O delicado mundo do cérebro humano

20 de Agosto de 2025

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O delicado mundo do cérebro humano

 O carioca Valdir Cortezzi Junior viveu em Jales a partir dos quatro anos de idade. Depois de se formar pela Faculdade de Medicina de Valença (RJ), Cortezzi escolheu a região noroeste paulista como campo de atuação profissional. Há dez meses, o médico trouxe para Fernandópolis sua experiência de neurocirurgião, com residência médica concluída em São José do Rio Preto, nos hospitais Austa e de Base. Professor convidado da Faculdade de Medicina da Unicastelo, Cortezzi já está familiarizado com a cidade em geral e a Santa Casa em particular. Nesta entrevista, ele fala da neurologia, uma das mais delicadas especialidades da medicina. 

 

CIDADÃO: No Brasil, o curso de residência médica em neurocirurgia compreende 5 anos de prática clínica e cirúrgica, com um opcional 6º ano de subespecialização. Em Portugal, essa especialização leva 72 meses, o equivalente ao curso de graduação. A neurocirurgia é assim tão complicada?

CORTEZZI: Ela é uma especialidade bastante complexa, que denota muito estudo e muito treinamento técnico para o aprimoramento das técnicas cirúrgicas. É complicado, sim. Há treinamentos em laboratório, com microscópio, e exige muito estudo de anatomia, fisiologia. É bem árdua e puxada, essa especialidade. 

CIDADÃO: Quais são os casos mais comuns que exigem a intervenção de um neurocirurgião?

CORTEZZI: O mais comum são os problemas de coluna, além do trauma de crânio, este o mais habitual, por causa de acidentes de carro ou moto, quedas de nível. Por outro lado, os problemas de coluna andam cada vez mais freqüentes. Além do sedentarismo, há a questão genética de fragilidade da coluna. Cada osso da coluna tem que ter um disco em cima e outro embaixo para fazer o amortecimento. Em cada vértebra saem dois nervos. Se nós temos 32 vértebras aproximadamente, são 64 nervos refletindo em algum lugar específico do corpo.

CIDADÃO: Males como o AVC e a embolia são mais freqüentes em quais casos? Qual é a associação que se faz entre hábitos alimentares e comportamentais e essas doenças?

CORTEZZI: O AVC é dependente de algumas doenças, como a hipertensão arterial e o diabetes, além das alterações do colesterol. Normalmente, essas doenças facilitam a ocorrência do acidente vascular cerebral. O sedentarismo também é fator de risco; o tabagismo, idem. As doenças vasculares cerebrais estão muito relacionadas também com a alimentação. 

CIDADÃO: Há algum tipo de “herança genética” nos casos afetos à sua especialidade?

CORTEZZI: Para o AVC, não. No caso da hipertensão, ou diabetes, há fatores genéticos, sim. Não é porque a mãe do indivíduo teve um acidente vascular cerebral que ele também terá. Se a sua mãe é hipertensa, as chances de você também ser, serão muito maiores. Mesma coisa para o diabetes. 

CIDADÃO: Um portador de hipertensão arterial pode curar a doença ou só pode controlá-la?

CORTEZZI: Não cura, só controla. Uma vez hipertenso, sempre hipertenso. O paciente tem que policiar a alimentação, desenvolver atividades físicas, tomar regularmente o medicamento. O controle está associado a tudo isso: dieta, exercícios. Nos casos mais graves, o controle está diretamente associado à medicação.  

CIDADÃO: O cérebro é mesmo a maior criação de Deus?

CORTEZZI: Com certeza. O cérebro e o coração são os mais “nobres”, porque o organismo não consegue viver sem eles. O cérebro humano é realmente muito mais complexo do que um computador, como se diz por aí. As conexões são muito mais complicadas, o funcionamento é mais elaborado, tem mais interpretações. A máquina é mais previsível: é aquilo e pronto. O cérebro tem mais variáveis e soluções. É fascinante – tanto que existe ainda muita coisa que a gente não sabe. Um profissional da área acaba descobrindo muita coisa na prática. Há coisas que não constam dos livros. A neurologia é muito ampla. Tem casos que acabam ficando sem diagnóstico. Você trata a pessoa, usando os medicamentos que vão melhorar os sintomas, e de repente ela volta ao normal e você não sabe o que aconteceu.

CIDADÃO: Quais são as condições de que dispõe Fernandópolis para atender a emergências neurológicas?

CORTEZZI: Atualmente, a Santa Casa está num processo de compra de materiais. Hoje, conseguimos resolver a maioria das emergências neurológicas. Estão sendo providenciados alguns materiais que são fundamentais para agilidade do processo de resolução – materiais mais específicos, que facilitam um pouco o trabalho do neurologista. De certa forma, hoje ficamos um pouco limitados em Fernandópolis pelo credenciamento do hospital ao SUS. Ele é credenciado como de média complexidade, sendo que, assim que adquirirmos esses materiais novos, nós entraremos com um processo de credenciamento para alta complexidade. O que diferencia uma da outra é que, na média complexidade, consegue-se resolver os traumas, os problemas mais simples – coágulos no cérebro, AVCs hemorrágicos, hidrocefalia, etc. Já em casos como um tumor cerebral, aneurisma cerebral, certos tipos de fratura de coluna, é preciso que a ação se dê em hospital de alta complexidade. Por enquanto, nosso hospital não atingiu esse estágio, mas em breve vai chegar lá.   

CIDADÃO: O que é, do ponto de vista médico, a morte cerebral? E do ponto de vista jurídico, naquilo que concerne à doação de órgãos?

CORTEZZI: A morte cerebral é a parada completa do funcionamento do cérebro. A parte de interpretação, a parte de coordenação, as estruturas vitais para manutenção do corpo já não funcionam. A gente consegue verificar isso através de alguns exames. Quando se fala em morte cerebral, há um protocolo que o Ministério da Saúde nos impõe fazer. São alguns testes e exames, uma avaliação em dois momentos. É preciso constatar que o cérebro já não tem função alguma – nem na parte superior, que é a da interpretação, nem na parte inferior, que é a que corresponde ao controle. Nessas circunstâncias, o indivíduo só está vivo por conta dos aparelhos. Então, para se falar do ponto de vista jurídico em morte cerebral, existe esse protocolo do Ministério da Saúde.    

CIDADÃO: Ainda sobre essa questão da doação de órgãos: há um tempo-limite entre a morte cerebral e a retirada dos órgãos?

CORTEZZI: Feito o diagnóstico da morte cerebral, se a família permitir a doação, o ideal seria acionar as equipes o mais rápido possível, porque quanto mais demorar a retirada dos órgãos, maiores serão as chances de aparecerem as doenças ou alterações que podem contra-indicar o transplante. Por exemplo: se o paciente tiver alguma infecção, não pode doar. Enfim, depois de feito o diagnóstico e cumprido o protocolo, o ideal é chamar a equipe imediatamente, ligar para a central de transplantes, já ver o que dá para retirar, enquanto a equipe da central de Rio Preto vem para cá. 

CIDADÃO: Vamos falar de prevenção: o que as pessoas devem fazer para se proteger de problemas neurológicos?       

CORTEZZI: A medicina preventiva é o que é mais recomendável hoje em dia. A principal doença neurológica – o AVC – pode ser evitada com o controle pressórico, controle de glicemia, atividade física, e principalmente evitando o tabagismo, o consumo de bebidas e alimentos, o sedentarismo.