enho uma velha foto, tirada nos anos 60, que mostra o advogado José Almeida Silvares, ainda muito jovem, com várias personalidades da política de Fernandópolis. Detalhe: das sete ou oito pessoas que aparecem na foto, ele é o único que está vivo. Silvares sentiu o impacto da constatação, mesmo tendo plena consciência de que todos nós somos passageiros desta experiência efêmera. Aos 69 anos, o filho de dona Ana Barozzi Silvares e de Líbero de Almeida Silvares vive hoje em São Paulo, com a esposa Iclair. Seus filhos são Ricardo (promotor de Justiça em Campinas), Ana Lídia (cirurgiã plástica) e José Fábio (advogado). Promotor de Justiça aposentado, ex-procurador do Estado, há dez anos Silvares voltou à advocacia em São Paulo. Esta semana, em visita a Fernandópolis, ele falou a CIDADÃO sobre os velhos tempos da política da cidade, na qual teve participação significativa.
CIDADÃO: Quando foi que você voltou para Fernandópolis para exercer a advocacia?
SILVARES: Terminei o curso de Direito em dezembro de 1964 na PUC de Campinas e vim para cá, montei meu escritório em janeiro de 1965. Ainda nem tinha autorização para advogar, era solicitador acadêmico. Requeri a inscrição provisória – que valia por um ano – e ela veio em março, abril. Meu primeiro cliente foi uma indicação do Waldomiro Renesto, eu ainda tinha que pedir para algum colega assinar o processo. Se não me engano, no primeiro caso quem assinou foi o Jair Rodrigues. Foi um caso de alvará de um imóvel na Cotia. Eu tinha 23 anos.
CIDADÃO: Qual era o cenário político da época?
SILVARES: Naquele tempo, ainda existiam os partidos antigos. Em Fernandópolis eram reinantes o janismo e o ademarismo. O Percy, que era prefeito, era ademarista. Eu, por tradição – meu pai fundou o ademarismo aqui, era o partido do governador – entrei desse lado. Logo naquele ano, em outubro, veio o Ato Institucional nº 2, que extinguiu os partidos. Aí se formaram as duas novas agremiações políticas, o MDB e a Arena. O doutor Ademar Monteiro Pacheco era deputado estadual e fundou aqui, com seu pessoal, o MDB. Esse grupo era historicamente contrário ao ademarismo, que o Percy personificava. Aí ficou aquela briga, Percy e Pacheco. Durou vários anos...
CIDADÃO: Você era filho de um ex-prefeito, Libero de Almeida Silvares, líder local. Assim, acabou entrando para a política com naturalidade. Como foi sua experiência de vereador?
SILVARES: Foi boa para aperfeiçoar meu lado emocional. Eu era muito impulsivo, falava às vezes coisas que me vinham à cabeça pela emoção, enfim, arroubos juvenis. Paguei caro por isso: uma vez, gravaram um discurso que fiz na Câmara e levaram para a 4ª Zona Aérea, em São Paulo. Fui chamado ao QG da Aeronáutica, fui interrogado, cheguei a sofrer certa coação psicológica. Foi bom para corrigir minhas falhas no aspecto emocional. Mas, na parte operacional, ou seja, o exercício da vereança, não foi boa experiência. Vereador não conseguia fazer nada naquele tempo. Você não podia apresentar um projeto que implicasse despesa, e, além disso, eu era da oposição, nada do que eu apresentasse seria aprovado. Uma vez fiz indicação ao prefeito da época (NR: Leonildo Alvizi, cujo mandato durou de 1969 a 1972) para instituir um prêmio para o estudante que apresentasse trabalho sobre a história de Fernandópolis. Nem obtive resposta. Aí, já na gestão do Ferrari, o Waldomiro Renesto, com apoio do Armando Farinazzo, do Moacyr Vieira da Costa e do Milton Leão, que eram professores/vereadores, tomou a iniciativa de instituir um concurso com prêmios para alunos por trabalhos escolares sobre Fernandópolis. Ou seja, uma iniciativa minha de anos antes só foi vingar bem depois. Vereador de oposição não era ouvido, sequer respeitado.
CIDADÃO: Nesses tempos conturbados dos chamados Anos de Chumbo, quem eram os líderes das alas pachequista e perciliana?
SILVARES: Na ala do Percy, os nomes mais comentados eram o do Gentil Franco, que depois se afastou do grupo quando indicamos o Ferrari para ser o candidato no lugar do Percy, que estava inelegível em 1972. O Gentil se afastou, ele que era um expoente, um sucessor natural do Percy. Eu achava que ele teria essas condições. Tinha o Jorge Aidar, o Waldomiro, o Antonio Garcia Pelayo. No lado do Pacheco, tinha o Antonio Brandini, o Milton Leão, Moacyr Vieira da Costa, Farinazzo. A família do Zeca Fernandes, como o Bertinho, que foi vereador, mas ele ficou doente e se desligou logo da política.
CIDADÃO: Você advogou para um vereador que era muito folclórico, o José Akira Massuda. Conte algum episódio do Massuda.
