José Augusto Silveira Gonçalves nasceu em São José do Rio Preto há 33 anos. Filho único do casal Carlos Gonçalves e Sonia Maria Silveira Gonçalves, na adolescência decidiu que seria jogador profissional de futebol. Aos 17, era goleiro titular do Rio Preto E.C. Começou cedo a rodar pelo mundo da bola – até na Itália jogou – e também parou cedo, aos 23. Já casado com Carolina, com quem tem o filho Augusto, de cinco anos (o caçula Otávio deve nascer em maio), Zé Augusto um dia decidiu investir seu capital em Fernandópolis. Chegou em 2008, montou os restaurantes Cupim na Telha I e II e desenvolveu um caso de amor com a cidade, da qual não pretende sair. Na entrevista – à qual compareceu acompanhado de seu amigo Thiago Pansani, meia-armador do Fefecê -, o jovem empresário, que gera atualmente 54 empregos em seus restaurantes, fala de suas expectativas para o futuro.
CIDADÃO: Há alguns dias, você disse uma frase que me impressionou: “Já me considero fernandopolense, e só saio daqui se me acontecer algo muito ruim. A qualidade de vida que nós temos é fantástica”. Afinal, você se identificou tanto assim com a cidade?
ZÉ AUGUSTO: Realmente, há essa identificação. E, como eu lhe disse, a gente nem dá o devido valor a essa qualidade de vida. Eu atendo muita gente de fora, de São Paulo e outros grandes centros, e essas pessoas comentam: “Como aqui é tranqüilo! Estacionei o carro com facilidade, não havia ‘flanelinha’ querendo tomar conta”. Aí ele vê o preço da cerveja, que é barato, assim como a própria refeição. Nosso custo de vida é baixo, comparativamente. Outra questão é a segurança: aqui você ainda vê garotos pequenos na rua brincando de bétia, um dia eu passava na Rua Rio Grande do Sul com meu filho de cinco anos e ele viu dois garotos jogando, me perguntou o que era aquilo, não conhecia. Quer dizer, esse lado ainda resiste em Fernandópolis, isso é muito bom. Considero a qualidade de vida em Fernandópolis excepcional.
CIDADÃO: De maneira geral, você foi bem recebido em Fernandópolis? Teve boa acolhida da ACIF, dos empresários?
ZÉ AUGUSTO: Vou ser sincero: quando cheguei, não conhecia ninguém na cidade. Meus únicos contatos eram os parentes da minha esposa Carolina, as avós são daqui. Às vezes, vínhamos visitá-las e percebi que não havia muita opção gastronômica, a não ser pizzaria. Notei a carência de casas que dessem a opção de se comer uma boa carne e tomar uma cerveja especial. Mas, repito, eu não conhecia ninguém. Hoje, quatro anos depois, graças a Deus conheço todo mundo, e trato todo mundo igual. Se recebo uma pessoa no Cupim, não me importa sua profissão, pode ser a pessoa mais humilde do mundo que será bem atendida. Fiz a minha vida aqui em Fernandópolis e sou grato a toda a população.
CIDADÃO: O que o levou a estender aquela faixa com os dizeres: “Eu acredito em Fernandópolis” no Cupim da Avenida Paulo Saravalli?
ZÉ AUGUSTO: O que a gente costuma ver em outras cidades é a população defendendo, levantando a bandeira da cidade. Em Rio Preto, por exemplo, é assim. Quando eu viajava a passeio ou jogando futebol, às vezes brincavam comigo: “Ah, você é de Rio Preto, é pé-vermelho”. Eu retrucava que não era assim, que nós já estávamos com 300 mil habitantes, éramos centro avançado na medicina, e tal. Enfim, vestia a camisa. E aqui, sentia falta desse bairrismo sadio, via certo pessimismo nas pessoas. Quando fui abrir o Cupim, muita gente dizia: você é louco, a cidade é muito pobre, e tal. Eu não acreditava. Achava que outros empreendimentos não deram certo porque faltou alguma coisa. Além do mais, se você mora aqui, sua casa é aqui, ela tem que ter valor, ser valorizada. Nada disso de Votuporanga é melhor que a gente, ou Jales é melhor que a gente. O melhor lugar é aquele em que você está. Se você não defendê-lo, ninguém o fará.
