Em debate, o urbanismo e os novos desafios da arquitetura

20 de Agosto de 2025

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Em debate, o urbanismo e os novos desafios da arquitetura
No dia 8 de novembro, comemora-se o Dia Mundial do Urbanismo. Nunca na história da Humanidade as cidades cresceram tanto e geraram tantos problemas. Nesta entrevista, CIDADÃO debateu com a arquiteta Talita Catelani de Carvalho questões relativas ao urbanismo de forma geral e os problemas de Fernandópolis em particular, já que ela nasceu na cidade (é filha de Amilton Augusto de Carvalho e de Maria Tereza Catelani de Carvalho) e conhece bem sua terra. Formada pela UNESP de Bauru, Talita pertence à corrente contrária ao “inchamento” das grandes cidades e defende a arte como componente essencial da arquitetura. Para ela, um projeto tem que ser funcional e causar impacto.



CIDADÃO: As grandes cidades têm cada vez mais gente e menos qualidade de vida. Para minimizar isso, quais são as estratégias mais adotadas pelos urbanistas?

TALITA: Na verdade, esse é um problema que o urbanismo, sozinho, não consegue solucionar. Existem medidas preventivas que ajudam a evitar que se chegue a esse ponto. Na concepção dos urbanistas, o ideal seria haver cidades não tão grandes, talvez um pouco menores do que São José do Rio Preto. Isso porque há algumas medidas urbanísticas difíceis de aplicar aos grandes centros, dependendo da conjuntura.

CIDADÃO: Aristóteles afirmou que uma urbe jamais deveria ter mais do que 500 mil indivíduos. Você concorda?

TALITA: Com certeza, porque se você pegar uma cidade pequena, ela não é auto-suficiente, em todas as medidas. Na área médica, o morador precisa se dirigir a outra cidade para procurar um profissional. Na área de compras, idem. Essa é uma postura nem um pouco sustentável, já que a pessoa tem que se deslocar por uma rodovia. Na cidade grande, o tempo que o indivíduo perde no deslocamento é muito grande, seja em transporte público, seja no privado, o que é pior ainda. O ideal seria que as cidades tivessem um nível médio de habitantes – só que isso não depende do urbanista.

CIDADÃO: No gerenciamento de obras públicas, qual é a importância da integração entre os profissionais das diversas áreas?

TALITA: Há algum tempo, existia um trabalho mais em cima do engenheiro civil, como foi o caso de São Paulo, onde o Ramos de Azevedo, que trabalhava como arquiteto, na verdade era engenheiro. Foram pessoas importantes na história de São Paulo. Naquele tempo, quase não havia arquitetos. Hoje, tem arquiteto, agrônomo, sociólogo, antropologista, diversos profissionais importantes, porque cada um pode trazer informações essenciais para que um projeto aconteça. Principalmente antes da elaboração propriamente dita, quando o projeto ainda está em idéia. Quanto mais profissionais estiverem envolvidos, com certeza a qualidade será melhor.

CIDADÃO: O arquiteto, com a atual legislação ambiental, tem que trabalhar com os textos legais na mão?

TALITA: Acho que essa é uma pergunta mais para as cidades grandes, dependendo da obra, porque se você pegar uma obra pública de grande porte, é uma coisa; se você falar das pequenas obras que o arquiteto faz na cidade pequena, é outra. Existem muitas normas, e o correto mesmo é trabalhar com essas normas na mão, para não correr o risco de errar.

CIDADÃO: Qual é a atribuição mais importante que fica para o arquiteto num projeto de saneamento urbano, ou de urbanização de favelas, enfim, na sua atuação num departamento de uma prefeitura, por exemplo?

TALITA: Penso que todo ato, todo projeto de urbanismo, se não tiver pelo menos um, dois, três arquitetos envolvidos, dependendo do tamanho do projeto, não faz sentido porque não há qualquer profissional mais capacitado do que o arquiteto-urbanista, principalmente aquele que trabalha envolvido nessas causas para decidir. O urbanista é mesmo o mais indicado. Aliás, tudo o que um arquiteto precisa saber, o urbanista precisa saber também. Vejo assim: embora achem que arquitetura é fazer projetos – e realmente é -, na verdade, para se chegar a esse projeto estarão envolvidas algumas séries de estudos. Estudar o homem, a Antropologia, a Filosofia, a Sociologia, a arte, principalmente. Em urbanismo, mais ainda, porque as coisas andam lado a lado, embora tomando rumos diferentes. Uma coisa é o macro, que é o urbanismo, outra é o edifício, que é algo menor. Então, para desenvolver esse tipo de projeto, é preciso do arquiteto para inferir em todas as idéias. Existem cidades que hoje são muito desenvolvidas quanto ao urbanismo, mas que no passado tiveram investimentos muito grandes, tiveram alguém com conhecimento muito grande para administrar as atitudes da prefeitura. É o caso de Curitiba, que teve não só o Jaime Lerner, mas também o Jorge Wilheim, que até hoje trabalha em São Paulo. Ele liderava essa proposta quando o Jaime Lerner entrou na história, primeiro como urbanista, depois como prefeito e governador. Até hoje ele tem cargos importantes. E o Jorge ajudava também nesse aspecto. Então, Curitiba foi crescendo baseada nas novas medidas, buscando as soluções que o urbanismo poderia dar para uma cidade se desenvolver bem.

CIDADÃO: O que é reciclagem de espaços, do ponto de vista urbanístico?

