No dia 15 de julho, comemora-se o Dia do Homem no Brasil. Um dos principais objetivos da data, dizem, é melhorar a saúde masculina. Diferentemente das mulheres, que se preocupam com a saúde e sempre procuram o médico, os homens não costumam frequentar os consultórios e uma das principais barreiras é cultural, relacionada com o conceito de masculinidade vigente em nossa sociedade.
Um dos maiores tabus relacionados à saúde masculina é a prevenção do câncer de próstata que, de acordo com o Inca (Instituto Nacional de Câncer), é o segundo tipo de câncer mais comum entre os homens. A pesquisa Saúde masculina: o homem e o câncer de próstata encomendada ao Datafolha pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) revelou que apenas 18% dos homens entrevistados fizeram o exame para detectar o câncer de próstata por prevenção e 66% respondeu que a esposa, a companheira ou a namorada, é a pessoa que mais influencia na procura por um médico para prevenir e tratar a doença.
O que leva o homem a agir de forma irresponsável com o próprio organismo ele que, com certeza, não age assim em relação à saúde dos filhos ou da esposa? Para responder isso, CIDADÃO conversou com a professora Julia Francisca Gomes Simões Moita. Graduada em Ciências Sociais pela UFSCar, onde concluiu Mestrado em Sociologia Política, a fernandopolense Julia, que leciona Sociologia, Antropologia e Ciência Política na FEF, não se fez de rogada e analisou várias questões que permeiam as relações dos homens e mulheres.
CIDADÃO: Muita gente não sabe, mas o Brasil comemora em 15 de julho o Dia do Homem. Você, particularmente, como vê essas datas comemorativas?
JULIA: Gosto muito do Dia Internacional da Mulher, considero uma data importante, principalmente porque coloca na agenda as questões relativas aos interesses femininos saúde, direitos, questões como violência doméstica, tudo isso ganha destaque, e é o gancho para a imprensa em geral discutir essas questões. As mulheres ainda precisam disso, porque se mantêm numa situação de minoria raramente ocupam cargos de chefia, nos cargos políticos nosso índice de participação é um dos mais baixos da América Latina então precisamos desse espaço de debate, ainda que criado através da data comemorativa. Nessas ocasiões, os parlamentares votam projetos de interesse da mulher, o governo anuncia alguma coisa em seu benefício. Então, vejo, como uma data instrumental, para garantir espaço na mídia e obrigar os governantes a se posicionarem. Já o Dia do Homem me parece um pouco ridículo desse ponto de vista. É uma redundância, já que todo dia é dia do homem, nas atuais circunstâncias. O macho adulto branco tem o comando, tem o domínio científico e político para fazer a sua agenda. Soa quase como um deboche. Apesar da revolução feminista, a mulher ainda é a subordinada da relação. Não consigo imaginar um único uso para o Dia Internacional do Homem que não seja banal.
CIDADÃO: Por que o homem é descuidado com a própria saúde? É uma manifestação de machismo?
JULIA: Acho que sim, o homem não se cuida justamente para demonstrar virilidade. A gente percebe o que sexo masculino é obrigado a mostrar virilidade, e no espaço doméstico esse fenômeno se exacerba. Talvez porque, no trabalho, ele volta e meia tem que se submeter às pressões do chefe. No espaço doméstico ele quer ser o rei, a pessoa que tem o controle de tudo. E toda vez que fica doente, é como se fosse um atentado à sua virilidade: Eu não fico doente, eu não preciso de médico, não me coloco na mão de outro. Esse papel é ridículo, claro, e causa problemas para a sua saúde. Ele só permite ser cuidado pela mulher. Volta e meia a gente observa sua atitude com os filhos, por exemplo, que mostram esse machismo social: Isso é só gripe, deixa pra lá, para de frescura. Na verdade, o homem sofre demais com essa herança patriarcal, porque ele é obrigado a manter essa postura, não pode se mostrar frágil, sensível. Talvez por isso, ele morra mais cedo do que a mulher.
CIDADÃO: Nas últimas décadas, muito se tem falado sobre a emancipação da mulher, suas conquistas e ascensão no mercado de trabalho? E o homem, como fica nessa história?
