Motoristas reclamam que terminal de cargas não autoriza o uso do pátio interno
Desde terça-feira, 31 de maio, o trânsito está caótico no Km 1 da Rodovia Carlos Gandolfi, que liga Fernandópolis a São João das Duas Pontes, perto do trevo da Unicastelo.
Com a chegada da safra, caminhões carregados de açúcar que prestam serviços à Usina Coruripe chegam diariamente para descarregar o produto no terminal situado a alguns metros dos trilhos da Ferroban, que corta a vicinal.
Os caminhões são muitos, dezenas e dezenas. Só que o espaço físico necessário para aguardar a hora de despejar a carga é pouco, quase nenhum. Os caminhoneiros criticam a usina, que não autoriza o estacionamento no pátio interno, ação que resolveria boa parte do problema. “Nem o uso do banheiro é permitido”, disse um motorista.
Os caminhoneiros estão estacionando na antiga estrada Fernandópolis – Estrela D’Oeste, que não é asfaltada, ou no trecho da Carlos Gandolfi posterior ao terminal. Com o movimento dos carros que vêm de Duas Pontes, mais os carros dos universitários e ainda os trens da ALL, a confusão está instalada.
MARMITEX
A maioria dos motoristas é de outras cidades e estados, mas um deles, que é de Fernandópolis, vive um dilema kafkiano: Apesar de estar a cinco minutos da própria casa, não pode ir lá almoçar ou jantar. “Se tirar o caminhão da fila, perco a vaga. Se eu me afastar, e o caminhão for roubado, o seguro não paga”, explicou.
A solução para ele e os demais tem sido mandar buscar marmitex na cidade. À noite, os problemas continuam: por lei, os trens têm que disparar suas estridentes sirenes quando cruzam o trecho urbano. Isso atrapalha o sono dos motoristas em suas cabines.
A maior dificuldade é mesmo estrutural. O terminal só pode receber 3 mil toneladas de açúcar por dia – essa é a capacidade diária das composições ferroviárias que passam por lá. São 70 vagões diários. Os caminhoneiros que não conseguem descarregar dentro da “cota” daquele dia têm que esperar até o dia seguinte, quando a descarga é retomada.
Um motorista de Quirinópolis, Goiás – seu nome é Vanderlei, e ele foi um dos poucos que ousou dizer o próprio nome, porque a maioria teme represálias – explicou que a demora chega a 20 horas.
Outro caminhoneiro, este de Bauru, diante da pergunta sobre o tempo que estava aguardando, disse simplesmente: “Nem estou fazendo questão de calcular a demora, para não me desesperar”, lastimou.
UNICASTELO
Um funcionário da Unicastelo, que utiliza a rodovia diariamente, considerou a situação “caótica”: “Nos horários de pico das faculdades, que são os de entrada e saída, o trânsito fica infernal, com caminhões e carros de estudantes disputando espaço. Além disso, a poeira é infernal”, criticou.
Na manhã de quinta-feira, em meio ao calor e à poeira, os motoristas trocavam opiniões sobre o problema que tem sido descarregar em Fernandópolis. Um caminhoneiro sugeriu que fosse instalada uma cancela no local: “Toda vez que preciso atravessar os trilhos fico temeroso, o trem pode aparecer na curva a qualquer momento”, justificou.
Outro criticava o acordo entre a Coruripe e o prefeito de Fernandópolis, Luiz Vilar de Siqueira, que proibiu a entrada de caminhões a serviço da usina pelo centro da cidade (o roteiro predileto era a Rua Pernambuco, virando à direita na Avenida dos Arnaldos): “A usina nos obriga a cumprir esse acordo, embora não exista lei que nos proíba de trafegar na cidade”, afirmou.
Por telefone, o capitão PM Wilson Cardoso Junior, do 16º BPM-I, informou que a Polícia Militar tentará um acordo com a Coruripe, para que o problema seja contornado. Se isso não for possível, o Ministério Público será acionado.
“Esperamos contornar o problema de maneira racional. Sabemos que os caminhões vêm de longe e que precisam trabalhar. Porém, eles não podem estacionar irregularmente, e assim poderão até ser autuados por infração de trânsito”, disse Cardoso Junior.
OPINIÃO
Falta infra-estrutura básica. Assim, dá para falar em ZPE?
O drama dos caminhoneiros que transportam açúcar até o terminal de cargas da usina Coruripe, implantado ao lado da Ferroban, assusta pela falta de logística intermodal.
Ali, os diferentes meios de transportes não se integram: ao contrário, eles se atropelam. Caminhoneiros temem atravessar os trilhos da ALL (nem cancela existe no local); estudantes universitários xingam e são xingados, na disputa pela pista da Vicinal Carlos Gandolfi.
Onde está o prometido pontilhão sobre a via férrea? O projeto existe, mas se perdeu no turbilhão de promessas políticas.
Será que Fernandópolis, tão desaparelhada em sua malha viária, terá condições objetivas de receber uma Zona de Processamento de Exportação? (E aqui, falamos de um único aspecto, sem incluir itens capitais como moradia, segurança e saúde, por exemplo).
O Brasil precisa ser repensado. Não é possível continuar tolerando o pragmatismo da iniciativa privada nem o cinismo dos políticos. Aparentemente vilões, os caminhoneiros são na verdade as grandes vítimas dessa história.
Permanecemos durante mais de duas horas nas proximidades do terminal de cargas, e, apesar da Torre de Babel ali instalada, não vimos qualquer movimentação dos agentes dos poderes constituídos. O problema, aparentemente, não era deles. Ou, quem sabe, não havia problema.
A corda tem que parar de arrebentar sempre do lado mais fraco.