SILVARES: Na eleição para deputado em 1966, o Percy lançou sua esposa, dona Célia, como candidata, para enfrentar o Ademar Pacheco aqui em Fernandópolis. A gente sabia que não havia chances de elegê-la, mas queríamos marcar posição no município. O doutor Pacheco foi reeleito e dona Célia não ganhou. No dia em que eles iriam comemorar a vitória pachequista, nós soubemos que estava sendo organizada uma passeata, uma caravana que iria esperá-lo na rodovia e que passaria perto da casa do Massuda, que morava na Brasilândia. Nós decidimos não ficar na cidade, fomos para a Cachoeira dos Índios – eu, Percy, Feres Bucater, Antonio Garcia Pelayo e outros, justamente para evitar alguma provocação, algum atrito. Chamamos o Massuda, mas ele não quis ir. “Eu não vai, eu não vai, eu não sou “garinha” (galinha). “Massuda, não é questão de afinar, é só pra evitar confusão!”. Mas não teve jeito, ele ficou. O duro é que a caravana passou mesmo na casa dele, e começaram a jogar fogos de artifício no quintal dele. Aí, o Massuda pegou uma carabina e passou a atirar no jipe, que era o primeiro carro da passeata. Nisso, caiu um fogo de artifício dentro do jipe, que começou a pegar fogo. Aí o Massuda se assustou e, como se lembrou que nós estávamos na Cachoeira dos Índios, foi para lá, levado pelo Aníbal Buosi. Chegou de madrugada, contando a história. O Massuda acabou com a passeata do Pacheco (risos). Isso deu um baita dum processo, foi até ao Tribunal do Júri. Eu o defendi no julgamento. Ele não queria matar ninguém, mas atirou pro chão porque queria acabar com a passeata. No fim, o Massuda foi absolvido.
CIDADÃO: Há um episódio pouco compreendido na história da cidade em relação à criação da FEF. Como você participou desse processo, gostaria que você contasse como ele se deu.
SILVARES: Vou falar aquilo que sei, assim de memória. Foi em 1976, se não me engano, e estávamos lutando para criar um curso de nível superior em Fernandópolis. Porém, naquele tempo, o Ministério da Educação dividia o Brasil por distritos geo-educacionais. O nosso era São José do Rio Preto. Havia uma norma que impedia a criação do mesmo curso mais de uma vez num raio de 200 quilômetros. Estávamos, então, travados, porque tinha Jales com faculdade, Votuporanga com faculdade, fora Rio Preto. Vimos, então, que o único curso que não existia no nosso distrito educacional era o de Enfermagem. Aí optamos pela sua criação. Instituiu-se a Fundação Educacional, fiquei encarregado de redigir o estatuto, mas estava com dificuldades para fazer isso, por falta de conhecimento da área. O vereador Miguel Lopes Jodas, professor, mesmo sendo da oposição, me ajudou a solucionar a questão. Ele conhecia duas pessoas da fundação de Votuporanga que possuíam experiência nisso. Nós os contratamos, depois fizemos o projeto de Lei instituindo a fundação, eu fiz a exposição de motivos. O prefeito remeteu à Câmara, que aprovou. Depois, passamos à fase de implantação da fundação, que era dotá-la de bens – uma fundação pública tem que ter patrimônio. O Ferrari me nomeou como primeiro superintendente da FEF. Nós incorporamos os bens da antiga Escola de Comércio. Só que, poucos anos depois, eu me mudei para São Paulo e encerrou-se ali a minha participação.
CIDADÃO: Por que você se mudou de Fernandópolis? Em que ano foi isso?
SILVARES: Foi em julho de 1979. Recebi uma proposta de um advogado meu amigo que era irrecusável no aspecto profissional. Aceitei. Depois, a proposta não se realizou integralmente, mas mesmo assim foi altamente positivo, porque conheci outro lado da advocacia que jamais conheceria em Fernandópolis. Também optei pela carreira estatal, fui procurador do Estado, e depois fui promotor. Agora, já faz dez anos que voltei a advogar.
CIDADÃO: Assim meio à distância, qual é a visão que você tem hoje da cidade de Fernandópolis? Você acha que as perspectivas de crescimento e desenvolvimento são positivas?
SILVARES: Não sei fazer essa análise, porque, infelizmente, tenho hoje pouco relacionamento com Fernandópolis. Vejo falar em ZPE, em industrialização. Na nossa época, fizemos muito esforço para industrializar o município. Achávamos que a vocação da cidade era essa, seguindo o exemplo do que acontecia em Votuporanga, nosso grande rival. Por isso mesmo, implantamos o primeiro distrito industrial, na gestão do Ferrari: o Prodei. Era a vocação da cidade, que tinha o frigorífico, o curtume, a fábrica de tanino. Poderíamos entrar na área do agronegócio. Tínhamos agricultura e pecuária fortes e a idéia era a industrialização desses produtos por aqui mesmo. E também partir para outras formas de industrialização, como móveis, carrocerias. Eu não acreditava muito na vinda de indústrias de fora, preferia incentivar as empresas daqui para obter uma industrialização autóctone. O frigorífico, por exemplo, poderia deixar de ser um mero abatedouro para se tornar também o responsável pela industrialização da carne, como uma Swiftt, uma Bordon. Teria 3 ou 4 mil funcionários. E essa proposta deveria ser levada ás demais empresas, agregando valor, produzindo insumos. Infelizmente, esse projeto não foi em frente. Hoje, acredito que Votuporanga está bem à frente. Uma vez, quando estávamos implantando o distrito industrial, eu falei que Votuporanga estava quase nos passando na arrecadação de ICM, na época, e muitos políticos ficaram bravos. Mas tem quer ser realista, eu não vou ficar como avestruz. A verdade é que Votuporanga estava crescendo, e crescendo com as indústrias deles. A Facchini não veio de fora. Aquela cidade tinha um cérebro industrial chamado Nasser Marão. Nós não tínhamos um Nasser. Essa é a grande diferença no quesito desenvolvimento. Espero que o pessoal não fique bravo comigo! (risos).