O advogado Fausto Agrelli nasceu em Fernandópolis há 55 anos. Com pós-graduação em Direito Processual e Material do Trabalho e experiência em administração de empresas e administração hospitalar, ele aceitou o desafio de assumir a direção administrativa da Santa Casa de Misericórdia de Fernandópolis, em atenção ao convite do atual provedor, Geraldo Silva de Carvalho. Desde fevereiro mergulhado na complexa estrutura do nosso maior hospital – que ele considera “uma verdadeira cidade” – Fausto tem feito um importante “Raio X” da situação financeira do hospital, que enfrenta altas dívidas. Nesta entrevista, o administrador não esconde as dificuldades e alerta a população: é preciso salvar a Santa Casa.
CIDADÃO: Qual é a sua experiência anterior em administração de hospitais?
AGRELLI: Passei por algumas administrações: a de empresas propriamente dita, inclusive grandes empresas, e a partir de 1994, sempre vinculada à área jurídica em função da minha formação profissional – bacharelei-me em Direito na Toledo de Araçatuba em 1993. Depois, vim para Fernandópolis e comecei a advogar. Em seguida, fui para um grupo empresarial de grande porte da área frigorífica em Rio Preto, onde fazia trabalho de gestão e era coordenador jurídico. Lá permaneci até 2004, retornando a Fernandópolis e advogando aqui e em Jales. Em 2009, fui para São Paulo e comecei a atuar na área da saúde, em hospitais como o Hospital do Grajaú, na zona sul. Isso foi até fevereiro deste ano, quando, a convite do Dr. Geraldo, fizemos um levantamento da situação da Santa Casa, já que ele fora convidado a assumir a Provedoria e, como amigo, me pediu esse auxílio. Esse levantamento nos permitiu compreender os mecanismos do hospital com relativa facilidade, em função até dessa experiência adquirida. Pude ver a firmeza de propósitos do Dr. Geraldo, a vontade que ele mostrava de ajudar a Santa Casa. Como advogado, eu o alertei que haveria imensas dificuldades a ultrapassar, mas ele estava determinado. Daí veio o convite para que eu o acompanhasse. Essa é a história da minha chegada a este hospital.
CIDADÃO: No dia 20, o Dr. Luiz Carlos Barros Costa, que é secretário da Mesa Diretora, afirmou durante encontro político na Câmara que a dívida da Santa Casa chegaria a R$ 12 milhões. Dá para equacionar isso ou a Santa Casa pode fechar?
AGRELLI: O Dr. Luiz Carlos falou a verdade nua e crua. Essa é a realidade atual. É espantoso, não imaginávamos essas proporções, até porque dispúnhamos de outras informações. Nosso secretário, que é também vice-provedor, quis divulgar à sociedade algo que é preocupante. Sua idéia é trazer todos os segmentos possíveis para colaborar na solução desse problema. Estamos fazendo gestões com o auxílio de algumas pessoas, do prefeito, outros representantes políticos, porque passou a ser uma dívida de caráter político: se não conseguirmos recursos na área pública, poderemos dizer que há efetivamente um risco. É uma dívida “alongada”. Temos que considerar também que a tabela do SUS é defasada e não recompõe os valores despendidos pelo hospital. Ora, 80% da arrecadação da Santa Casa vêm do SUS, então a questão também é da responsabilidade do governo federal. Temos que ter em mente que é preciso haver um envolvimento social, porque a Santa Casa é a nossa casa-mãe. Embora exista o AME, exista outro hospital de menor porte, não dá para deixar de ter como referência principal a Santa Casa, aqui estão as instalações principais, o corpo clínico principal.
CIDADÃO: Além da tabela do SUS, o que é que provoca esse déficit crônico das finanças do hospital?
AGRELLI: Primeiro, há um déficit por conta do gerenciamento de algumas questões da Santa Casa que são crônicas historicamente. Temos uma evolução dessa dívida. Não sabemos quando ela começou – isso tem que ficar bem claro para a sociedade – mas está atrelada à questão de gestão. Também está vinculada a fatores diversos. Hoje, a Santa Casa é uma organização social de saúde. A dívida hoje tem um caráter mais decifrável. Constatamos uma defasagem no custo operacional no atendimento do pronto-socorro, que tem um custo “x”. O repasse municipal é inferior a “x”. Já daí vem uma defasagem grande. A cada mês, a dívida vai remontando.
CIDADÃO: Por que a Santa Casa mantém o pronto-socorro, se essa é uma obrigação legal do município?
