadual para a desativação das cadeias e a construção de Centros de Detenção Provisória, os CDPs, destinados ao alojamento dos presos. O governo entende que seria uma forma de concentrar os esforços num lugar só, para ter maior controle sobre os detentos, aqueles que ficavam nas cadeias aguardando julgamento. Em Fernandópolis não foi diferente: nossa cadeia também seria desativada. Porém, um motim que aconteceu anos atrás acabou precipitando a desativação da cadeia. Embora fosse pequena, ela funcionava muito bem, em melhores condições do que todas as cadeias da região. Na época, o Dr. Raul Bíscaro, delegado responsável, mobilizou a sociedade e fez reformas e adequações no prédio. A cadeia funcionava com o essencial à dignidade dos presos. Infelizmente, o motim precipitou a decisão do governo. A partir daí, começaram a aparecer aqui e ali os defensores da tese de que o local adequado para a instalação de um CDP seria Fernandópolis. Na Legislatura passada, encabeçamos um movimento contra isso, que envolveu o Judiciário, a sociedade civil, a Câmara também entrou no debate. De toda essa discussão, nasceu o projeto de lei do vereador (Etore) Baroni, aprovado por unanimidade, impedindo a construção de presídios ou estabelecimentos prisionais no município de Fernandópolis.

CIDADÃO: Mas se o governo estadual entender que deve construir um presídio no município, ele pode passar por cima da legislação municipal?

HENRI: Pode. Essa legislação municipal é inócua nesse sentido, não tem efeito porque não é competência do município legislar sobre esse assunto. Mas, por outro lado, essa legislação municipal tem um simbolismo muito forte porque marca a vontade da população, uma vez que a Câmara representa a vontade da sociedade. Embora na prática não tenha qualquer efeito, tem um simbolismo muito forte. Essa lei expressa a vontade da população.

CIDADÃO: O governo do PSDB entende que o modelo “cadeia pública” é obsoleto e investe na idéia dos CDPs e penitenciárias. Em sua opinião, por que o governo entende que as cadeias são um modelo arcaico?

HENRI: Os governantes têm uma visão macro. Eles enxergam números. Penso que eles entendem que a concentração facilitaria o trabalho de contenção e controle. No meu entendimento, acontece o contrário: você tem o controle sobre coisas pequenas. Sobre grandes populações, estabelecimentos superlotados, não. Estamos cansados de ver notícias de levantes, rebeliões em estabelecimentos prisionais superlotados. Sabemos que é uma visão fictícia da solução do problema. Penso que investir na construção de mais e mais presídios é um investimento errado, estamos fazendo um trabalho de “enxugar gelo”, porque as necessidades sempre estarão atrás do que é construído. Em 2012, já entrou nos presídios a mesma quantidade de presos de todo o ano passado! E ainda nem chegamos ao meio do ano.

CIDADÃO: Ainda se fazem necessárias mais mudanças no Código de Processo Penal e na Lei das Execuções Penais?

HENRI: Acho que deveria mudar não só isso, mas também os conceitos. O foco tem que ser mudado, o investimento tem que ser em educação, como forma de prevenção da realidade do cidadão se tornar, de repente, um detento, um condenado pela Justiça. O Brasil tem hoje a quarta população carcerária do mundo, com um déficit de 200 mil vagas nos estabelecimentos prisionais, e com a tendência de, cada vez mais, essa situação se agravar.

CIDADÃO: Um projeto da deputada estadual Ana Perugini, do PT, que tramita na Assembleia, prevê uma espécie de contrapartida para os municípios que assumirem o ônus de possuir uma unidade prisional. Como vê esse projeto?   

