O velho comunicador chega aos 80

20 de Agosto de 2025

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O velho comunicador chega aos 80
 
 José Antonio Sanches chegou ontem aos 80 anos de idade em plena atividade. O decano do rádio local tem muita história para contar. Pai de três filhas, o paulista de Birigui – cidade cujo slogan, “Cidade Pérola”, foi cunhado por ele – viveu em Fernandópolis em duas épocas diferentes: de 1974 a 1988 (ano em que até disputou o cargo de vice-prefeito) e de 2002 até este momento. Comunicador popular, espécie de “defensor dos fracos e oprimidos”, como diz a canção de Jorge Benjor, ele até hoje é a última instância, o derradeiro porto a abrigar os desesperançados. Nessa história de assistencialismo, o Sanches vale por uma ONG. E não me venham falar em populismo ou demagogia: o velho Sanches atua exatamente onde o poder público constituído se mostra omisso ou politicamente desinteressado.   
CIDADÃO: Como se deu a sua entrada para o rádio?
SANCHES: Comecei a usar microfone em Birigui, onde ainda não tinha rádio, num serviço de alto-falante chamado Santos Dumont. Mais tarde, com a instalação da Rádio Clube de Birigui, fui convidado para integrar a equipe de locutores. Fiquei por vários anos nesse trabalho, fazendo também auditório, rádio-jornalismo, até que comecei a aceitar convites de outras cidades. Trabalhei em Araçatuba, onde me casei pela primeira vez – ela é falecida. Meu registro de trabalho na Rádio Clube é de 1º de maio de 1950.
CIDADÃO: O que o trouxe para Fernandópolis?
SANCHES: Na primeira vez, vim da Rádio Piratininga de Votuporanga, a convite da Rádio Educadora Rural de Fernandópolis, do Leodegário Fernandes de Oliveira. Era agosto de 1974. Fiquei na cidade até 1988, quando decidi me mudar para Ubatuba.
CIDADÃO: Nesses 14 anos de sua primeira experiência fernandopolense, você se destacou como o “Papa” da comunicação do sertão de Rio Preto. A que você atribui tanto sucesso, tanto carisma, e, principalmente, essa confiança das pessoas simples em você?   
SANCHES: Não posso negar que sempre fui muito querido – mas “Papa”, não. Sempre fui muito devotado aos pobres, à classe trabalhadora. Já fiz centenas de campanhas filantrópicas, para custear cirurgias e contornar diversas outras situações de dificuldade. Lembro-me de uma moça linda de Santo Antonio do Viradouro que teve uma infecção no pé e corria o risco de perdê-lo, precisava ser operada. Conseguimos pagar a operação e ela está firme aí, até hoje. O salário do trabalhador é aviltante, e nunca tem recursos para encarar despesas inesperadas. Isso acabou fazendo com que eu entrasse no coração da gente humilde. Na minha profissão, eu dou tudo de mim. Sou sincero e cumpridor dos meus deveres. Ainda ontem (quarta-feira) uma “margarida” (gari) chegou chorando à rádio: tinha perdido a carteira com todos os documentos e R$ 400. Comecei a anunciar e ela foi encontrada, jogada no lixo, sem o dinheiro. Critiquei a pessoa que teve esse gesto: “Você nasceu por acaso, por ironia do destino. Sua mãe deve ser uma infeliz por ter dado à luz um verme”.
CIDADÃO: Você acredita que fez escola no rádio local? Não há radialistas que aparentemente se inspiraram no seu trabalho, como o Alaor Pereira e outros?
SANCHES: É possível. O Alaor é meu amigo particular, eu conheci por ocasião da cobertura da “Chacina dos Irmãos Boneto”. Mais tarde, ele começou a trabalhar na Rádio Cultura.
CIDADÃO: De que forma a política entrou na sua vida?
SANCHES: É uma época da qual ainda me recordo – mas, se dependesse da minha vontade, gostaria de não recordar (risos). Fui candidato a vice-prefeito em 1988, a convite do Raul Gonçalves. Eu seria o apresentador dos comícios dele, coisa que gosto de fazer. Um dia, fui ao escritório da sua cafeeira e ele me disse: “Quero que você seja candidato a vereador”. Eu não quis, disse que não tinha jeito para isso. Dias depois, ele me propôs ser candidato a vice-prefeito em sua chapa. Eu disse: “Piorou!”. Só que o Raul era um cara bem-falante, incisivo, capaz de mudar a opinião das pessoas. Insistiu tanto que aceitei, para não ouvir mais o convite. O resultado foi apenas razoável, e o vencedor daquela eleição foi o Milton Leão. Logo depois, mudei-me para Ubatuba.