CIDADÃO: Vamos falar de sua história de vida. Menino criado em Rio Preto, de repente descobriu que queria jogar futebol...
ZÉ AUGUSTO: Saí de casa com 17 anos. Era titular do Rio Preto – inclusive vim jogar aqui em 1997, naquela partida histórica, que pegam no pé do Ademir de Almeida até hoje, dizendo que ele “acertou” o resultado com o Dalla Pria (risos). Mas não houve nada disso. Tenho a ficha técnica daquela partida, o técnico do Fefecê era o Juari, o Maurinho ainda era reserva. Depois, fui emprestado ao Guarani, que quis comprar meu passe, mas o Dalla Pria não vendeu. Aí, passei pelo Corinthians de Presidente Prudente, Goiatuba, Mirassol, fui para a Itália, voltei e fui de novo para Goiás, onde joguei no Rioverdense e Grêmio Inhumense.
CIDADÃO: Quando você parou de jogar?
ZÉ AUGUSTO: Em 2001. E, antes que você pergunte, não parei porque me machuquei. Quem diz isso normalmente está faltando com a verdade, porque basta olhar o Ronaldo Fenômeno, que teve lesões tão graves e voltou a jogar. Parei por motivos pessoais, que prefiro não comentar.
CIDADÃO: Este ano – quando o Fefecê completou o Cinquentenário – toda a cidade se envolveu com o time, a torcida esperou muito e houve momentos excelentes. Não subimos por causa de detalhes. Afinal, o detalhe pesa tanto assim no futebol?
ZÉ AUGUSTO: Se você me perguntar o que aconteceu com o Fefecê, eu, que treinei em dois períodos com o elenco durante seis meses e conheci bem o pessoal, diria o seguinte: não houve politicagem nem jogador entregando jogo, isso é pura maldade. O problema é que faltou elenco no final. Na última fase que disputamos, só tínhamos oito jogadores. Não havia lateral direito, o Michel estava improvisado na lateral esquerda, e perdemos o centroavante. O Fefecê não iniciou o ano do zero: iniciou em -5. Não havia material de treino, não há departamento médico, era uma carência geral. Porém, tivemos a felicidade de formar um belo time, com jogadores que estavam “estourando” a idade de 23 anos e atletas de muito caráter. O que aconteceu foi mesmo falta de elenco na reta final. Basicamente, faltou dinheiro, porque futebol custa caro. Entendo que a cidade tem aí uns dez cidadãos em condições de ajudar o time, é preciso rever certos conceitos. O Soares ficou praticamente sozinho.
CIDADÃO: Você, como empresário, se ofereceu para colaborar com o time, sendo o terceiro goleiro gratuitamente. Então, quero aproveitar a presença do Thiago Pansani (meia armador do Fefecê) para perguntar como foi a convivência do Zé com o grupo.
THIAGO PANSANI: Quem conheceo Zé sabe que ele é um sujeito fantástico, não existe. Era o cara que trazia alegria para a gente, com sua extroversão e suas brincadeiras. Ele passava confiança ao grupo, dava conselhos. Foi uma experiência muito boa. O Zé “quebrava” a tensão, fazia todo mundo rir. Ele unia o elenco, aonde chegava o ambiente ficava mais alegre.
CIDADÃO: Onde você aprendeu os macetes de restaurante, Zé?