AGRELLI: São questões eminentemente políticas. Temos um histórico do atendimento local – e aí reside a diferença da Santa Casa com outrascongêneres. Nosso pronto-socorro está aberto 24h e tem a finalidade de atender casos de urgência-emergência. Historicamente, essa porta está aberta à população, para que o paciente não tenha a dificuldade adicional de ser levado para outros locais em busca de atendimentos que podem ser feitos aqui. Além do mais, as UBSs não têm tido o funcionamento adequado. Elas precisam ser mais bem estruturadas, com mais médicos, medicações, e disponibilizar horários específicos para a população, porque essa demanda acaba na Santa Casa. Há um grande contingente de pessoas que não estão esclarecidas, por exemplo, que o atendimento pediátrico deve ser feito primordialmente nas UBSs. Um pronto-socorro de um grande hospital não é o lugar ideal para se atender às crianças, que ficam expostas a outras patologias. A referência municipal para as crianças seria efetivamente a UBS. Quando conversamos com mães que trazem seus filhos à Santa casa e perguntamos os motivos da sua vinda, elas informam que vieram porque não havia pediatra na unidade, ou porque faltava uma medicação básica na UBS. Isso causa um afluxo extremamente pesado que sobrecarrega a Santa Casa. Isso poderia ser diluído com uma política mais inteligente e funcional.
CIDADÃO: Os municípios da região utilizam diariamente os serviços da Santa Casa de Fernandópolis sem darem uma contrapartida justa – alguns dão pouco, outros dão nada. Como está essa questão? O Ministério Público está agindo?
AGRELLI: No início da nossa gestão, tivemos o cuidado de visitar algumas instituições que são fundamentais no amparo dos nossos objetivos de humanização e qualificação do atendimento. Entre essas visitas, fomos recebidos pelo Dr. Dênis, da 2ª Promotoria de Justiça. Ele já havia intentado iniciativas no sentido de agregar esses 13 municípios da nossa região no sentido de que eles compartilhem, efetivamente, desse custo do pronto-socorro. Qualquer pessoa que passe pela Santa Casa verá inúmeras ambulâncias que vêm desses 13 municípios e até de outros estados. A gente acaba atendendo por questões humanitárias e também para não se configurar omissão de socorro. O Dr. Dênis reuniu os municípios, que teriam se comprometido a cooperar. Dentre eles, há aqueles que ajudam e outros não. Para estes, pediremos que participem; para aqueles, tentaremos majorar o valor porque o nosso déficit continua aumentando em função dessas demandas. Os procedimentos a que são submetidos esses pacientes são os mais diversos e com custos os mais variados. Isso colabora grandemente com o aumento do nosso passivo. Enfim, vamos nos aliar ao promotor de Justiça nessa luta por agregar a ajuda desses municípios. Creio que no máximo em 30 dias deverá acontecer essa reunião.
CIDADÃO: Já que o assunto é dinheiro: A prefeitura tem feito os repasses legais corretamente? E as tais emendas dos deputados, entraram ou não no cofre da Santa Casa?
AGRELLI: O que eu tenho a dizer é o seguinte: a prefeitura cumpriu com sua cota-parte para o exercício de 2011. O repasse não contempla a realidade em termos de valores – o custo é quatro vezes maior do que recebemos de repasse do nosso município. Temos conversado com os representantes – Conselho Municipal de Saúde, Secretaria Municipal de Saúde, o prefeito – e quero crer que eles tenham o maior interesse em auxiliar. Só que esses recursos não são suficientes. O povo aos poucos toma consciência de qual é a situação efetiva da Santa Casa. Esta Mesa Diretora não deixará de esclarecer à população quais são os débitos e suas razões e origens. Essa transparência é fundamental para que tenhamos a compreensão da população de um modo geral e sua participação nos projetos que temos para a Santa Casa. A visibilidade para a mídia é importante. Sua presença aqui, mostrando interesse em divulgar as questões do hospital, me deixa feliz porque sinto que você está respeitando a instituição, fazendo perguntas pertinentes. É fundamental o conhecimento e principalmente a compreensão desses pontos críticos, para que possamos melhorar as coisas por aqui. Voltando à questão dos repasses, já estamos quase em maio e ainda não recebemos a verba, sequer a primeira parcela, daquilo que seria devido pela prefeitura conforme lei municipal.
CIDADÃO: Você vem realizando reuniões setoriais na Santa Casa. Qual é o objetivo disso?
AGRELLI: Conhecer a origem e o perfil da nossa dívida. Fizemos um levantamento de custos e verificamos defasagem em desfavor da Santa Casa em praticamente todos os setores. Então, temos que detectar esses pontos até para estancar esse prejuízo. A partir do momento em que esses setores mostrarem seus custos reais, poderemos intervir no sentido de que essa distorção seja corrigida. Haverá cortes significativos, mas sem personalismos ou de qualquer outro caráter que não seja o de gerir melhor, internamente, a Santa Casa de Misericórdia.