Para Rafael, cidade tem qualidades que só os céticos não enxergam

20 de Agosto de 2025

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Para Rafael, cidade tem qualidades que só os céticos não enxergam
Rafael de Araújo Silva tem 30 anos, todos eles vividos em Fernandópolis. Ele pertence à geração que teve a primazia de escolher entre ficar ou sair. Rafael preferiu a primeira hipótese e não se arrepende. Com os pais, Zecão e Elaine, o jovem aprendeu a amar a cidade, da qual se tornou um intransigente defensor. O educador Paulo Freire – adepto da tese que propõe a fixação do homem à terra de origem como receita de felicidade pessoal – adoraria conhecer Rafael.


CIDADÃO: Você é um jovem de classe média que poderia, se quisesse, ter estudado num grande centro e conhecido novos horizontes. Por que você optou por ficar em Fernandópolis?
RAFAEL: Em casa, os três irmãos sempre tiveram o mesmo tratamento e as mesmas oportunidades. Meus pais sempre disseram que os filhos, se quisessem estudar fora, teriam que fazer faculdade estadual e não particular. Outra possibilidade eram os intercâmbios culturais. Mas eu optei por ficar porque havia a possibilidade de fazer faculdade em Fernandópolis mesmo. Antigamente, se reclamava que não havia cursos superiores. A minha geração já contou com esses cursos, como o que fiz, que é o de Administração de Empresas. Meu pai nasceu aqui, foi estudar fora e voltou. Já a nossa geração encontrou a possibilidade de estudar aqui mesmo, preparando-se para o mercado de trabalho de forma satisfatória. São pequenas coisas da cidade que a gente vê nas pessoas que ficaram: um sentimento de “o que posso fazer pela minha terra?” Hoje, não é preciso ir embora para ter formação e qualidade de vida.
CIDADÃO: Você cursou administração de empresas na Unicastelo, não é? Qual a impressão que ficou do meio universitário local?
RAFAEL: Melhorou bastante. No começo, existiam só três ou quatro cursos. Percebe-se que o meio acadêmico melhorou, tem mais senso crítico, exige melhor qualidade de ensino. Os professores, idem. Alta expectativa, alta exigência. Ora, para uma boa preparação para o futuro, é preciso que a universidade tenha condições de corresponder a essa expectativa.
CIDADÃO: Sua família consegue aliar a arte a outras atividades, como comércio, magistério e setor terciário. Como é o dia a dia da família Araújo Silva?
RAFAEL: Uma coisa que meu pai sempre prezou muito é a união da família. Por ele, ninguém iria embora. O Zecão sempre esteve envolvido nos movimentos culturais locais. Graças a Deus, tive a oportunidade de fazer parte da geração Filhos da Terra, participando de semanas culturais. Adoro ver meu pai contar dos tempos da AFA, da Semana Universitária, dos eventos no FEC. A gente acaba se espelhando na imagem do pai. Minha mãe sempre deu aulas, meu irmão André envolveu-se com teatro, minha irmã Ana Carolina é voltada para a comunicação. Eu olhava para eles e pensava o que poderia fazer para participar, ficando aqui na cidade. Acho que esse costume familiar de participar ativamente da vida cultural contribuiu muito para ampliar nosso amor pela terra. Não gosto quando alguém começa a criticar a cidade, dizendo que não tem isso, não tem aquilo. São pessoas que não gostam de Fernandópolis. Isso me incomoda. Claro que temos problemas, como todo lugar tem.
CIDADÃO: Há quanto tempo o conjunto “Zeca Poesia & Seresta” está em atividade?
RAFAEL: Dez anos. Nessa época, meu pai fez um curso no Sebrae, em Rio Preto, e nos telefonou dizendo que teria que criar uma empresa fictícia que desse lucro e prazer de trabalhar nela. Nesse tempo, eu tocava um pouquinho de violão e pandeiro, e formamos o conjunto. Interessante que o grupo musical nos ajuda a ter melhor percepção dos rumos da cidade e da região, porque a gente acaba participando de eventos importantes. O que aconteceu em Fernandópolis de 2000 a 2010, muitas vezes teve a participação do “Zeca Poesia & Seresta”. E sendo em família, é muito mais gostoso.
CIDADÃO: Há algum fato especialmente marcante que tenha acontecido na trajetória do grupo?
RAFAEL: Uma vez, fizemos uma serenata na casa de uma senhora idosa, e ela disse que ficou muito emocionada. Ela nos revelou que sofria de uma doença muito grave, e que não sabia se na semana seguinte ainda estaria neste plano espiritual. Mesmo assim, segundo ela, nós a deixamos feliz. Essa emoção acaba voltando para a gente, é como um espelho. Também há aqueles que se impressionam ao ver uma serenata, coisa que, imaginavam, não existia mais.
CIDADÃO: Por que o conjunto usa roupas de época?
RAFAEL: A gente se inspirou num grupo paulistano chamado Trovadores Urbanos. Mas a intenção principal é resgatar nossas raízes e origens. Assim, a gente pesquisa não só músicas antigas, mas também figurinos de época. Eu gosto muito, por exemplo, da história de Fernandópolis. Então, quando me encontro com personalidades mais antigas, sempre paro para bater papo e perguntar como essas pessoas analisam a cidade do presente, o que estaria faltando na opinião deles, etc. Faz parte da minha personalidade esse tipo de abordagem, gosto muito de conversar com os mais velhos.