ZÉ AUGUSTO: Para falar a verdade, eu nunca gostei de levantar cedo. Só “pego no tranco” depois das nove. Então, pensava: “Preciso arranjar um emprego noturno”. Sou filho único, meu pai tem uma empresa de calçados há 38 anos em Rio Preto. Minha mãe deve se aposentar no próximo ano como funcionária municipal. Vendi minhas coisas em Rio Preto e vim para cá, em fevereiro de 2008. Pensei em montar um barzinho noturno, mas logo desisti: eu queria montar um negócio onde a minha própria família pudesse trabalhar comigo. Aí, tive a ideia de montar uma churrascaria. Em 2008, só havia cinco restaurantes em Fernandópolis. Hoje, são 21. Tivemos um boom alimentício. Certos empresários do ramo em Fernandópolis achavam que a população tinha obrigação de ir aos seus restaurantes. Não é assim. Se você vai ao meu restaurante, está me fazendo um favor. Depois que comecei com o Cupim, muita gente reformou suas casas antigas, trocou mesas, toalhas, roupas de garçons. Quem saiu ganhando com isso foi a população de Fernandópolis.
CIDADÃO: E o “know how” do churrasco?
ZÉ AUGUSTO: Quem me ensinou foi o Batista, ex-volante do Internacional de Porto Alegre e da seleção brasileira. Na verdade, o principal segredo do churrasco é ter em mãos uma carne boa. O resto é sal. Não há mais nada além do sal grosso a se jogar sobre uma picanha. Bem, o Batista foi meu treinador no Goiatuba. Um dia, numa confraternização do elenco, eu estava tomando conta da churrasqueira e o Batista, como bom gaúcho, se aproximou e me disse: “Churrasco não é assim, tchê!” Eu disse: “Como não, tô usando sal grosso, e tal”. Ele então me explicou que eu punha pouco sal. “A carne só absorve o sal de que ela precisa. Pode pôr uma camada grossa de sal, depois é só bater”. Peguei um bifão de picanha e fiz da maneira que ele havia dito. “Vai ficar salgado!”, alertei. Depois que assou, bati o sal, cortei a carne e provei: estava uma delícia. Peguei gosto e aí, em toda festinha de família eu era o churrasqueiro.
CIDADÃO: Você tem alguma dificuldade para comprar mercadorias, longe dos grandes centros?
ZÉ AUGUSTO: Nem um pouco. Minha única dificuldadeé a reposição do estoque de cervejas importadas – trabalho com 189 tipos de cerveja. Você não pode comprar muito, porque tem prazo de validade. Mas nunca chega a vencer o prazo: as que não vendo, eu tomo (risos).
CIDADÃO: O povo de Fernandópolis aprendeu a tomar cerveja importada?
ZÉ AUGUSTO: Sim.Veja bem, aqui é a terra do Walter Faria, um empresário que fabrica cervejas e que eu respeito muito. Quando cheguei, foi da equipe dele que eu recebi apoio, eles me forneceram mesas, comandas, aventais, sem me pedir nada em troca. Outros disseram que aguardariam para ver se eu daria certo, para só depois me ajudar. O Marquinho, o Cholo e o Denis, da Crystal, me forneceram tudo que eu precisava. Então, me habituei a beber as cervejas da Petrópolis. Aprendi que a vida tem ação e reação. Se eu puxar sua cadeira hoje, amanhã poderão puxar a minha. As coisas que eu faço em Fernandópolis pelas pessoas carentes eu não divulgo. Sei que, se eu um dia precisar, alguém fará por mim. Aprendi a prezar a amizade. No futebol, também fiz muitos amigos.
CIDADÃO: Passados quatro anos, você pode dizer que valeu a pena ter apostado em Fernandópolis?
ZÉ AUGUSTO: Estou fazendo minha vida nesta cidade, e repito o que lhe disse outro dia: só saio daqui por motivo de luto ou problema familiar muito sério. Fora isso, minha intenção é ampliar meu leque de atividades empresariais em Fernandópolis. Eu não tenho frescura, meto a mão na massa. No restaurante, ajudo a tirar e servir mesas. Boto o aventale vou à luta. Uma vez, um cliente, satisfeito com o meu atendimento, enfiou R$ 10 no bolso do meu avental e falou: “Você é muito eficiente. Seu patrão não pode te perder!” (risos).