A cirurgiã-dentista fernandopolense Luciana Estevam Simonato de Oliveira, mestra e especialista em Estomatologia, desenvolve importante trabalho junto aos pacientes da Associação de Voluntários no Combate ao Câncer, a AVCC. Ela trata de lesões bucais e orienta os pacientes quanto aos procedimentos para minimizar os efeitos colaterais e as mazelas do tratamento da doença. Formada pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba UNESP em 2004, onde também cursou o mestrado, essa moça de apenas 27 anos, filha de Luiz Sansão Simonato e Neusa Estevam Simonato e casada com Rodrigo Borges de Oliveira demonstra ao mesmo tempo competência, disposição e amor à profissão. Com serenidade, ela cobra das autoridades do setor da Saúde mais investimentos no campo preventivo. É muito mais fácil e racional prevenir do que curar, justifica. Luciana é dessas pessoas que nasceram para fazer o que fazem.
CIDADÃO: Por que você escolheu essa especialidade da Odontologia, a Estomatologia?
LUCIANA: Desde que iniciei o curso de graduação, interessei-me pela área de diagnóstico. Na verdade, não precisaria, necessariamente, trabalhar no consultório odontológico; poderia fazer trabalho de prevenção, que é a minha área de atuação. Escolhi Estomatologia para poder aplicar, dentro da especialidade, os planos de prevenção.
CIDADÃO: Durante o curso de graduação, você teve oportunidade de ter bastante contato com casos de câncer bucal?
LUCIANA: Sim. O primeiro contato que o aluno tem com a Estomatologia ocorre no segundo ano, especificamente no terceiro semestre do curso de Odontologia. Ao mesmo tempo, iniciei o estágio no COB Centro de Oncologia Bucal da UNESP. Fiz o estágio e a disciplina ao mesmo tempo. Foi aí que tive um contato maior com o câncer de boca. Na Estomatologia, não se atende apenas casos de câncer bucal: atendem-se lesões em boca, afecções que podem ser benignas ou malignas. Mas aí, entrei no estágio do COB e tive mais contato com o câncer de boca. Aí não parei mais. Passou a ser o meu foco de atenção.
CIDADÃO: Esse nome Estomatologia não cria uma confusão entre os leigos?
LUCIANA: Cria, sim. Muita gente pensa que é uma especialidade relacionada ao estômago. É que estomato, em grego, significa boca. Estomatologia é o estudo da boca, mais especificamente dos tecidos moles da boca. Na biologia vegetal, estomato é uma boca por onde se dá a germinação das plantas.
CIDADÃO: Existe algum método de auto-diagnóstico do câncer bucal?
LUCIANA: Sim, é o que chamamos de auto-exame. O paciente deve ficar na frente do espelho, e se usar prótese removível, ou aparelho ortodôntico removível, deverá tirá-lo. Aí, ele fará uma observação na própria boca lábios, bochechas, língua, garganta, céu da boca. Se ele desenvolver o hábito de fazer isso rotineiramente, poderá detectar qualquer alteração precocemente, o que é fundamental. Aí, deverá procurar auxílio, seja do médico, seja do cirurgião-dentista.
CIDADÃO: E métodos preventivos?
LUCIANA: Existem fatores predisponentes, que a gente pode inibir. O uso de bebida alcoólica, o fumo qualquer tipo de tabaco. No caso do câncer de lábio, o fator predisponente é a radiação solar. Quem vai trabalhar na lavoura, por exemplo, deve usar protetor, chapéu de aba larga enfim, usar métodos preventivos. Quanto à falada prótese mal colocada, há uma controvérsia na Odontologia. Alguns autores dizem que efetivamente ela pode ser fator de predisposição do câncer de boca. Outros entendem que isso não acontece. O fato é que, quando há alguma ferida, alguma área aberta na boca, fica mais fácil para qualquer agente carcinogênico atuar e causar mutação celular; o que não se pode afirmar é que, em todos os casos, isso ocorrerá. É interessante orientar a população para sempre procurar auxílio profissional quando houver qualquer suspeita nesse sentido, ou seja, de alterações na boca.
CIDADÃO: Por que a incidência de câncer no país tem crescido tanto, conforme demonstram as estatísticas?
