Ivani Torrecilha Saunders nasceu em Fernandópolis na década de 50. Sua família está na região desde os tempos da Vila Pereira. Ao descobrir a vocação para a pintura, ela adotou o codinome ‘Vani Saunders’ e com ele construiu uma carreira sólida, marcada por exposições em grandes cidades e prêmios importantes. Simples, acessível, Vani é uma artista “sem frescura”, que recebe o entrevistador com um pano de pratos na mão. E essa simplicidade também faz parte do jeito de ser do marido, o químico industrial José Luiz Saunders, que por muitos anos atuou também como marchand da pintora. Fã de Picasso e de Salvador Dali, Vani é mãe de dois filhos – Heriton e Giuliene – e avó de Natasha, Danilo, Pamela e Victor Hugo. E, ultimamente, é também uma competente dona de casa, já que está sem empregada.
CIDADÃO: Como surgiu a artista Vani Saunders?
VANI: Boa parte do despertar da minha vocação, eu devo à dona Wandalice Franco Renesto, porque ela foi minha diretora na época do “Coronel”, e quando eu estava no terceiro ou quarto ano primário, nós tínhamos aulas de pintura, ao som de música clássica. Os alunos pintavam ouvindo música. Comecei a tomar gosto ali, naquela época, trabalhando com guache, cartolina, papel-cartão. Não parei mais. Certa vez, pintei a cena do Grito do Ipiranga, com os cavalos e tal. Eu tinha 10, 11 anos. Às vezes, pintava para mim e também para os colegas (risos).
CIDADÃO: Quando foi que essa atividade se transformou em profissão?
VANI: Foi há exatos 39 anos que comecei a pintar profissionalmente, mesmo.
CIDADÃO: Como você define seu estilo?
VANI: Meu estilo é clássico, do qual gosto muito. Também gosto muito de fazer obras de cunho social, que retratem o mundo que nos cerca, as mazelas sociais, enfim. Infelizmente, isso não dá retorno financeiro – não dá sequer para pagar as tintas. Esse tipo de trabalho só funciona em exposições, em salões de arte. As pessoas sempre procuram trabalhos decorativos, e as obras impactantes não são “vendáveis”. Assim, para poder sobreviver, comprar material – que é caro – é preciso fazer trabalhos, digamos, “comerciais”. Estes sustentam meu estômago, e as obras sociais sustentam minha alma.
CIDADÃO: Você saberia definir quanto há de transpiração e quanto há de inspiração num quadro?
VANI: Creio que é meio a meio (Zé Luiz, o marido, que acompanhava a entrevista, faz cara de quem discorda. Para ele, a transpiração é 95% do processo. Todo mundo ri do aparte involuntário).
CIDADÃO: Você ainda trabalha à noite, como fazia antigamente?
VANI: Não, isso mudou. A tinta estava – aliás, ainda está – me fazendo mal. Tive que adotar hábitos mais saudáveis, entre eles não passar noites em claro.
CIDADÃO: Quais são as condições ambientes ideais para um pintor trabalhar?
VANI: Tem que ter música. Eu trabalho à base de música. O rádio fica ligado o tempo todo. O que me incomoda um pouco é ter que parar para atender ao telefone, resolver algum problema externo, não porque quero ficar isolada, mas porque ocorre uma “quebra” no processo de criação. Mas já estou assimilando isso, agora que mudei de horário.
CIDADÃO: Onde você já expôs seus quadros?
VANI: Em Brasília, Curitiba, São Paulo...Em Brasília foi curioso: nós estávamos no aeroporto internacional, onde existe periodicamente uma mostra de arte. Quando viram meus quadros (a gente só iria ficar dois dias na cidade, estávamos indo para Belém), os marchands mudaram a agenda da exposição que estava sendo feita lá para encaixar minha mostra. Eu queria achar uma tia que mora em Brasília, por isso ficaríamos dois dias na cidade. Mas acabamos ficando um mês na Capital, e os expositores queriam que ficássemos mais! O provedor da mostra insistiu muito nisso. Acabamos nem indo para o Pará...
CIDADÃO: Foi nessa época que você ganhou a tal comenda?
VANI: Sim, é a comenda da União dos Artistas Plásticos do Estado de São Paulo. Foi no Terraço Itália, em 1986.
CIDADÃO: Como é viver de arte no interior do Brasil?
VANI: Não é fácil. As pessoas, talvez pela distância dos grandes centros, não têm o hábito de cultivar valores culturais – e arte, evidentemente, é cultura, assim como a música e outras manifestações. O povo da nossa região tem raízes na agricultura, os valores são outros. A gente tem que batalhar para vender um quadrinho.
CIDADÃO: Um “braço” do seu trabalho tem Fernandópolis como tema, não é?
VANI: Sim. A primeira edição do livro “Nossa Terra Nossa Gente”, que é sobre Fernandópolis, tem alguns quadros meus cujo tema é a cidade: a praça, a Igreja Matriz...O painel da Câmara Municipal foi pintado por mim. Interessante que houve vereadores que cogitaram de apagar aquele painel, que me custou muitas e muitas horas de trabalho. Um trabalho difícil, a óleo, feito sobre uma parede que não era muito adequada para servir de base, devido à granulação. Trabalhei 40 dias até as 5h da manhã, todos os dias, com exceção dos domingos.
CIDADÃO: Por que a Ivani Saunders assina “Vani Saunders”? É algo ligado à numerologia?
VANI: Não, é porque todo mundo me chama de Vani. Bem que eu queria fazer a numerologia, dizem que funciona.
CIDADÃO: Há algum trabalho em especial do qual você gosta muito?
VANI: Tem um quadro com o qual ganhei medalha de ouro em São Paulo, na UNAP – União Nacional de Artistas Plásticos. O quadro se chama “Canto de Cozinha”. Outro trabalho, chamado “Apelo sem Lágrima”, de natureza social, que retrata duas crianças carentes, também me toca muito.
CIDADÃO: Nos anos 70, você participou das mostras organizadas pelo movimento estudantil que promovia a Semana Universitária. Em sua opinião, por que eventos assim não existem mais?
VANI: Acho que tem a ver com a política, à medida que depende da vontade política do administrador. É ele quem elege as prioridades. A Casa da Cultura, atualmente, parece alavancar mais a parte de teatro, não porque quem está lá não goste das artes plásticas, e sim porque o município não dispõe de espaço adequado para as mostras. Não é simples, o ambiente precisa ser climatizado para preservar as obras, e tal. Isso não existe em Fernandópolis.
CIDADÃO: Falta uma galeria de arte na cidade?
VANI: Exatamente. Votuporanga tem, Jales parece que também tem.
CIDADÃO: Qual é o fato brasileiro que a incomoda?
VANI: O que me incomoda mais é a falta de condições estruturais para minimizar as dificuldades da população carente – a área da saúde é um exemplo disso. A violência é outro fato alarmante. Gostaria de ver este país com todos esses problemas solucionados. A disparidade salarial também me incomoda.
CIDADÃO: Qual é seu grande projeto pessoal?
VANI: Se eu tivesse condições financeiras, ou apoio oficial, criaria um espaço bastante agradável, para nele dar aulas de pintura para as crianças carentes. Trabalharia de graça.