Para Flávio Santos, interior do país é a grande escola de jornalismo

20 de Agosto de 2025

Compartilhe -

Para Flávio Santos, interior do país é a grande escola de jornalismo
 Você certamente se lembra do Flávio Santos: é aquele mesmo rapaz sorridente que trabalhava no Escritório Delta, até poucos anos atrás. A vocação para o jornalismo falou mais alto e ele enveredou pela carreira – primeiro, no rádio de Fernandópolis; depois, na TV Universitária de Votuporanga e finalmente na TV Centro América de Mato Grosso, afiliada da Rede Globo. Adepto de um jornalismo funcional e sem filigranas, onde a informação correta esteja em primeiro lugar, o jovem de 37 anos, filho de João do Carmo dos Santos e de Veronice Aparecida Nunes dos Santos, que estudou no JAP e também deu aulas de informática, é hoje um rosto conhecido no Mato Grosso, seja como repórter, seja como apresentador de telejornais. Apesar de receber pedidos de autógrafos quando anda pelas ruas, Flávio não gosta de badalações e até se diz muito tímido. “Jornalista não é artista”, justifica.      
CIDADÃO: O rádio entrou por acaso na sua vida?
FLÁVIO: De certa forma, sim. Gosto muito de rádio, sempre ouvia as transmissões esportivas, os jogos do Fefecê, era uma paixão. Um belo dia, o João Carlos Santos me convidou para fazer um teste na rádio. Comecei a fazer plantão esportivo, com o João, o Celso Tadei, o Devanir de Oliveira. Informava os resultados, e tal. Até que o João resolveu parar com a equipe de esportes da Rádio Educadora. Aí o Alaerte Vidali e o Paulo Alves me chamaram para trabalhar na equipe de esportes da Cultura no ano seguinte. Isso foi em 1999 ou 2000. Fui para a Cultura, mas continuava trabalhando no escritório Delta e dando aulas de informática. No final de semana, ia pra rádio.
CIDADÃO: O rádio era só um “bico”?
FLÁVIO: Na verdade, era. Depois, as emissoras AM e FM se separaram, e a AM se tornou Rádio Águas Quentes. Continuei com eles e logo comecei a narrar jogos, fazer reportagens, e fiz até jornalismo. Passei a gostar, até porque sempre fui fanático por noticiários, telejornais. Assistia aos telejornais de todos os canais. Decidi, então, fazer faculdade de jornalismo, em Votuporanga. Iniciei o curso em 2001 e me formei em 2004. No último ano, fui fazer estágio na TV Universitária de Votuporanga. A Janete Ribeiro, coordenadora, me disse o seguinte: ou você trabalha em rádio, onde já tem certa experiência, ou aceita apresentar um programa novo, chamado Direitos do Cidadão. Esse programa era ao vivo e tratava de problemas com aluguel, aposentadoria, direitos do consumidor. Era um desafio por ser ao vivo, mas topei. O programa era feito às quintas-feiras, durava meia hora, e era reprisado aos sábados. O pessoal gostou, e então chegou a hora de mudar minha vida. Deixei o Escritório Delta depois de dez anos, para seguir na área de jornalismo. A essa altura, tinha decidido partir para a TV. Houve um concurso em Votuporanga, com três vagas. Passei e comecei a viajar diariamente. Fazia reportagens, fiquei um ano e meio nessa vida. Eu queria crescer profissionalmente, e passei a mandar currículos para outros estados – Minas, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso. Você sabe como é: o sonho de todo profissional é trabalhar em emissora afiliada à Rede Globo. Veio o primeiro convite: trabalhar na afiliada da Globo de Tangará da Serra, a Centro América. Não pude ir. Continuei enviando currículos. Em março de 2007, me chamaram para a TV Centro América de Cuiabá, o diretor tinha visto meu material e gostou. Perguntou se eu tinha interesse de ir pra lá – só que, a princípio, não seria na capital, e sim numa das sucursais – Tangará da Serra, Sinop ou Rondonópolis. Eu aceitei. No dia seguinte, o Gustavo, editor de Rondonópolis, me ligou. Quero você aqui “para ontem!”.
CIDADÃO: Ora, não havia problema: você é solteiro, descolado...
FLÁVIO: Por isso mesmo é que eu queria ir. Eu pensava assim: se eu casar e tiver filhos, vou naturalmente estacionar por aqui. Eu queria a carreira, ter a liberdade de movimentação. Fui a Votuporanga conversar com a Telma (Fava), que era a chefe na emissora, e coloquei a questão. Ela me fez uma contraproposta para ficar, mas eu disse não. Fui para Rondonópolis e conheci uma estrutura que ainda não havia visto. Há o padrão global de jornalismo que tem que ser seguido, uma linguagem diferente, tudo diferente. Aos poucos, fui me enquadrando no padrão das afiliadas. Fui repórter, depois apresentei o jornal à noite, o MT-TV 2ª edição. Na verdade, era repórter e apresentador. Isso durou um ano. Depois, meu editor saiu, e me propuseram voltar à reportagem.          
CIDADÃO: Do que você gosta mais?
FLÁVIO: Das duas coisas (risos). Eu me dei bem nas duas áreas.
CIDADÃO: Muito estudante de jornalismo associa a idéia de trabalhar em TV no Mato Grosso com reportagens sobre índios, onças e sucuris. Aconteceu alguma matéria desse tipo, nesse período em que você está lá?