CIDADÃO: Qual é a formação atual do conjunto?
RAFAEL: Além dos cinco da família – Zecão, Elaine, Ana Carolina, eu e André – tem a Inaíse, que é engenheira da prefeitura, a Fabiana, que é minha prima e trabalha no Banco do Brasil em Rio Preto, a professora Áurea, o Rogério, que é psicólogo. É um pessoal interessadíssimo. E tem o Kiko, jornalista, que quando está na cidade participa do grupo.
CIDADÃO: Sempre que há um evento cívico na cidade, você está presente: entrega da Medalha 22 de Maio, desfile de 7 de setembro...Qual é a origem desse hábito?
RAFAEL: Creio que é uma espécie de compromisso com a cidade. Quando eu estudava na escola Sólon Varginha, tínhamos a preocupação de sempre preparar alguma coisa especial para o 7 de setembro. Sou daquela geração que cantava o Hino toda quarta-feira, de hastear a bandeira e coisa e tal. Quanto à programação do aniversário da cidade, como você sabe coincide com o período da Exposição. Todo dia 21 de maio, eu estou na Expô e em certa hora falo pros amigos: “Pessoal, vou embora que tenho que acordar cedinho amanhã, para as solenidades na praça”. Os amigos falam: “Puxa vida, vai lá fazer o quê?” Ora, eu sou nascido em Fernandópolis, e prestigiar os atos cívicos da minha cidade significa prestigiar a mim mesmo. Gosto de cantar o Hino de Fernandópolis. Quando fui presidente do Rotaract, instituí que na primeira reunião de cada mês nós cantaríamos o Hino da cidade. Até hoje é assim. Se você vive numa cidade e quer participar do seu desenvolvimento, tem que demonstrar civismo. Vou lhe contar uma coisa: quando vou a algum ato cívico, fico olhando discretamente para as bocas dos políticos e autoridades para ver se eles sabem cantar o Hino de verdade. Ora, é gostoso demonstrar afeto pela cidade, encher a boca para falar da “criança gigante”. Isso nos incentiva a ficar e a lutar pela cidade.
CIDADÃO: O que é o Rotaract? Quem pode participar e quais são os objetivos?
RAFAEL: O Rotaract é um grupo de jovens de 18 a 30 anos. Trata-se de um projeto do Rotary International, existente há muitos anos – só no Brasil, são 40 anos. Em Fernandópolis, apareceu o convite através do companheiro Luiz Fernando Leite. Antes, eu havia participado do Leo Clube, mas aí fiquei meio velho, passei dos 18 anos, e passei a fazer parte do Rotaract. Acho que fizemos coisas importantes, como o projeto Horta Viva, na época em que o Emerson Calgaro era presidente. O Emerson acabou indo implantar esse projeto no Peru, ganhou prêmio internacional. Depois, quando assumi a presidência, procurei dar continuidade a essa filosofia, que era a de proporcionar melhores condições de vida para a comunidade. Instituímos um curso de processamento artesanal da mandioca, organizamos curso que ensinou a fazer detergente e sabão a partir do óleo de fritura, coisa que, aliás, está em evidência. Também a utilização de cascas e talos de frutas, verduras e legumes. Há uma parceria muito interessante com a Agronomia da Unicastelo. Trabalhamos também na Semana do Trânsito, e púnhamos veículos acidentados na avenida, para alertar os motoristas e pedestres através do impacto que a visão dos carros sinistrados causa. O índice de acidentes é preocupante. Então, buscamos mostrar aos jovens os problemas que temos e como podemos resolvê-los.
CIDADÃO: Agora, que você completou 30 anos, não tem que sair do Rotaract?
RAFAEL: É, agora estou no desvio (risos). Mas eu sou uma pessoa participativa, sempre tem como estar atento às coisas da cidade.
CIDADÃO: Como bancário e administrador de empresas, qual é a sua expectativa em relação à ZPE?
RAFAEL: É um “filet mignon”, uma coisa importantíssima que está acontecendo. Fernandópolis está em busca de sua identidade. Quando se fala em Ibitinga, por exemplo, nós a associamos ao bordado. Em Valentim Gentil ou Votuporanga, a associação é sempre com o setor moveleiro. Olímpia lembra as termas. Nossa cidade não tem o seu sinônimo. Espero que a ZPE absorva muita mão de obra qualificada. Eu sou bairrista mesmo. Quando um empresário se instala na cidade e gera empregos, independentemente da minha função no banco, faço questão de visitá-lo para agradecer pela confiança que ele depositou na cidade. Lembra-se do empresário que instalou o Cupim na Telha e estendeu uma faixa manifestando sua confiança em Fernandópolis? Adorei aquilo, acho que é essa fé que está faltando nas pessoas. Já não sou tão jovem assim, sou do tempo em que na Expô havia a “Tapera da Galera”, que depois virou Vacaloka e depois Bartô (risos). Nunca vou esquecer a frase do meu pai, quando recebeu a Medalha 22 de Maio: “Fernandópolis: no meu peito uma verdade. Sou um braço desta cidade e meu corpo é esta terra”.