A brincadeira nada inocente chamada bullying

20 de Agosto de 2025

Compartilhe -

A brincadeira nada inocente chamada bullying
Diariamente, alunos no mundo todo sofrem com um tipo de violência que vem mascarada na forma de “brincadeira”. Estudos recentes revelam que esse comportamento, que até há pouco tempo era considerado inofensivo e que recebe o nome de bullying, pode acarretar sérias conseqüências ao desenvolvimento psíquico dos alunos, gerando desde queda na auto-estima até, em casos mais extremos, o suicídio e outras tragédias. A direção do Colégio Anglo de Fernandópolis decidiu agir preventivamente e convidou a psicóloga Daniela Mastrocola Veloce Fraga para desenvolver um trabalho de orientação e combate ao fenômeno comportamental. Formada pela Puccamp em 1997, a psicóloga tem seis anos de prática clínica na cidade, para onde se mudou em 2001 – ela é natural de Catanduva. Casada com Egberto Campos Fraga Neto e mãe de André, de 12 anos, e Fernanda, de sete, Daniela recomenda muita atenção para o problema: “o bullying não acontece só nas escolas, mas sim em qualquer ambiente onde existam relações humanas”, alerta.
CIDADÃO: Você vem desenvolvendo um trabalho de combate ao bullying junto aos alunos do Colégio Anglo. No que consiste esse trabalho?
DANIELA: É um trabalho preventivo consistente de pesquisa e aplicação de um questionário aos alunos para “medir” a incidência do bullying dentro da escola. Com esses dados em mãos, faremos palestras informativas aos alunos. Depois disso, será feito um trabalho com os professores, funcionários e os pais, porque o bulling não pode ser combatido de um lado só, é preciso que a família se una à escola para combaterem juntos o problema.
CIDADÃO: Os jovens que praticam o bullying estabelecem uma espécie de discriminação na escolha da vítima: é o menino gordinho, a menina sardenta...Quais são os alvos prediletos dos agressores, do ponto de vista da psicologia?
DANIELA: Esses alvos têm algumas características físicas que os diferenciam. Geralmente, as vítimas são pessoas que apresentam maior insegurança, com auto-estima mais baixa. Frequentemente são mais frágeis. O agressor tem um falso poder sobre a vítima. Esta costuma ter dificuldades nas habilidades sociais, por isso acaba sendo escolhida.
CIDADÃO: Até onde o excesso de tempo dedicado ao computador pode ser associado a esse problema?
DANIELA: Boa pergunta. Geralmente, as pessoas que têm pouca habilidade de socialização se dedicam mais ao computador e às atividades solitárias. Não praticam esportes coletivos – preferem o tênis, a natação – e se dedicam à leitura e, principalmente, ao computador. Existe também o ciberbullying, que é o bullying pela Internet. O agressor intimida,chantageia a vítima através de redes sociais, e-mails, ou expondo vídeos.
CIDADÃO: O comportamento dos praticantes do bullying pode ser comparado ao de uma torcida organizada de futebol, naquilo que diz respeito ao comportamento de massa ou multidão?
DANIELA: A “turma” influencia muito. Se não existe plateia, o agressor não tem força. Faz parte do contexto: há o agressor, a vítima e o expectador. Em turma, o agressor evidentemente é mais forte.
CIDADÃO: O atirador de Realengo, Wellington Menezes, teria sido vítima do bullying, anos antes, na própria escola onde aconteceu a tragédia. Faz sentido associar os dois fatos, como vem sendo feito?
DANIELA: Não sei precisar, porque ele tinha em mente outros planos, como destruir o Cristo Redentor. Ele queria de alguma forma aparecer, realizar um feito. Queria ser um “mártir”. Pode ter relação, sim.
CIDADÃO: Os jornais publicaram que os sobreviventes do Realengo apresentam um quadro de trauma, alguns caminhando para a depressão. E como ficam as crianças e adolescentes que estão longe do Rio de Janeiro, mas viram a tragédia pela TV? Isso não trará uma reação em massa, provocadora de pânico?
DANIELA: É possível. Porque fatos assim, não se podem evitar. Se a pessoa é louca, e tem em mente fazer um massacre, a única forma de impedir é a segurança na portaria da escola. Enfim, medidas de segurança. Agora, para trabalhar as crianças, o método é a informação. É o que vamos fazer agora – conversar, descobrir quais são os medos dessas crianças, porque o perigo é real, em qualquer escola, em qualquer lugar do mndo.
CIDADÃO: Mas, se forem criados mecanismos eficientes de segurança na entrada das escolas, elas se sentirão seguras.
DANIELA: Sem dúvida. Até o bullying, quando muito presente na escola, pode desenvolver nos estudantes esse medo, a perspectiva desagradável de saber que poderá ser o próximo a sofrer com as brincadeiras humilhantes. Isso pode provocar uma reação que leve a restringir o relacionamento com os colegas. Essa situação de bullying tem que ser combatida, acho que a escola deveria ter um gestor de bullying. Há que se estabelecer regras de convivência, com alguém responsável por isso. Assim, o agressor ficará intimidado para praticar sua violência.
CIDADÃO: Por que alguns jovens têm necessidade de humilhar outros jovens?
DANIELA: Geralmente, o agressor é carente de afeto e tem dificuldades na família. Dentro de casa, os problemas são resolvidos com violência. É a forma de relacionamento que ele conhece: nada é resolvido harmoniosamente. Geralmente, essas pessoas vêm de famílias de pessoas desestruturadas. Então, a família é co-responsável por essa agressão.
CIDADÃO: Como deve proceder uma vítima do bullying?
DANIELA: Primeiro, denunciar o fato ao responsável, que deverá tomar a atitude devida. A escola deve promover punições. O melhor remédio é que a família compareça a escola, se inteire do problema e colabore na solução. É necessário que existam regras para se conviver bem em sociedade. Educação em casa é fundamental. A família precisa aceitar o tratamento que for prescrito. A família é o primeiro elo dessa corrente, portanto é fundamental para a solução do problema. Os pais precisam aprender a diferenciar brincadeira de bullying. A diferença é que o bullying tem caráter intencional e repetitivo. O limite disso é o sentimento da vítima. Muitas personalidades mundiais já sofreram com o bullying, como Tom Cruise, Madonna, Gisele Bundchen. Quer dizer, dependendo do apoio que encontra na família, essa pessoa pode transcender, dirigir essa raiva, canalizando-a para um caminho bom. É essencial o apoio familiar. Veja, no caso do Realengo, isso não acontecia, o rapaz era sozinho. É interessante notar que o agressor, o opressor da escola, pode se tornar no futuro um pai agressivo, um chefe tirano. O bullying não ocorre só em ambiente escolar: pode ser constatado em qualquer lugar. Há o trote universitário, o bullying homofóbico, até mesmo o político corrupto, porque o descaso com a coisa pública e com a população, por parte de certos políticos, pode ser entendido como uma forma de bullying.