No último 17 de julho, Ezequiel Henrique Santos assumiu oficialmente o posto de pastor da Igreja Batista em Fernandópolis. Ele tem 44 anos, é casado com Andréia e pai de três filhos: Rebeca, de 16, Maressa, de 13, e Calebe, 6 anos. Ezequiel assume a igreja depois de um período de transição, que começou com a saída do antigo pastor. Nascido na Vila Carrão, um bairro pobre da zona leste de São Paulo, ele passou a vida toda na capital. A nova experiência não o assusta: Já tenho pessoas para cuidar e para ouvir. É isso que me importa.
CIDADÃO: Como se deu a sua iniciação na Igreja Batista?
EZEQUIEL: Minha iniciação foi a mais indicada possível. Quando nasci, em 1966, minha mãe já era membro da Igreja Batista de Vila Dalila. Cresci na igreja. Meu pai também passou a freqüentar a igreja, e dei meus primeiros passos dentro da igreja, brinquei com meus irmãos sob os bancos. Fomos criados no Evangelho uma família de nordestinos de Sergipe. Sou o mais velho de cinco filhos. A nossa educação se deu na Igreja Batista, com todos os critérios e os rigores pertinentes. Hoje, o Evangelho é visto de maneira mais branda. Antigamente, por volta da década de 70, havia uma distinção muito mais evidente, a gente era apontada na rua. Isso só me fortaleceu a fé.
CIDADÃO: Essa experiência de viver num bairro pobre da capital, com todas as suas mazelas, representou o quê na sua formação pessoal?
EZEQUIEL: Eu e minha família sempre nos sustentamos na fé. Eram bairros remotos, ainda muito distantes da cidade. Os bairros mais urbanizados da área eram Tatuapé, Itaquera. Eram assentamentos novos, sem estrutura de saneamento básico, energia elétrica. Havia muito mato, que dava guarida aos fugitivos da polícia. Cresci brincando na Fazenda da Juta, um lugar onde frequentemente eram encontrados corpos. A violência já existia nesse tempo.
CIDADÃO: Qual é o procedimento para que um fiel chegue a pastor da Igreja Batista?
EZEQUIEL: Se formos falar a realidade como cremos, esse é um chamamento de Deus. Ser pastor não se trata de uma carreira profissional, muito embora hoje essa atividade já tenha reconhecimento. É uma missão pessoal, onde a pessoa se entende como chamada por Deus ela teve experiências no seu campo de fé que lhe deram a devida certeza. Tenho a convicção de que posso realizar essa missão, mas diria que, ao longo da minha trajetória, aprendi a congregar, que significa estar presente. Você se torna responsável e, como disse o filósofo, você se torna responsável por aquilo que cativa. Então, à medida que há carisma, a convivência, o relacionamento, essa responsabilidade se torna mais nítida no comportamento de alguns.Às vezes, nem é o privilégio do conhecimento acadêmico. Aos oito anos, ingressei num programa da Igreja Batista chamado Embaixadores do Rei. Até os 16 anos, essas crianças passam por um sistema de educação seqüencial, conforme evolui nas suas atividades. É o crescimento espiritual dentro da igreja. Os ensinamentos de cunho bíblico preparam o jovem para interagir com a sociedade conceitos de generosidade, de hombridade, de honestidade, enfim de responsabilidade social. Tivemos uma educação um pouquinho mais rígida, com limites mais sólidos, e disciplina. No meu tempo, havia matérias como Estudos Sociais, Organização Social e Política do Brasil, que, apesar de fazerem parte de uma estratégia política do governo militar, produziam efeitos positivos. Lembro de uma professora que levava recortes do Estadão e da Folha de São Paulo, e nós discutíamos o assunto em classe. A politização do indivíduo, na década de 80, foi mais efetivamente benéfica. Hoje, vejo uma certa alienação. Cheguei ao pastorado porque galguei esses degraus dentro da igreja, mas também porque fui entendendo a minha responsabilidade particular. Assim, você vai buscar os seus meios de exercer seu papel social. Encontrei na fé os meus recursos, os meus instrumentos para cumprir minha missão. Todo homem tem mais do que emoção, afinidade e sociabilidade: ele é um ser espiritual. Cremos no corpo, na alma e no espírito, enfim, na integralidade do ser. Não quero entrar no mérito do dilema criacionismo versus evolucionismo, mas o que nós cremos é que o homem tem necessidade de ter alimento para o seu espírito, assim como seu corpo precisa da comida e da bebida; e sua alma se nutre dos afetos, dos relacionamentos, do amor, da simpatia. O espírito do homem se nutre de algo maior, que mostra a sua origem e até o seu destino. Hoje, quando leio os Dez Mandamentos embora sejam afirmações do Antigo Testamento, e ideologicamente acreditemos que o Novo Testamento é mais eficiente e contextualizado entendo que, embora seja mais analógico, figurativo, o Antigo Testamento nos traz respaldos que aprovam o Novo Testamento.
