Se havia alguém com vários motivos para comemorar os 60 anos da Escola Estadual Líbero de Almeida Silvares era a diretora Maria de Lourdes Avanzo. Há seis anos no comando da escola, Dona Lourdes concluiu importante reforma no prédio e na quadra coberta de esportes. Durante a cerimônia de quinta-feira, 10 quando o deputado federal Julio Semeghini, ex-aluno e ex-presidente do Centro Cívico, foi homenageado pela escola a educadora sentiu que está no caminho certo. Natural de Tanabi, Dona Lourdes morou em Votuporanga e depois em Fernandópolis, onde está há 38 anos. Estudou Letras e depois Pedagogia Administrativa, e há 21 anos dirige escolas. Há 40 anos, isso parecia impossível para uma jovem que teve que assumir o controle da própria casa, quando a mãe morreu no parto da filha caçula. Dona Lourdes foi estudar tardiamente, e mesmo assim galgou muitos degraus no Magistério. Nesta entrevista, ela fala da alegria que os antigos alunos sentem ao visitar a EELAS, e garante: o ditado A escola é o segundo lar não é frase feita.
CIDADÃO: A EELAS fez 60 anos. O que representa isso para Fernandópolis?
LOURDES: Sem dúvida, é um acontecimento importantíssimo, visto que esta escola é um referencial na sociedade de Fernandópolis. A grande maioria dessa sociedade passou pelos bancos escolares da EELAS, que foi uma das primeiras escolas a abrigar o ensino médio e o fundamental da época. Quase todos que vêm aqui dizem o seguinte: Fui aluno desta escola!. Creio, então, que a EELAS tem um papel fundamental, porque ninguém se esquece da sua escola. Isso também acontece lá fora. Quando vou a um consultório, a uma loja, e digo que trabalho na EELAS, as pessoas de imediato dizem: É a escola onde estudei, como vai ela? Tenho saudades daquele tempo. Graças a Deus, sempre recebemos muitas visitas, de pais de alunos, de ex-alunos, que pedem para percorrer os corredores, os pátios. Isso nos deixa muito felizes.
CIDADÃO: Que fascínio é esse que a escola tem, que quando um ex-aluno a visita, sente vontade de chorar?
LOURDES: Tenho a escola como segundo lar do aluno. A primeira referência é a própria casa, os pais. Sua sociabilização se dá no lar, com os pais. Depois, quando começa a frequentar a escola, conhece sua segunda referência forte. Aí, enquanto vai crescendo, o jovem vai tendo contato com pessoas da escola professores, diretores, funcionários, os próprios coleguinhas. Aí se forma um vínculo muito forte, talvez até maior do que na sua própria casa, pelo número de horas em que permanece lá. Quando sai, há um corte umbilical. Por isso, quando circunstancialmente volta, anos depois, ele sente saudades, revive os bons momentos que passou na escola. Sente gratidão, ainda que as pessoas com quem convivera já não estejam lá. A escola existe, o lugar permanece.
CIDADÃO: Na solenidade desta quinta-feira houve uma homenagem ao deputado Julio Semeghini, que passou pela EELAS na juventude. Qual era o objetivo dessa homenagem?
LOURDES: Esse objetivo está extremamente ligado à atuação do Julio com respeito à reforma da escola. Quando aqui cheguei, tive a preocupação de melhorar a escola, mesmo que ela estivesse bonita a EELAS sempre foi muito bonita. Mas havia algumas carências, como a instalação de corrimãos, já que as salas de aulas são todas no primeiro ou no segundo andar. Começamos a lutar pela obtenção de verbas. A quadra coberta também apresentava deterioração: problemas no piso, na pintura, além de que chovia dentro, por problemas de impermeabilização. Essas coisas são complicadas, porque a escola recebe a visita dos técnicos, que fazem o orçamento, e aí começa a demora nas esferas burocráticas. A gente, então, recorreu aos préstimos do Julio, até porque ele é ex-aluno e atualmente um político que representa Fernandópolis. Como filho de Fernandópolis que é, ele tem um carinho especial pela escola. Mandamos ofícios, falamos com ele, pedindo sua intervenção. Ele agiu e para nossa felicidade conseguimos a verba da reforma um valor bastante significativo, R$ 700 mil. Depois, com o andar da carruagem, algumas coisinhas ficaram inacabadas e uma reforma tem que ir até o fim. Então continuei persistindo pelo término da obra. O Julio novamente interveio e conseguiu mais uma verba, não sei se é complementar, que possibilitou a finalização da reforma.