TALITA: Na área de sustentabilidade, é um dos conceitos mais fáceis de serem aplicados numa cidade do porte de Fernandópolis, por exemplo. Seria o que acontece na Avenida dos Arnaldos ou no Parque Estoril: regiões da cidade onde a população é mais idosa e já não está querendo mais morar ali, porque esses lugares estão perdendo a vocação de moradia. Antes considerados bairros residenciais, hoje são bairros de via, com a tendência de se sair do centro. As pessoas acabam passando por ali. Aqui na Avenida dos Arnaldos mesmo, tenho vizinhos que reclamam do barulho do movimento de carros, mas não são estes que estão no lugar errado: as pessoas é que ficaram no lugar errado. Então, a reciclagem de espaços seria assim: quem tem o interesse de morar numa área residencial, que vá para uma área residencial e que essas casas abram espaço para o comércio se expandir. Outro caso de reciclagem se refere aos terrenos. Embora Fernandópolis não tenha muitos casos de grandes espaços, glebas dentro da cidade, esses espaços não podem continuar sendo espaços vazios. Têm que ser ocupados, ter uma destinação – nem que seja compulsória, quando o dono não quer ocupá-lo, está destinando a área apenas à especulação imobiliária. A administração tem a obrigação, até por normas escritas, de compelir o proprietário a parcelar e a ocupar esse espaço. Senão, o crescimento da cidade ocorrerá “pulando” esse terreno. Imaginemos que ele tem 400 metros: ele vai obrigar a prefeitura a ter 400 metros de infra-estrutura – água, esgoto, iluminação – a mais. Isso não pode acontecer. A reciclagem tem o sentido de ocupar os espaços dentro da cidade que estão ociosos ou mal utilizados.

CIDADÃO: Em cidades médias, como Fernandópolis, quais são os maiores riscos de deterioração urbana?

TALITA: Acho que compete à administração estar sempre criando incentivos para que isso não aconteça. Numa cidade pequena, isso não deveria acontecer porque se trata de espaço menor, e as pessoas são conhecidas entre si. Quando eu estudava em Bauru, teve um programa de revitalização do centro. Diziam que o centro de Bauru era feio, mas era feio porque era velho! A coisa foi ficando daquela forma. Quando isso acontece, é preciso tomar medidas rápidas para impedir. Aqui em Fernandópolis não há edifícios históricos no centro, que careçam de acompanhamento na execução para preservação da história. Não há muitas coisas com esse aspecto, mas tem alguns edifícios com aquelas “caixas” em volta, colocando a programação visual, que nem se sabe o que está embaixo. Mas foi a forma como Fernandópolis foi construída nos primórdios. Há várias formas de preservar isso. O ideal é executar as medidas de remodelagem do centro, respeitando a história. A cidade tem que perder o aspecto de vila, alguns pontos do centro ainda têm aspecto de vila. Não é o que acontece em Votuporanga, por exemplo – e isso faz com que muitas pessoas acreditem que o comércio de Votuporanga é melhor. Pode até ser, não sei, mas acho que o que faz as pessoas pensarem isso é a falta de investimentos em fachadas. Caberia à prefeitura dar incentivos aos proprietários, como isenção de IPTU no ano da reforma, enfim, medidas que ajudem a pessoa a buscar essa solução estética.

CIDADÃO: Os problemas de trânsito em Fernandópolis têm como causa maior o excesso de veículos ou a falta de planejamento urbano no passado, o que dificulta a abertura de vias alternativas em bairros populosos, como o Coester?

TALITA: Toda cidade tem excesso de veículos, exceto as cidades pequenas. Isso tende a aumentar, por causa do crescimento do poder aquisitivo da classe média. Praticamente todo carro só carrega o motorista, principalmente em dias de semana. Talvez o errado seja o modelo de automóvel, que poderia ser algo mais compacto. Agora, em Fernandópolis talvez tenha faltado ao longo do tempo mais atenção às vias que vão para os bairros. No Coester, não há avenidas. A Avenida 18, que é a mais movimentada, teve a mão dupla invertida, mas as vias paralelas complicam o trânsito, as calçadas são estreitas. Não foi um erro de planejamento particular de Fernandópolis, coisas assim você encontra em qualquer cidade. Para solucionar esse problema, é necessário um anel viário, uma avenida que contorne os bairros, criando um segundo acesso. E também faltam placas indicativas em Fernandópolis, porque quem não conhece a cidade fica meio perdido.

CIDADÃO: Como o arquiteto concilia as exigências legais e sócio-econômicas que permeiam cada projeto, seja público ou privado, com as suas criações estéticas? É possível integrar beleza, ecologia e destinação social?

TALITA: É difícil explicar, mas fácil para o arquiteto realizar. O arquiteto é uma pessoa que não só gosta de arte, como a tem como fator principal em tudo o que faz. A arte, em arquitetura, é justamente conseguir fazer uma coisa que funcione e que tenha um aspecto estético que impressione. Algo que tenha qualidade estética tem que impactar. Mesmo que haja polêmica. Aliás, costumo dizer que quando tem polêmica você está no caminho certo. O conceito de arte, infelizmente, não é entendido por todas as pessoas. E arquitetura é arte. Em síntese: o projeto tem que funcionar. Uma vez que funcione, ele poderá ter o aspecto que for. Agora, quanto à sustentabilidade, que é um conceito recente e crescente, tudo o que você pensa em termos de sustentabilidade vai economizar recursos naturais. Todo projeto que leva em consideração os três aspectos que você citou não pode ser ruim. Muitas cidades do Brasil têm ciclovias. Não adianta você estimular a população a usar a bicicleta se não se constroem as ciclovias. Seria interessante se pensar em espaço para as bicicletas em todas as novas vias que surjam na cidade. Fernandópolis está crescendo, e isso poderia ser disponibilizado. Um exemplo disso é o Parque Universitário, que é recente, mas não as adotou.