JULIA: Não existe mulher sem homem e não existe homem sem mulher. Um sem o outro não faz sentido. Então, quando a mulher se reinventa, o homem deveria automaticamente se reinventar também. Ora, a mulher começou a fazer isso a partir da década de 60, e muitos homens não conseguem fazer isso; então, eles vão assistindo a mulher mudando seu papel dentro de casa, da família, do trabalho, sem saber o que fazer justamente porque aquele papel era deles. Aí, eles não sabem onde e como se colocar. Por isso é que atualmente se diz que a crise atual da masculinidade é principalmente de não conseguir entender seu papel no mundo de hoje. O homem ficou mais livre e, via de regra, não consegue aproveitar essa liberdade! Hoje, o homem fica tentando demonstrar sua virilidade em coisas minúsculas, como o futebol society fechado para os homens; na luta livre, etc. Talvez o homem não tenha percebido as imensas opções que estão à sua frente a chance de curtir mais a casa, ter mais contato com os filhos, poder participar da reunião de pais e mestres já que as obrigações são divididas com a mulher. Ele acaba achando que essas coisas estão aquém da sua capacidade. Claro, há os homens que aproveitam essa situação e vivem super bem, muito mais felizes num casamento igualitário. A tendência não é cada um ocupar um lugar; é todos os ocuparem os espaços que desejam. Tem mulher que adora ser dona de casa e tem mulher que detesta assim como há homens que gostam de cozinhar, de cuidar do jardim.
CIDADÃO: Você tem um belo campo de observação que são seus alunos. Quem é mais conservador atualmente? O homem ou a mulher?
JULIA: Eu acho que as mulheres ainda são mais conservadoras, para assuntos domésticos. A criação delas ainda é mais rígida, sendo-lhes cobrada a assunção dos papéis mais tradicionais. Também em relação à sexualidade isso acontece, já que os meninos são mais liberados nesse campo. Entre os alunos, noto que eles estão hoje muito abertos às questões que são colocadas. Hoje, é muito difícil encontrar homofobia em sala de aula, e racismo é uma coisa que está superada nessa geração. Esse discurso contemporâneo, difícil de ser assimilado pelos mais velhos, nos jovens já está totalmente incorporado. A ideia deles de casamento é de parceria, não de subordinação. As meninas também, mas elas ainda fazem um pouco a princesa que quer ser paparicada, e ainda julgam muito o comportamento alheio. O olhar delas é mais pesado do que o do homem. Acho que os meninos são mais liberais e estão mais preparados para viver uma relação a dois. Na verdade, elas também estão preparadas. Já se colhem os frutos da revolução comportamental dos anos 60. Teve também um backlash, a reação conservadora, que veio justamente por causa da década de 60, só que em número muito inferior. As lutas todas de libertação estão mais do que institucionalizadas. Imagine uma parada gay 30 anos atrás! Hoje, ela põe nas ruas 2 milhões de pessoas, há espaço na mídia para debater o assunto. As revoluções comportamentais continuam em curso. O que a década de 60 trouxe é muito importante do ponto de vista do indivíduo, porque trouxe a possibilidade dele se desamarrar das tradições.
CIDADÃO: Muito se fala sobre uma tendência atual das mulheres buscarem o homem objeto aquele garotão bonito, sarado que elas buscam para desfilar, transar e não ter compromisso. É um contraponto à mulher objeto de antigamente, uma vingançazinha?
JULIA: É um contraponto, sim. Mas muitas pessoas querem viver sua sexualidade sem qualquer tipo de compromisso. Hoje se tornou uma possibilidade a perspectiva de viver uma sexual sem compromisso, sem que isso envolva qualquer aspecto mercantil. Do leque de opções que ficou da revolução comportamental, essa é uma das principais: você pode casar, morar junto, viver em casas separadas, namorar mais de uma pessoa. Essa possibilidade de ficar com alguém unicamente pelo sexo foi conquistada pelas mulheres. Os homens já viviam isso com certa freqüência, e às mulheres não era permitida essa possibilidade. Não vejo como uma vingança apenas como uma possibilidade que se abriu. Liberdade é isso: é poder escolher, entre as opções que se apresentam na vida, aquela que mais agrada ao indivíduo.