CIDADÃO: Qual é a versão correta do episódio da cerca?
SANCHES: A cidade tinha muita falta d’água, nos anos 70. O prefeito da época, Antenor Ferrari, inspirado por Leonildo Alvizi, iniciou a construção de um poço profundo, artesiano. Esse posto, você sabe, é ao lado de onde está hoje o Água Viva. Iniciada a perfuração, depois de uns mil metros deu em pedra dura, que quebrou duas perfuratrizes. Uma, os técnicos conseguiram retirar; a outra, não. O jeito, segundo o Natalino, um técnico que hoje dá nome ao “Poção”, falou que o jeito era explodir a perfuratriz. Assim foi feito e o trabalho prosseguiu. Um belo dia, o poço começou a verter uma água barrenta. Perguntei ao Natalino se a água era aquela e ele riu: “Não, ela ainda vai ficar cristalina”. Era bem quente, essa água. Eu ia ao “Poção” todos os dias, para ver o trabalho. Numa madrugada de junho, recebi um mensageiro do Natalino que me avisou que o poço estava jorrando água. Fui ao local, constatei o fato e decidi avisar o prefeito. Na casa dele – eram 6 e meia da manhã – me informaram que ele estava na missa. Fui à igreja de gravador em punho, me aproximei do Ferrari e disse: “Desculpe estar interrompendo a sua atenção a esse momento sagrado, mas eu tinha que fazer isso. O Poção está jorrando água!” “Num acho!”, gritou o “Pavão”. O padre chamou a nossa atenção (risos). Mas aquele era o sonho do Ferrari! Aí, na inauguração oficial do Poção, vinha o governador Paulo Egydio Martins. Pensei como iria fazer a transmissão naquele tempo, porque a gente trabalhava com linhas da companhia telefônica, mas ela não instalava linhas na zona rural – e aquela região do Poção é rural. Meditei muito e, dois dias antes da inauguração, concluí que poderia solucionar o problema através da cerca de arame farpado que separava a estrada dos sítios das redondezas. O arame é condutor de energia, e o som é energia elétrica. Eram duas horas da madrugada. Corri à casa do Paulinho Fernandes e lhe disse para pegar as maletas de som, fios, fones, microfones e o que fosse. Fomos à casa do Valdevir Romero, era um técnico muito competente. Falei: “Quero transmitir a cerimônia direto do local”. Fomos à estrada, ali atrás da Brasilândia, e onde começava a cerca fizemos os testes. Ficamos a uma distância de 200 metros um do outro, e o som passava. Só que estava chegando mal, baixo e com interferência. Eram as “emendas” da cerca. Tivemos que fazer pequenas pontes de fio e testamos novamente: o som ficou ótimo. Ainda precisava de um fio comprido para ligar as maletas no local da cerimônia até a estrada. Mas aí precisava de um telefone. O aeroporto tinha um, pertencente à prefeitura. E foi assim que a transmissão saiu ao vivo e perfeita. Durante a inauguração, tomei a liberdade de narrar ao governador as peripécias que fizemos para transmitir o evento. Eu disse a ele que aquele sistema era único no mundo, e acho que era mesmo! O governador não acreditou! Eu não resisti e comecei a chorar. Paulo Egydio, então, tirou o microfone da minha mão e disse: “Chore, meu amigo. É por isso que eu acredito neste país, nessa população criativa. Quem quer fazer faz, e você fez. Parabéns!”. Depois, fui felicitado por todo mundo, menos pelo “Filhinho”, o dono da rádio. Ele não deu o menor valor à minha iniciativa!
CIDADÃO: O rádio o fez feliz, era o que você queria, mesmo?
SANCHES: Não, o rádio não era o que eu queria. Abandonei os estudos, e disso me arrependo. Se pudesse voltar atrás, eu iria para a escola, me formar. Troquei a formação cultural pelo microfone, e não posso me dar por satisfeito com isso.
CIDADÃO: Do alto dos seus 80 anos, o que você espera que aconteça em Fernandópolis para melhorá-la?
SANCHES: Disse hoje no meu programa que Fernandópolis está de “pernas curtas”. Estão puxando o nosso tapete. Não sei quem está fazendo isso, mas é uma realidade. Não acredito e não posso admitir que a AVCC seja fechada ou que a Santa Casa esteja prestes a fechar as portas. Não citei nomes, mas deveria ter citado os nomes de deputados, particularmente de um, que é o principal responsável pela hecatombe que está acontecendo neste município. Muitos leitores saberão de quem estou falando.