FLÁVIO: Não, não. É verdade: todo mundo pensa que Mato Grosso é isso. Só que a realidade é outra, o progresso já chegou, as cidades estão muito modernas, têm shoppings, etc. Sinop, Tangará da Serra, Barra do Garças, Rondonópolis, são cidades muito desenvolvidas. E, pra falar a verdade, até agora só vi jacaré na TV, ao vivo nunca! Índio, já vi, já fiz reportagem em aldeia. Mas, voltando à questão da saída do meu editor: tempos depois, fui chamado para apresentar o MT-TV 1ª edição. É o jornal da hora do almoço. Não é fácil. Quem pensa que é só chegar e apresentar está redondamente enganado. Você tem que editar a reportagem, fazer as “cabeças”, não é tão fácil assim. Muita gente me pergunta se eu chego cinco minutos antes, apresento e vou embora. Você sabe que a realidade é outra. Bem, comecei a apresentar a 1ª edição, onde fiquei até julho deste ano, quando fui convidado para ir para Cuiabá. Em 1º de agosto, comecei a trabalhar como repórter na TV Centro América de Cuiabá.
CIDADÃO: Como é a política no Mato Grosso, um estado onde impera o latifúndio? As classes trabalhadoras conseguem “bater de frente” com os grandes proprietários de terras?
FLÁVIO: Acredito que não, até porque o ex-governador Blairo Maggi, que é um dos maiores produtores de soja do mundo, teve dois mandatos no governo e agora é senador, comanda politicamente o estado. O forte de Mato Grosso é a agricultura, mesmo. Soja, algodão... Em curto prazo, não vejo possibilidades de mudança. O estado está se desenvolvendo, há fronteiras agrícolas de extremo potencial, como a região de Sorriso.
CIDADÃO: É verdade que, quando alguém entra pela primeira vez nessas regiões novas do MT, tem a sensação de estar entrando em outro país?
FLÁVIO: Sem dúvida. Há grupos econômicos do exterior investindo muito, grupos chineses, por exemplo. O Noble comprou uma área enorme em Rondonópolis para construir uma esmagadora de soja. O capital estrangeiro está investindo forte em Mato Grosso. Há áreas a ser cultivadas, e a terra é boa.
CIDADÃO: Quais as grandes gafes que você já presenciou na TV?
FLÁVIO: Essas falhas acontecem, mesmo. Às vezes, você esquece alguma coisa, e tem que ficar atento ao retorno. Quando você está no interior, o retorno é feito pelo celular. Foi isso que “derrubou” aquela repórter do Paraná, que estava ao vivo em contato com o estúdio. O retorno que o repórter recebe não é direto, demora alguns segundos para chegar. Você tem que estar atento: se o apresentador lhe faz uma pergunta, você pode perder e não responder o que ele quer. O caso do Paraná foi o seguinte: o retorno era feito pelo celular. O celular tocou, e a repórter pensou que o link tinha caído. Então, ela, que estava no ar, pegou o celular e foi atender. É preciso tomar cuidado. Também tem que tomar cuidado com gestos: passar a mão no cabelo, na boca. Fica feio no ar. Se você não tem o retorno do monitor, o negócio é ficar firme, para não passar vergonha. Outro dia, uma colega deixou cair o papel com o número do telefone que teria que informar no ar. Ela se abaixou para pegar o papel, e por instantes o vídeo ficou vazio.
CIDADÃO: Como você vê a autoridade, a credibilidade que o apresentador de programa jornalístico adquiriu no Brasil, nos últimos anos? Coisa do tipo: “não deu na Globo, o fato não aconteceu”? Você sente isso nas ruas?    
FLÁVIO: Ah, sim. Quando saio às ruas, ou vou ao supermercado, sou abordado, as pessoas comentam alguma notícia, pedem minha opinião, perguntam sobre a televisão. No banco, no shopping, na feira, sempre acontece isso. O profissional acaba sendo conhecido por força de sua imagem no vídeo. Eu não gosto disso. Pode não parecer, mas sou muito tímido. Porém, gosto de dar atenção às pessoas. Quando vou a alguma escola, as crianças pedem autógrafo. Outro dia, fui fazer uma entrada ao vivo em frente a uma escola. As crianças formaram fila para pedir autógrafo! Até ri, não sou acostumado com isso. Afinal, jornalista não é ator, cantor, jogador de futebol. Nós não somos artistas.
CIDADÃO: E como foi que você descobriu sua vocação?
FLÁVIO: Eu era viciado em telejornal. Via os da Globo, do SBT, da Record, da Band. E garanto: a melhor escola é mesmo o telejornalismo que se faz no interior do Brasil. Nos grandes centros, a reportagem é dividida em editorias: esporte, política, etc. No interior, a gente tem que ser versátil, faz de tudo: hoje uma reportagem esportiva, amanhã outra sobre plantação de milho. Isso nos obriga a acompanhar tudo, saber um pouquinho de cada coisa. Senão, passa vergonha.
CIDADÃO: Sobra tempo para ler?
FLÁVIO: Édifícil. A gente tem hora para entrar, mas não para sair. E jornalista de TV não tem final de semana nem feriado. Procuro ler algo a respeito do assunto antes de ir fazer a matéria. Assisto muito o Globo Rural, por exemplo. É importante que o jornalista esteja ligado em todos os veículos de comunicação e em todos os temas.