Antonio Marcelo Batista Ferreira nasceu em Macedônia, o que o tornou conhecido como Marcelo da Macedônia. Depois de viver (a partir dos 19 anos) algum tempo em São Paulo, ele embarcou para a Europa, cheio de planos e sonhos. Durante seis anos, Marcelo galgou degraus em restaurantes de Londres, até se tornar um chefe de cozinha. Ele também é expert em hospitalidade e gerenciamento hoteleiro. De volta ao Brasil, Marcelo decidiu se fixar em Fernandópolis. Na próxima quarta-feira, 22, será inaugurado o Irashai, na Rua Espírito Santo um restaurante de cozinha oriental cuja proposta conceitual ele criou. Esta semana, Marcelo concedeu entrevista a CIDADÃO. Uma entrevista onde ele só se esqueceu de dar a receita do seu premiado espaguete com molho de amêndoas.
CIDADÃO: Por que você foi para a Europa, onde ficou seis anos?
MARCELO: Principalmente para aprender uma segunda língua eu precisava desenvolver uma especialização, mas para isso tinha que ser bilíngue. Como eu já tinha ido para a Espanha, onde depois de nove dias abandonei um curso por achar que não tinha domínio do Espanhol, resolvi estabelecer como prioridade aprender o Inglês, que é universal. Assim, fui para a Inglaterra fazer um curso. Tinha, é claro, que trabalhar para me manter. Todas as oportunidades de emprego que apareceram foram em restaurantes. Eu já tinha feito Hotelaria aqui no Brasil. No curso, havia uma cadeira chamada Alimentos & Bebidas era a matéria com a qual eu mais me identificava. Quando fiz faculdade, minha intenção era, no futuro, gerenciar um hotel que tivesse restaurante. Depois de passar, em Londres, pelo primeiro período de pequenos serviços lavar pratos, lavar banheiros em oito ou nove meses comecei a procurar só empregos em restaurantes, onde, passo a passo, fui chefe de salada, chefe de pasta, e assim por diante. Tive maior identificação com um restaurante chamado London Movida Club, que é um clube de ingleses onde há um restaurante assinado por grandes chefes. Comecei como ajudante de cozinha, picando produtos. Fui me identificando com a profissão, trabalhei dois anos e consegui juntar algum dinheiro. Aí, fiz o primeiro curso de culinária da Le Cordon Bleu. Eu tinha outro curso, de nível técnico, mas a melhor escola culinária do mundo é mesmo essa. Aí me convenci que queria mesmo ser chef de cuisine.
CIDADÃO: Se alguém perguntar qual é a sua profissão, o que você responde?
MARCELO: Sem dúvida, chefe de cozinha. O conceito de chefe é o de que é preciso entender de tudo o que envolve uma cozinha. Porém, o meu pé fora da cozinha, quanto aos serviços de hospitalidade, é muito forte. Não adianta dar um show lá na cozinha se o meu garçom não souber servir o prato.
CIDADÃO: Quer dizer que, do manobrista à despedida do porteiro, tudo num restaurante tem que funcionar em sintonia?
MARCELO: Exatamente. Para mim, é muito difícil trabalhar de uma forma diferente dessa. Nasci atrás de um balcão, sou acostumado a lidar com gente. Assim, eu só me vejo criando pratos no meu restaurante, que pretendo ter um dia. Fora isso, prefiro a idéia de gerenciar hotéis ou dar assessoria. As minhas criações, atualmente, eu as tenho feito na minha casa, para os meus amigos. Comecei a trabalhar em banco aos 19 anos, de gravatinha, saído de Macedônia direto para a Avenida Paulista. Todo esse processo, as experiências de vida que acumulei vêm à tona agora. Quero colocá-las em prática de uma forma de discreta, tranqüila. E não abro mão da minha qualidade de vida: fazer academia, natação...Quero cuidar da saúde da mesma forma que quero cuidar da minha profissão. Mas tenho que lembrar que estou no interior, onde o ritmo é diferente. Há uma gama imensa de fatores a serem levados em conta, se eu quiser ser empreendedor em Fernandópolis. Tenho que ser humilde, como de resto em tudo na vida.
CIDADÃO: Mas todos os seus projetos gravitam em torno da culinária, não é?
MARCELO: Exatamente.
CIDADÃO: Há um ditado acerca de certos restaurantes que é assim: É muito bom, mas não presta. A crítica especializada usa essa expressão quando qualifica restaurantes que considera sem alma. O que é a alma na culinária?
MARCELO: Vou dar um exemplo. Todos os fast food são sem alma. A comida de um chef tem que ser artesanal, prato por prato. Um buffet, por exemplo, também tem esse problema, porque é uma panelona onde todos vão se servir da mesma comida. Ora, uns gostam de comida mais salgada, outros não. Além do mais, há vários outros quesitos fundamentais, como atendimento, hospitalidade, apresentação do prato, que só podem acontecer no atendimento personalizado. Acredito que aqui em Fernandópolis ainda falta muito nesse sentido. Meu projeto é ter, no futuro, um bistrô, que possa ter atendimento artesanal e personalizado. Só que tenho que ter os pés no chão, para não montar algo muito caro, e assim por diante. Senão, posso ter que voltar para a Europa para lavar pratos (risos).
CIDADÃO: Na culinária internacional, qual é a sua preferência?
