A face oculta do 7 de setembro

20 de Agosto de 2025

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A face oculta do 7 de setembro
Particularmente, sempre tive certo incômodo ao ver o deboche aos símbolos nacionais. Sou de uma geração que desfilava nas datas cívicas – no caso dos fernandopolenses, o 22 de Maio e o 7 de Setembro – e ficava emocionado ao ouvir o Hino Nacional Brasileiro. Com a aproximação da data da Independência, eu e a repórter Patrícia Seba conversamos sobre o assunto e ela sugeriu uma entrevista com sua ex-professora de História, Teresa Cristina Frange Miziara Mussi. Uma feliz escolha: na entrevista, a professora Teresa conseguiu explicar esse fenômeno. Trata-se de uma questão de perda de identidade do povo enquanto Nação, motivada pelo combate à ditadura militar. Nessa batalha, associaram-se os símbolos nacionais às dragonas dos responsáveis por 1964. Por via de consequência, aí está uma geração que nem sabe cantar o Hino, como argumentou a professora Teresa. Hoje aposentada, ela é casada com o médico cardiologista José Miguel Mussi, mãe de dois médicos (Rodrigo e Renato) e uma advogada (Cristiane). Formada em História pela Faculdade de Ciências e Letras Santo Tomás de Aquino, de Uberaba, ela lecionou no SESI, JAP, Coronel e Anglo, onde foi diretora. Tem cursos complementares de Pedagogia, Estudos Sociais e Educação Moral e Cívica. É aposentada pelo SESI e pela rede estadual de ensino. (Vic Renesto)


CIDADÃO: O que contextualiza o 7 de Setembro?
TERESA: Essa é uma data que marca o dia da Independência do Brasil, um processo que culminou com a emancipação política do nosso país, que até então pertencia ao reino de Portugal, até o início do século XIX. Oficialmente, o fato é comemorado no dia 7 de setembro, porque nessa data, em 1822, ocorreu o episódio do chamado "Grito do Ipiranga". De acordo com a história oficial, nesta data, às margens do riacho Ipiranga (atual cidade de São Paulo), o Príncipe Regente D. Pedro bradou perante a sua comitiva: Independência ou Morte!. Quando eu digo história oficial eu estou querendo deixar claro que determinados aspectos dessa versão são contestados por alguns historiadores. Uma visão mais moderna de nossa história nos remete o início do processo de independência à Transferência da corte portuguesa para o Brasil (1808-1821), no contexto da Guerra Peninsular, a partir de 1808.
CIDADÃO:Quais foram os antecedentes desse acontecimento?
TERESA: Os antecedentes, que conduziram à independência do Brasil, ocorreram com a eclosão da Revolução Liberal do Porto (24 de agosto de 1820), que impôs o regresso de D. João VI a seu país, visando a forçar o retorno do chamado Pacto Colonial. Pressionado pelo triunfo da revolução constitucionalista, o soberano retornou com a família real para Portugal, deixando como príncipe regente no Brasil o seu primogênito, D. Pedro de Alcântara.
CIDADÃO: Na época acontecia algum fato em Portugal que levou a esse acontecimento ou a atitude de D. Pedro foi intempestiva?
TERESA: Não foi uma atitude intempestiva, pois D. Pedro foi impelido pelas circunstâncias, e pronunciou a famosa frase "Independência ou Morte!", rompendo os laços de união política com Portugal. Pelo que eu falei acima, não se pode compreender o processo de independência sem pensar no projeto recolonizador das Cortes portuguesas, que significaria um retrocesso no processo de desenvolvimento da colônia e se tornou a verdadeira origem do posicionamento político dos diversos grupos no Brasil. Quando as Cortes determinavam a abolição da Regência e o imediato retorno de D. Pedro de Alcântara a Portugal, o partido brasileiro ficou alarmado com a perspectiva da recolonização e com a possibilidade de uma explosão revolucionária. A nova conjuntura favoreceu a polarização: de um lado o partido português e do outro, o partido brasileiro com os liberais radicais, que passaram a agir pela independência. Podemos então dizer que, sem dúvida, a Revolução Constitucionalista do Porto teve tamanha repercussão que culminou na nossa independência.
CIDADÃO:Compare as comemorações do 7 de setembro de antigamente e as comemorações de hoje em dia.
TERESA: Em tempos idos, a independência era comemorada de forma ostensiva, com fanfarras, desfiles de milhares de pessoas, civis e militares, e o importante era passar a todos, principalmente às crianças o conceito de disciplina e educação típicas dos militares. Infelizmente, hoje essa data só é lembrada pela grande maioria por ser um feriado nacional, onde todos nós podemos viajar para ver a família e visitar amigos. Por fim alguns lembram que tem a ver com o Brasil. Independência? Proclamação da República? Fim da escravidão?
CIDADÃO: A senhora acredita que hoje em dia é passado corretamente o verdadeiro sentido do feriado de 7 de setembro para os estudantes? Se caso a resposta for não, queira explicar seu ponto de vista e qual, em sua opinião, deveria ser a forma correta.
TERESA: Não, pois para falar a verdade esse desconhecimento que se ouve falar acerca de nossa independência, faz com que, passados quase 200 anos continuemos tão dependentes e tão conformados quanto naquela época. A solução para isso é a educação. Mas em nosso país a educação está sempre colocada em segundo plano. Fala-se tanto em educação, mas na realidade se faz tão pouco, que o profissional, por melhor que seja, sequer consegue nos fazer lembrar o que é comemorado no dia 7 de setembro. Se os valores estivessem colocados em uma escala correta, o cidadão estaria se preocupando e honrando seu País, e com certeza teríamos uma Nação mais consciente e menos alienada.
CIDADÃO: Na época da ditadura militar (1964/1985), os militares insistiam muito nessas manifestações de civismo. Isso provocou certa antipatia pelo 7 de setembro, virou uma coisa meio militar, os desfiles eram super organizados e sérios e hoje em dia essa data não mais é encarada assim. Por que a senhora acha que isso se perdeu?
TERESA: O exercício da cidadania e o sentimento cívico têm muito a ver com a participação na vida pública. Nas sociedades democráticas, esse sentimento é bem mais arraigado e os direitos e deveres são iguais para todos. Houve uma rejeição ao período militar, ao mesmo tempo em que se relegava os símbolos nacionais a um segundo plano. Isso empobreceu a imagem e a identidade nacional. Hoje em dia, são poucas as pessoas que participam das comemorações cívicas e sabem cantar o Hino Nacional Brasileiro. Os feriados nacionais perderam a ligação com o sentimento de orgulho nacional. Perdemos nossa memória cidadã, a memória que liga o passado ao presente de uma Nação. Isso compromete a criação de valores coletivos, de união, respeito, solidariedade. Sem estes valores a vida social e nacional, fica empobrecida e sem sentido. Concordo que era preciso romper com o militarismo, mas daí a romper também com o civismo não deu certo. Criamos uma geração de cidadãos alienados, que se envergonham de sua Nação e não se cansam de fazer gozações até com o seu representante máximo no governo, que é o presidente. Acho isto abominável. Nós cidadãos perdemos muito mais que o respeito: perdemos a oportunidade de fazer um novo país, onde o resgate às nossas tradições está acima de qualquer outro pensamento. É esse sentimento de amor à Pátria que precisa ser resgatado, pois só amando nossa Nação conseguiremos fazer de nosso país um lugar melhor de se viver.