HENRI: Nós recebemos na OAB, por duas vezes, a visita da deputada Ana Perugini. Tomamos conhecimento da sua luta e soubemos do seu conhecimento a respeito do assunto, até por ser moradora da cidade de Hortolândia, que é hoje o maior complexo penitenciário do país. Ela conhece as mazelas do sistema, mas seu projeto anda tropeçando nas comissões do Legislativo porque obriga que o governo do Estado dê essa contrapartida aos municípios para que possam suportar o impacto social dessas demandas. O Estado constrói aquela obra enorme, traz um número “x” de presos, e atrás desses presos vêm os familiares. Num universo de 1500 presos, por exemplo, são 1500 famílias que automaticamente irão se agrupar em torno desses estabelecimentos prisionais. Esses familiares gravitam em toro desses presos que aguardam julgamento ou que já estão cumprindo pena; enquanto isso, o município acaba tendo que suportar a carga social dessa população que deveria ser flutuante, mas que acaba se fixando na cidade, se utilizando da rede de saúde, de educação e principalmente da área social. São pessoas que ou não têm qualificação profissional ou não têm interesse de trabalhar, porque simplesmente gravitam em torno daquele cidadão que está preso. A cidade acaba sofrendo as conseqüências, sem receber qualquer tipo de benefício. O projeto da deputada prevê que, ao fazer essas construções, o governo se submeta à mesma legislação ambiental que prevê a construção de usinas, fazendo os relatórios de impacto ambiental e tudo o mais – até porque normalmente os presídios são construídos em áreas rurais, onde não há energia, esgoto, e às vezes próximos de mananciais. Nós apoiamos a iniciativa da deputada Ana Perugini.

CIDADÃO: Você é adepto da teoria de que cada sociedade deveria cuidar dos seus próprios presos?

HENRI: Não há dúvida. Cada comunidade tem que cuidar dos seus membros que infringiram a lei. Sempre deixamos isso claro. Esse é o grande erro do plano do governo: o isolamento e a concentração. Queremos cuidar dos nossos presos, e penso que, se fosse construído um estabelecimento menor, ainda que no modelo dos CDPs, mas para quantidades menores de detentos, em torno de 50, digamos, porque nossa demanda não é maior que isso. No dia da rebelião, nossa antiga cadeia, cuja capacidade era de 25 presos, estava com o dobro. Desses 50, uns 15 eram de outras cidades da região, É muito mais tranqüilo para cuidar. Agora, cuidar de 750, 1500, é praticamente impossível. É uma cidade concentrada! Claro, temos que partir do princípio de que o indivíduo que está condenado não está num hotel – ele está ali para ser punido por um crime que cometeu. O discurso do pessoal dos Direitos Humanos é muito bonito, mas a função do presídio é punitiva. É importante a ressocialização, mas a função primordial da prisão é punir. Voltando à linha do raciocínio principal: se ficarmos “atacando” só o final da questão, em vez de trabalharmos no começo, preparando a criança, o adolescente, para que na idade adulta não seja um infrator, e continuarmos apenas construindo presídios, vai chegar um momento em que a população carcerária ultrapassará a mão de obra produtiva do país.

CIDADÃO: Existe uma previsão segundo a qual em 2023 o Brasil terá 8 milhões de detentos. É o dobro da população do Uruguai...

HENRI: Pois é. Cada penitenciária é praticamente uma cidadezinha. Somando-se esse universo, dá a população de um pequeno país. É gente jovem, em idade produtiva, que deixa de produzir para o país. É uma realidade que o governo parece não enxergar.  

CIDADÃO: Especificamente, aonde o presidente da OAB de Fernandópolis quer chegar nessa luta?

HENRI: Minha intenção, ao subir à Tribuna Livre da Câmara na terça-feira, foi dar um grito de alerta para que a sociedade e os nossos políticos se conscientizem do risco que seria para Fernandópolis a instalação de um CDP ou congênere. Sabemos que atrás de um, vem outro. A cidade não tem, hoje, condição de receber essa massa carcerária. A região igualmente não tem. A estrutura que se forma em volta desses estabelecimentos prisionais inviabiliza uma série de outras coisas – afasta indústrias, tolhe o crescimento de empresas, e a cidade acaba regredindo. Essa é a consequência natural – e sem receber por isso qualquer tipo de benefício que compense. Em pouco tempo, esse processo se torna irreversível. Meu objetivo é alertar nossa população e autoridades para a necessidade de nos prevenirmos contra esse risco.