Eu era bem pequeno – tinha uns quatro ou cinco anos – quando se deu a inauguração do Porto da Quiçaça, no Rio Grande. Meu pai e um amigo foram prestigiar o evento, que aconteceria do lado mineiro do rio, e o velho decidiu me levar.
Chegamos à margem do rio e embarcamos num dos botes que faziam a travessia dos convidados. Porém, quando estávamos bem no meio do rio, no chamado “canalão”, começou a soprar um forte vento sul. As marolas se formaram e arrebentavam, violentas, contra o casco da embarcação.
Meu pai me colocou entre as pernas e me segurou com força. Senti que ele estava gelado. Naquele tempo, nem se falava em salva-vidas. E, se alguém aparecesse na beira do rio com um colete, logo era chamado de “almofadinha” para cima. Quanta ignorância...
Felizmente, chegamos sãos e salvos à outra margem. Creio que, naquele momento, meu pai jurou não me colocar mais naquelas “frias”. Aliás, não demorou muito para que ele deixasse o hábito de pescar – isso, antes dos 40 anos de idade. As poucas fotos de pescarias do velho que minha mãe tem guardadas são de um período em que ele tinha uns 36, 37 anos.
E, para os mais jovens, que provavelmente nem ouviram falar desse porto e que estranharam o nome, a palavra “quiçaça” vem de um dialeto africano (quimbundo kisada), que significa terra árida, chão ruim, cuja característica dominante é uma vegetação xerófila, mato baixo e espinhoso, espécie de capoeira: "...pra desbravejar essa quiçaça só tem um homem. Eu sei. O Ferrador" (Francisco Marins). Derreter na quicaça, Regional (São Paulo) popular: desaparecer fugir, sumir-se.
Faz sentido. Há 50 anos, a região fronteiriça do Porto da Quiçaça abrigava muitos fugitivos da polícia de São Paulo (que se abrigavam em Minas Gerais) e vice-versa.