MARCELO: Mediterrânea. É bem fácil, parecida com a brasileira embora eu não seja favorável a essa nomenclatura. Não quero ter um restaurante francês, ou italiano, ou qualquer outra coisa. Quero ter um restaurante e ser um chefe de comida. Temos que adaptar a culinária ao Brasil, com os produtos que temos aqui. Não quero ser especialista em comida mediterrânea. Tenho que adequar o que aprendi ao que você está acostumado a comer, porque é uma questão cultural. Não sou a favor de se fazer um prato bonitinho, todo decorado, mas que não agrade ao paladar. Tem que agradar aos dois. O visual é importante, mas não é tudo.
CIDADÃO: Analise a seguinte situação: é um hábito arraigado na nossa região o churrasco, a picanha do final de semana. Como você trabalharia esse costume?
MARCELO: Na verdade, eu não costumo falar que vocês são viciados em picanha. Não creio que você, sendo mal servido num determinado local onde vai comer picanha todo final de semana, continue a ir lá. Por isso, é preciso pensar no todo. Como chefe, tenho que pensar em todos os detalhes. Dessa forma, seja com picanha ou carne moída, eu vou conquistá-lo como comensal. Minha proposta é que seja uma picanha boa e o resto também. Há um restaurante em Fernandópolis que tem uma comida que considero excelente, mas que carece de clima para que o cliente permaneça por lá mais tempo, curtindo o ambiente. É isso que pretendo implantar no Irashai serviço, qualidade, atendimento e clima. O ato de sair para jantar fora tem que ser visto como um programa, um passeio. Nem importa tanto se o prato será picanha ou outro embora, seja qual for, tem que ter qualidade. O mais importante é o sincronismo entre todo o serviço. Não adianta ter uma picanha boa se o guardanapo é de péssima qualidade, se o garçom não conhece o cardápio, a cadeira não é confortável...Isso, para mim, é o todo que compõe a moldura ideal do passeio. A gente não sai de casa só para comer: quer se sentir bem, num ambiente íntimo e agradável. Creio que é o que falta em Fernandópolis, especialmente para um público acima dos 30 anos de idade. Sei que não será simples implantar esse conceito, mas eu não desisto. Tenho feito experiências em jantares para casais, que provaram que há espaço para essa proposta. Fernandópolis comporta um projeto dessa natureza. Além do mais, quero ficar aqui. Poderia ser apenas um cozinheiro em São Paulo, ganhando muito bem. Mas preferi ficar aqui, onde o dono do Irashai me deu carta branca para implantar meu projeto.
CIDADÃO: Quando você falou do Irashai, falou em cozinha oriental, não cozinha japonesa. O que é, afinal, cozinha oriental?
MARCELO: É uma cozinha saudável, atualizada. Penso que será um espaço bem diferenciado. O Francisco, que é o proprietário, será um dos sushi-man, e eu serei também garçom, irei à mesa das pessoas para atendê-las. Procurarei mostrar que sou ainda um chefe de cozinha, um empresário da área de hospitalidade, e que tenho grandes projetos para Fernandópolis o que não impede que atenda as mesas com boa vontade, atenção e cortesia.
CIDADÃO: Se um cliente pedir catchup para pôr no sushi, qual será a sua reação?
MARCELO: Eu ofereceria os molhos orientais de que a casa dispõe. E só. Diria que não dispúnhamos do catchup.
CIDADÃO: Pega mal orientar o cliente quanto a molhos, vinhos?
MARCELO: Não, é até obrigação do restaurateur! Isso tem que ser feito, sim, mas de maneira alguma de forma arrogante. O que vai diferenciar tudo é o clima do local onde você está. Ele favorece esse entrosamento, essa liberdade de sugerir, orientar e indicar. Por outro lado, o cliente se sente com mais liberdade para perguntar o que quiser. Ora, um ambiente confortável, acolhedor, dá mais autoridade ao chef para fazer essa orientação quanto à escolha de pratos, molhos e bebidas.
CIDADÃO: Qual é a massa que você prefere? Afinal, todo mundo tem curiosidade de saber o que os chefs gostam de comer.
MARCELO: Costumo dizer que a gente come aquilo que a gente sempre gostou antes de ser chefe. Gosto, por exemplo, de arroz, produto difícil de encontrar na Europa, com exceção da Espanha. Mas, em relação às pastas, vou contar uma coisa: criei uma pasta ao molho de castanhas que casou muito bem com espaguete. Esse espaguete já me rendeu até prêmio. Usei o espaguete, talvez, por ser a massa que estava na minha memória de infância, a tal memória afetiva. Já vi muitos cortes de massa, mas o espaguete continua sendo uma bela pedida.
CIDADÃO: Da culinária brasileira, o que lhe apetece?
MARCELO: Sou filho de mãe mineira e pai baiano. A feijoada, eu tive que aprender a fazer na Europa, porque na cabeça deles, comida brasileira é feijoada. As outras referências são caipirinha, mulher e carnaval. Quanto à comida mineira, acho que o leitão à pururuca é muito tradicional e saboroso. Só que, aí, entra a questão cultural, do meu aprendizado no ramo. Assim, não vou abrir mão de uma entrada, de um vinho, uma boa sobremesa, um licor e o café. É isso, em síntese, que quero transmitir. A comida seja mineira ou baiana vai entrar só como prato principal. E não vou rotular a refeição, dizendo que foi à mineira ou à baiana. Isso não entra no meu conceitual. O grande lance da arte culinária é unir cor, tempo, olfato, formato, sabor foi isso que aprendi.