Essa semana, a suspensão do “Toque de Acolher”, criado pelo juiz da Vara da Infância e juventude da comarca de Fernandópolis, tomou conta da mídia local e regional. Para tratar desse tema polêmico, CIDADÃO ouviu os principais personagens envolvidos no caso, que começou em 2005, com a portaria do juiz Evandro Pelarin: os adolescentes.
O jornal reuniu um grupo de 30 estudantes do colégio COC, com idades entre 14 e 17 anos, para uma espécie de mesa redonda, onde todos puderam expressar sua opinião a respeito da portaria que os impedia de sair de casa após as 23h.
Quem imaginava que, por serem os principais afetados, todos seriam expressamente contra, se enganou. Todos os 30 jovens presentes são favoráveis ao toque, desde que a medida sofra reformulações.
“Sou a favor do toque, mas não da maneira como estava sendo imposto. Estavam nos trancando em uma espécie de redonda de vidro e isso não era e não é necessário. Se aos 16 anos já temos o direito e a responsabilidade de escolher um presidente para o nosso país, por que não podemos sair de casa depois das 23h?”, questionou a estudante Naila, 16.
Os demais estudantes concordam com essa visão. Marcela, também de 16 anos, acredita que não é trancando os jovens em casa que o problema das drogas será solucionado.
“Eu também sou a favor, mas não é nos trancando depois das 23h que eles solucionarão o problema com as drogas. As bebidas alcoólicas e as drogas estão nas ruas em qualquer hora do dia e não somente depois das 23h. Se quiséssemos fazer algo errado, não seria isso que nos impediria”, disse a jovem.
Segundo eles, o certo seria aumentar a fiscalização e não tirar deles o direito supremo de ir e vir.
“Eles tinham que aumentar a fiscalização para tirar das ruas quem está fazendo algo errado e não quem sai apenas para se divertir. Se o problema são as drogas, tem que se intensificar a fiscalização contra o tráfico e se for o álcool, os donos de bares e restaurantes não podem vender para menores - e quem vender deve ser punidos, afirmou Larissa.
Ao fim da reunião, todos chegaram ao consenso de que o “Toque de Acolher” foi uma forma de suprir as deficiências na fiscalização e mesmo no policiamento.
“A meu ver, o Dr. Pelarin criou essa portaria para tampar esse buraco provocado pela falta de fiscalização. A intenção foi boa, de certa forma deu certo, mas para fazer cumprir a lei ele nos privou de um direito supremo que é o de ir e vir. Sou a favor, mas o toque de acolher deve ser reformulado”, concluiu a estudante Isabele, de 16 anos.
Toda essa discussão aconteceu durante bate-papo descontraído, onde os jovens puderam “pela primeira vez em sete anos”, conforme disse o garoto Rafael, se expressar voluntaria e abertamente sobre um assunto que os afeta diretamente. Isso – os garotos sabem muito bem - se chama democracia.
Garotas citam Locke e Rousseau durante debate
A reportagem teve várias (e agradáveis) surpresas durante a hora e meia em que debateu o tema “Toque de Acolher” com os alunos de 1º, 2º e 3º Colegial do COC de Fernandópolis. A principal delas: o nível de engajamento e capacidade crítica entre integrantes de uma geração rotulada de “alienada”.
Eles não são rebeldes sem causa nem anárquicos: ao contrário, mostraram maturidade e capacidade crítica insuspeitadas. Não veem o juiz Pelarin nem como herói, nem como vilão. Reconhecem as boas intenções do magistrado, mas acenam com críticas à invasão de um direito constitucionalmente garantido.
Três garotas que participaram do debate – Lígia, 17, Giovanna, 17, e Marcela, 16, “As Cajazeiras”, como nós as “batizamos” pela loquacidade – brandiram frases de Jean-Jacques Rousseau e John Locke, para nossa surpresa.
De Rousseau: “O homem nasce livre e por toda parte encontra-se acorrentado”.
De Locke: “O conhecimento de nenhum homem pode ir além de sua experiência”.
Nem tudo está perdido.