Privatizada e endividada, FEF segue à deriva

20 de Agosto de 2025

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Privatizada e endividada, FEF segue à deriva
Um dia, as piadas infames cessaram. Corriam os anos 70 e, por toda a região noroeste paulista, era recorrente a história dos três prefeitos (de Votuporanga, Jales e Fernandópolis) que foram falar com o governador. O primeiro pediu mais uma faculdade; o segundo, idem; e o terceiro – o prefeito de Fernandópolis – teria pedido dois ônibus, para levar os estudantes àquelas cidades.
 Os gracejos tiveram fim depois que, através de muita luta, as lideranças locais conseguiram instituir a Fundação Educacional de Fernandópolis, a FEF, cujo primeiro curso foi o de Enfermagem.
 Na edição de 23 de julho último deste jornal, em entrevista à coluna “Observatório”, o advogado José de Almeida Silvares, primeiro superintendente da FEF, contou que naquela época o Ministério da Educação dividia o país em distritos geo-educacionais. Uma recomendação dispunha que não fossem criados cursos da mesma área num raio inferior a 200 km.
 A proximidade física de Rio Preto, de Jales e Votuporanga tornava inviável a implantação de cursos – exceto a salvadora Enfermagem, inexistente naquelas cidades.
 Sem demora, esse curso da FEF se tornou um dos melhores do país. Profissionais formados em Enfermagem em Fernandópolis eram disputados pelo mercado. A Fundação aos poucos foi recebendo novos cursos, firmando-se no contexto educacional do país.
 A FEF passou a ser a menina dos olhos dos administradores que se sucederam na prefeitura. Concebida no governo de Antenor Ferrari e concretizada na gestão de Milton Leão, a Fundação Educacional contou com o trabalho árduo de Newton Camargo e do próprio Leão, em seu segundo mandato. Os anos 80 foram dourados para a instituição.
VIRADA DE MESA
 Em “Samba de Orly” (Toquinho/Chico Buarque) há a mesma frase – “antes que um aventureiro lance mão” – usada pelo imperador Dom João VI pouco antes de voltar a Portugal. Ele disse ao filho Pedro: “Fica no Brasil e proclama a Independência, se quiser. Toma a coroa para ti antes que um aventureiro lance mão!”
 Aquilo que Dom João VI e Chico Buarque temiam, em diferentes circunstâncias, aconteceu em Fernandópolis. Na calada da burocracia, a FEF teve sua natureza jurídica sub-repticiamente transformada. De pública, tornou-se particular.
 O trabalho de muitos anos, o sacrifício de diversos grupos políticos e de educadores estóicos, que se sucederam no comando da instituição, tudo isso de repente escoou pelo ralo. A FEF, agora, tinha um grão-senhor no comando, com poderes absolutos e agindo como absolutista.   
 Durante anos, os altos salários e alguns episódios escandalizaram a sociedade local. Em 2007, o perito judicial Joaquim Marçal da Costa, designado pelo juiz da Vara do Trabalho de Fernandópolis para atuar numa ação trabalhista movida pelo ex-funcionário da FEF Percival Bêgo, detectou adulterações em notas fiscais e empenhos da instituição.
 Num empenho de R$ 3 mil, o “3” era transformado manualmente em “8”; diversas notas fiscais apontavam esse tipo de adulteração, como a que foi expedida pela Churrascaria Concórdia, de Rondonópolis: o valor original de R$ 71,00 virou “R$ 271,00”. E assim por diante. O laudo apontava categoricamente os nomes das funcionárias que produziram as adulterações.
 Em agosto de 2008, a FEF contraiu um empréstimo de mais de R$ 4 milhões junto à agência do Banco do Brasil de Rondonópolis. A unidade da Fundação naquela cidade do Mato Grosso jamais saiu dos alicerces. Já as promissórias, estas saíram do banco para a execução judicial.
DÍVIDAS
 Em 2009, a FEF sofria execuções fiscais da Fazenda Pública Federal superiores a R$ 15 milhões. Recentemente, a própria Justiça, ao indeferir petitório da instituição, escreveu que “a FEF deu um passo maior do que as próprias pernas”.
 Agora, o patrimônio da Fundação Educacional corre sério risco de passar às mãos de terceiros, já que, ao se transformar em fundação de natureza privada, esse patrimônio passou a ser penhorável – condição que inexistiria se ela tivesse sido mantida como fundação pública. O campus principal pode ir a leilão.
 A sociedade está preocupada. Fala-se em união de forças, em pacto social para recuperar nossa maior instituição educacional. Isso, porém, só poderá ser feito se esse patrimônio cravejado de dívidas volver à municipalidade. Já é tempo de algum vereador de coragem levantar o tema no Palácio 22 de Maio.