LUCIANA: Em primeiro lugar, porque estão acontecendo mais diagnósticos. Graças a Deus, houve um aumento de ação da área da saúde para permitir que mais diagnósticos sejam feitos. Na realidade, antes também havia muitos casos, mas não eram diagnosticados. Outro fator é a alteração climática. A incidência de câncer labial hoje é maior. Também o uso de álcool e tabaco, especialmente pelos jovens, é um problema grave. As estatísticas do Inca (Instituto Nacional do Câncer) mostram que há dez anos eram majoritariamente os homens que tinham câncer de boca. Hoje, essa estatística está parelha, porque os casos em mulheres aumentaram muito, devido aos hábitos de beber e fumar terem sido disseminados no meio feminino. O câncer de boca está mais freqüente em pacientes jovens, e tanto a literatura médica nacional quanto a internacional tem hoje como foco de estudos do câncer de boca os pacientes jovens. A incidência é muito maior, e o mais preocupante é que muitos desses pacientes jovens não têm nem o hábito de fumar, nem o de beber. Os pesquisadores estão estudando geneticamente a questão. A biologia molecular fez a pesquisa evoluir muito. Já ficou provado que o paciente jovem com câncer de boca tem um número muito maior de mutações genéticas.
CIDADÃO: Quando o paciente inicia o tratamento, ele tem reações adversas à radioterapia, à quimioterapia. Existe alguma coisa que pode ser feita para minimizar esses efeitos?
LUCIANA: Tem, sim. Um dos nossos papéis aqui na AVCC é exatamente esse. O primeiro, claro, é a prevenção do câncer de boca, fazendo rotineiramente os exames. Outro é atender os pacientes da região, que nos são encaminhados porque o cirurgião dentista diagnosticou lesão de boca. O terceiro foco é o acompanhamento dos pacientes que fazem quimioterapia. Aqui, não fazemos radioterapia, mas todos os pacientes que fazem quimioterapia e radioterapia precisam de acompanhamento odontológico, porque durante o tratamento ele apresentará xerostomia, que é uma sensação de secura na boca. Esse paciente tem predisposição de desenvolver cáries e periodontite. Fazemos tratamento e orientação, como aumentar a ingestão de líquidos, a realização de bochechos com bicarbonato de sódio para deixar o pH da boca básico e diminuir a possibilidade de uma mucosite, efeito colateral muito comum quando se faz quimioterapia. Na próxima semana, irei para o Hospital AC Camargo, em São Paulo, onde estou terminando um curso de atualização em câncer de boca. Meu objetivo, com isso, é implantar aqui na AVCC o protocolo de laserterapia. É muito mais eficaz que o tratamento convencional.
CIDADÃO: Em sua opinião o que representa a AVCC para Fernandópolis e região?
LUCIANA: Fica até difícil falar, porque a gente luta ao lado da associação há tanto tempo. Estou aqui há três anos e meio, ou seja, desde que voltei para Fernandópolis. A AVCC é muito importante. Quando vemos que um paciente da cidade afinal, um conterrâneo nosso, muitas vezes nosso amigo ou parente não precisa viajar tantos quilômetros para se tratar, a gente sente essa importância. Afinal, a doença em si já o desgasta psicologicamente, emocionalmente, fisicamente. Esse conforto, essa facilidade essa proximidade, enfim, dos recursos para o tratamento, feito com carinho e por rostos conhecidos são fundamentais para que ele se fortaleça e lute contra a moléstia. Fernandópolis e região precisam conhecer melhor esta entidade chamada AVCC.
CIDADÃO: E a ação governamental tem sido eficaz, do ponto de vista estratégico da Saúde, ou há erros essenciais?
LUCIANA: O que a gente preconiza é que faltam investimentos na prevenção. A partir do momento em que o governo aumentar as verbas destinadas à prevenção, teremos no futuro uma diminuição dos gastos, porque da forma como as coisas estão, o tratamento do câncer é muito oneroso, muito caro para o Estado. Se houvesse política preventiva, permitindo o tratamento no estágio inicial da doença, diminuirão os gastos e ofereceremos uma qualidade de vida muito melhor para os nossos pacientes.