Tia que precisa ir à escola com aluna faltosa diz que é preciso 'fazer esforço'

20 de Agosto de 2025

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Tia que precisa ir à escola com aluna faltosa diz que é preciso 'fazer esforço'
A camareira Neusa de Arruda de Paula, de 48 anos, parou de estudar aos 12 anos para ajudar o pai na roça. No dia 22 deste mês, no entanto, foi parar de novo em uma sala de aula, da Escola Estadual Carlos Barozzi. Não que quisesse. Ela foi orientada a acompanhar a sobrinha de 15 anos, que estava "matando" aulas.

A medida, aplicada em Fernandópolis, município a 553 km de São Paulo, partiu do Conselho Tutelar e tem o objetivo de tirar os adolescentes de situações de risco e diminuir a evasão escolar. Agora, estudantes que não têm ido à escola são acompanhados de perto pelos responsáveis.

“É difícil, mas temos que fazer um esforço. Ela estava faltando muito. Saía com o material e pensávamos que ia para a escola, mas ela chegava a ficar até uma semana fora de casa”, conta Neusa, dizendo não saber onde a garota dormia. O caso foi mais um que chamou a atenção do conselheiro tutelar da cidade Alan Mateus, o autor da ideia.

A medida começou a ser adotada em Fernandópolis ainda neste mês. Mateus ressalta que não se trata de “punição”, apenas uma alternativa para tirar os jovens da rua, onde ficam mais expostos a situações de risco, como envolvimento na criminalidade. “Isso não é um castigo, uma pena. Os responsáveis não são obrigados a acompanhar os alunos, mas fizemos isso para tirar os jovens da rua e diminuir a evasão escolar”, afirma o conselheiro.

Rotina pesada
Na segunda, 21,Neusa tinha assistido à aula com a sobrinha pela segunda vez. A determinação para que a camareira fosse à escola com a estudante chegou na quinta-feira anterior. Por ser camareira, Neusa trabalha à noite em um hotel em dias alternados. A rotina ficou mais pesada, mas ela diz não se importar e revela que algumas matérias até despertam seu interesse.

“Agora eu deixo o serviço em casa e sento ao lado dela na escola. Tem vezes que ela abaixa a cabeça e eu a chacoalho para não dormir”, diz, rindo. E completa: “Estudei muito pouco. Tem coisas que não entendo”. Neusa foi a segunda parente escolhida pelo Conselho Tutelar para cumprir a medida. O primeiro caso é o de uma mulher que acompanha a filha nas aulas em outra escola pública. O conselheiro tutelar não dá detalhes, mas deixa pistas de que a adolescente de 14 anos estava envolvida com drogas.

A direção da escola foi procurada para comentar sobre a medida, mas a diretora não pôde dar entrevista.

Constrangimento
Como o Conselho Tutelar é um órgão independente, não precisa se reportar ao Juizado da Infância e Juventude. No entanto, o juiz Evandro Pelarin diz ter apoiado a iniciativa de Mateus. “É uma medida que atende ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)”, explica ele, acrescentando que os jovens têm o direito à educação e, por isso, devem estar dentro da sala de aula. “Nós ratificamos e confirmamos a medida.”

De acordo com ele, aproximadamente 17 mil jovens abaixo dos 18 anos estão matriculados nas 38 escolas da cidade de 65 mil habitantes – dez são estaduais, 24 são municipais e quatro, particulares. Desde agosto deste ano já existe em Fernandópolis o “toque escolar”. Os estudantes que são pegos durante o horário de aula fora da escola são recolhidos e encaminhados à instituição de ensino.

Questionado se os alunos não ficam constrangidos com os responsáveis ao lado nas aulas, o juiz dispara: “Constrangimento é estar na rua, em situação de risco. É uma medida rígida, mas lá na frente o jovem vai entender”.

O conselheiro Alan Mateus, por sua vez, jura que não tem sofrido ameaças ou represálias. “Todo mundo me apoiou; os pais, os responsáveis.” E os estudantes? “Ah, eles estão na deles”, brinca.