CIDADÃO: No fundo, somos nós mesmos que forjamos a nossa fé, estribada em experiências pessoais, é isso?
EZEQUIEL: Exatamente. Não posso dizer que você não conhece Deus. Eu sou um pastor, e meus caminhos não serão necessariamente iguais aos seus. Entendemos que não é uma questão de afinidade. Jesus disse: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Desde que nós estejamos nesse caminho, é como uma rodovia: uns vão de Tucson, outros vão de moto, outros vão de fusca; cada um tem a sua experiência, mas o caminho é o mesmo. Se você diz que vai para Santa Fé do Sul, e segue em direção a Votuporanga, não dá, porque as direções são diferentes.
CIDADÃO: Antigamente, havia rejeição em relação ao chamado culto ecumênico, hoje bem mais aceito. Qual é a sua posição em relação a esse culto?
EZEQUIEL: Minha posição é cuidadosa. Não se trata de radicalismo, mas não se pode perder a essência. Estou disposto a sentar e a comungar com todos aqueles que professam a fé em Jesus e entendem que o caminho é Ele, mas não estou disposto a abrir mão da particularidade da minha fé. Se eu creio que a minha experiência com Deus foge à minha fé, e abro precedentes para a sua experiência, isso pode criar lacunas na minha convicção. Quando falo ser cuidadoso, quero dizer exatamente isso. A gente sempre tem que conviver com quem tem diferenças ideológicas. Numa turma de formatura, por exemplo, evidentemente isso acontece; então, vamos estar juntos. O ecumenismo, enquanto ajuntamento solene, é bem intencionado. Mas, como minimizador de diferenças, ele não responde à grande pergunta do ser em relação à sua fé.
CIDADÃO: Vivendo a sua primeira experiência de viver fora da capital, qual é a expectativa que se cria?
EZEQUIEL: São 44 anos de vida em São Paulo. O que pesou bastante além dessa responsabilidade diante do próximo, da necessidade de que a Igreja Batista de Fernandópolis tivesse um pastor foi a perspectiva de trazer, de alguma forma, qualidade de vida para a minha família. Sou um pai de família, tenho esposa e três filhos. Um pai de família para pra pensar nessas coisas. Alguns fatos mudaram a minha ótica. O primeiro aconteceu em setembro de 2007, quando perdi meu pai. Ele morreu a caminho do hospital, de insuficiência respiratória. Tinha 83 anos. Como filho mais velho, a perda do pai deixou a questão da família em minhas mãos. Embora meus irmãos e irmã sejam casados, aflorou a questão da responsabilidade do patriarca passar para mim. Essa herança natural me fez refletir a vida de uma forma mais pragmática. Cerca de dois anos depois da perda do meu pai, perdi uma sobrinha de um ano e meio. Ela caiu na piscina de uma chácara em Marília e, embora tenha sido socorrida, faleceu. Quando você perde um ente querido de 83 anos, até está preparado. Todo filho espera um dia enterrar os seus pais. Eu, diante do caixão do meu pai, disse que me sentia feliz, porque aquela era a ordem natural das coisas. Dei a ele o gosto de não ter que me enterrar, não fui um filho que procurou a morte prematuramente. Por outro lado, quando enterrei minha sobrinha, morta numa tragédia, isso me fez pensar nos filhos que tenho e quanto tempo eu vou tê-los. Queria dar para eles da melhor forma e num tempo muito rápido, aquilo que eu posso dar. Isso me fez perder as raízes em São Paulo e me dispor a fazer o que fosse necessário para dar à minha família não só segurança e estabilidade como também as condições de ensino que Fernandópolis oferece: uma probabilidade de educação acima da média. A desigualdade social de uma metrópole como São Paulo se reflete até nisso: na possibilidade de acesso a boas escolas.
CIDADÃO: E qual foi a sensação do pastor com o seu rebanho, ao chegar à cidade?
EZEQUIEL: A Igreja ficou mais de um ano e meio sem pastor. Dá para se sentir contemplado, ao saber que outros poderiam ocupar esse cargo de forma competente. Ser pastor da 1ª Igreja Batista em Fernandópolis não é um cargo, é uma verdadeira incumbência de honra. Eu me sinto honrado. Trata-se de uma igreja que tenta manter estrutura para que se possa fazer um bom trabalho. Há gente disposta a trabalhar, voluntários, contratados, é uma igreja que gosta do trabalho. A empatia foi imediata. Foi como se eu entrasse no orfanato e percebesse que ali havia crianças maravilhosas sem pai. Eu falei: Eu quero cuidar de vocês. O pastor tem essa paternidade, diante das suas ovelhas.