Graduado em Direito pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito Público, pós-graduado em Direito Ambiental pela Universidade de Brasília e com curso de extensão em Gestão de Recursos de Defesa pela Escola Superior de Guerra, Thiago Lacerda Nobre, procurador da república em Jales, tem apenas 30 anos, mas acumula outras vitórias pessoais. Além de procurador da república, ele foi aprovado em diversos concursos públicos como: delegado da Polícia Federal, advogado da União na AGU, advogado da Caixa Econômica Federal, analista do MPU e técnico da Justiça Federal. Apesar do rico currículo, não age com salto alto, abrindo o gabinete para todos que o procuram, tratando os profissionais de mídia com atenção e respeito. Ele foi ouvido sobre o tema recorrente da região: os ranchos. Eis a síntese da entrevista concedida ao editor do Jornal de Jales, Deonel Rosa Junior:
J.J. - Quantas ações ambientais o senhor já propôs desde que assumiu o Ministério Público Federal em Jales?
Dr. Thiago - O Ministério Público Federal em Jales já propôs 709 Ações Civis Públicas Ambientais. As ações já possuem liminar por parte do Poder Judiciário Federal que impedem novas ocupações naquelas áreas e maiores destruições nos casos mais extremos. Fizemos também cerca de 15 acordos extrajudiciais com alguns proprietários.
Nas ações, além dos proprietários, também foram acionadas as empresas de energia e os municípios onde estão localizados os ranchos. Também foram chamados para os processos o Ibama e a União Federal. Nas ações são pedidas medidas corretivas das irregularidades e, caso estas não venham a ser corrigidas, as propriedades poderão ser demolidas.Em breve, os réus das ações deverão começar a ser comunicados pela Justiça Federal.
J.J. - Existe alguma solução intermediária que possa contemplar a lei e os interesses de proprietários de ranchos e da população que vive do turismo?
Dr. Thiago - A importância dos ranchos para a região é inegável. Desde o início tentamos buscar soluções que possam, ao mesmo tempo, garantir a preservação do meio ambiente e o interesse turístico/econômico proporcionado pelas construções.
Buscamos encontrar um meio termo para permitir ocupações, desde que não afetem o meio ambiente, entretanto, diante dos inúmeros abusos, falta de controle eficaz das construções e omissão por parte do poder público, a situação está bastante complicada e o meio ambiente, bastante degradado.
J.J. - Alguns juízes, em sentenças desfavoráveis à Cesp e órgãos de controle ambiental, têm argumentado que, ao contrário de degradar o ambiente, os rancheiros, na verdade, fizeram preservação. O senhor concorda?
Dr. Thiago - Essa é outra questão complexa. Sabemos que boa parte das margens dos reservatórios artificiais, antes das ocupações, estavam tomadas por capim e os novos proprietários, além de construções, acabaram até plantando novas árvores, algumas frutíferas, por exemplo. Entretanto, a plantação de vegetação diferente daquelas nativas, segundo alguns especialistas, pode trazer graves danos e desequilíbrio para a região. É importante que a situação seja monitorada de perto pelos órgãos ambientais, até mesmo como meio de levar orientação aos rancheiros. Às vezes acontece que, mesmo com boa intenção, buscando plantar novas espécies nas áreas, os proprietários podem estar colocando o ecossistema em risco e isso deve ser pensado por todos.
J.J. - Em relação à sua área de atuação, a situação está sob controle em termos de degradação?
Dr. Thiago - Diante das centenas de casos de ranchos, bem como de outras situações tratadas pelo MPF em Jales, posso afirmar que a situação não está sob controle. Aliás, o descontrole ambiental na região é imenso, perigoso e assustador!
Os danos ambientais crescem a cada dia e a população deve refletir sobre o seu papel em preservar o meio ambiente sob pena de perder esse patrimônio tão rico e bonito que temos. Posso lembrar que há cerca de 60 anos o Rio Tietê, em seu trecho da capital, era limpo e abrigava até provas de natação. Hoje ele é o que todos conhecemos graças à ação humana. Aliás, questiono ao leitor que frequenta ranchos e praias de água doce se a situação ali encontrada é a mesma de 5 anos atrás, por exemplo? Os peixes, qualidade da água, sujeira e tudo mais. A situação não está pior? Imaginem daqui a 10 anos...
J.J. - Quais os problemas já detectados?
Dr. Thiago - Como mencionamos, os problemas são graves e muitos. Dentre eles, alguns merecem especial atenção. A região sofre com diversos ranchos que depositam esgoto nos reservatórios, plantações de cana e ocupação de gado às margens dos rios, desmatamento descontrolado da pouca vegetação nativa que resta, etc. Também temos pragas que recentemente vem atacando a região e causando graves problemas para o turismo, tais como o Alecrim, o Mexilhão-Dourado e as Arraias. Temos indicações que estas pragas acabam também tendo relação com o desequilíbrio provocado pela ocupação desenfreada das margens. O alecrim, por exemplo, impede o uso de prainhas, enrosca em motor de barco, impede que as pessoas nadem. Os mexilhões se apropriam da alimentação de alguns peixes, entopem as turbinas das hidrelétricas e, segundo notícias mais recentes, já entopem até canos de água da Sabesp. Por último, as arraias, são muito venenosas e podem causar diversas doenças para as pessoas que tenham contato com elas. Sabemos que já existe uma população grande de arraias na região.
Além de tudo isso, devemos alertar que boa parte das nascentes, responsáveis por garantir a água dos reservatórios, estão localizadas nas margens e podem secar caso ocorra desmatamento ou pisoteamento por gado, por exemplo. Em suma, a situação é bastante grave, merece que as pessoas reflitam, e está sendo monitorada pelo MPF de Jales, que já possui procedimentos específicos que tratam destas questões.
J.J. - O senhor acredita em mudanças na legislação?
Dr. Thiago - Eu acredito que a legislação, como um todo, deve sempre ser aperfeiçoada. Depois de muito estudar a questão tenho convicção que a legislação ambiental, em particular, precisa de alterações para se adequar à realidade de diversos municípios de nosso país. Acredito que cada situação deve ser tratada da forma mais individual possível, respeitadas as realidades locais. Será que a realidade de um município do sudeste e um da região norte é a mesma? Acredito que não, até mesmo em razão do diferente clima, vegetação, costumes...Tenho trabalhado para, no âmbito do MPF e do que nos é possível, rever as normas e propor eventuais alterações.
Entretanto, acredito que projetos de lei que venham, simplesmente, reduzir as áreas de preservação, como aqueles que alteram o código florestal, ao invés de ajudar, virão por acabar de vez com o pouco que resta de flora e fauna nativa, causando danos imensos e prejudicando, por tabela, toda a população. A idéia de reduzir as áreas e legitimar ranchos que hoje são ilegais pode parecer sedutora nos dias de hoje, mas certamente, irão legalizar muitos daqueles empreendimentos que poluem a água, secam os rios, acabam com os alimentos dos peixes e, certamente, em poucos anos, poderão comprometer o lazer e o turismo na região.