CIDADÃO: O que foi feito na quadra coberta?
LOURDES: Por enquanto, não aconteceram mudanças, só uma reforma geral mesmo. Ela foi toda pintada, houve a impermeabilização do telhado, e o piso que, por incrível que pareça, ainda é o mesmo taco que foi colocado da primeira vez e ficou muito bonito. A quadra está maravilhosa. Os responsáveis pela reforma disseram que aquele taco nem existe mais, é de uma qualidade incrível. Aliás, foi passado sinteco numa primeira vez e não ficou muito bom. Aí, como a diretora aqui é um pouco exigente (risos), chamei novamente os engenheiros. Daí, raspou-se novamente o piso e o trabalho foi refeito.
CIDADÃO: Quantos alunos a escola tem atualmente?
LOURDES: Hoje, tem cerca de 900 alunos. São 14 classes de manhã, nove à tarde e cinco à noite, da quinta série ao terceiro colegial.
CIDADÃO: Nas décadas de 80 e 90, o ensino público perdeu espaço para o privado, em razão da queda da qualidade. Hoje, parece haver uma revitalização da escola pública. O que pode explicar isso?
LOURDES: Vejo assim, e não sei se meu ponto de vista corresponde à verdade: teria havido uma desestruturação das famílias, e nessa desestruturação porque toda causa leva a um efeito os alunos ficaram meio alienados (essa apatia perdura até hoje). Os pais, vendo a queda de interesse dos filhos, passaram pelo menos aqueles com maior poder aquisitivo a levá-los para a rede particular, por saber que lá o filho teria um ensino mais atuante. Não que os professores da rede particular sejam milagrosos, mas lá há um grupo selecionado de alunos, onde é possível exigir mais, enquanto que na rede pública é preciso acompanhar toda a clientela, não se pode deixar ninguém para trás. O processo, então, é mais moroso, difícil. Porém, de uns tempos para cá, a sociedade está bastante preocupada com a educação, então podemos dizer que a escola pública está muito bem alicerçada no sentido do conteúdo, de materiais. O aluno hoje tem tudo na escola, não compra sequer uma borracha. Há livros maravilhosos, e agora há um projeto do governo de instituir um ensino todo apostilado, com material tanto para o aluno quanto para o professor. Isso tudo enriqueceu o ensino público em termos de conteúdo. Tenho muita esperança na escola pública. O resgate dos áureos tempos é lento, mas vai acontecer.
CIDADÃO: O estudante que sai hoje do ensino médio da escola pública tem chances reais no vestibular das escolas mais concorridas?
LOURDES: Sim, ele tem muitas chances. Tenho a alegria de dizer que todos os anos nós colocamos na USP, na UFSCar, na PUC, cinco ou seis alunos que se destacam. A gente às vezes recebe cartas das próprias universidades enaltecendo o aluno, dizendo que ele é destaque na instituição. Para nós, isso é muito honroso. Na semana retrasada, nos visitou um aluno que fez conosco o colegial ele se chama Anderson que está na USP, em São Paulo, e já é monitor, recebe uma bolsa por isso. Tem residência fixa na própria universidade. Na ocasião, deu uma aula para os nossos alunos do 3º colegial que nos deixou encantadas. Ele falou à meninada do valor da escola pública, e que lá é muito querido e citado pelos professores universitários como oriundo da escola pública.
CIDADÃO: Todos esses seus anos de Magistério valeram a pena?
LOURDES: Ah, valeram, sim! Sou uma profissional que coloca o coração no trabalho. Na verdade, eu tinha outras pretensões quando terminei a faculdade. Entretanto, por não ter as oportunidades que existem hoje para o aluno, fiz o que estava ao meu alcance. Já se vão 29 anos de Magistério e tudo foi muito gratificante cada dia, um aprendizado novo. Sou muito feliz naquilo que faço. Vou sair um dia, porque tudo tem seu tempo, mas quero, até o último instante, fazer tudo como sempre fiz. Quero sair com a satisfação do dever cumprido.