Ela tem apenas 1,48 metro de altura, e o marido brinca com ela, dizendo que não tem nem um metro e meio. Mas que ninguém se deixe levar pelas aparências: Neusa Vieira é uma leoa, quando pisam no seu calo que tem nome próprio e atende por Jardim Araguaia, bairro onde ela morou durante todos os seus 27 anos de vida. Casada com Eduardo, mãe de Nicole e filha dedicada de seu Célio e dona Nadir, Neusa se tornou conhecida na cidade nos últimos tempos, quando teve a coragem de subir à Tribuna Livre da Câmara de Vereadores para exigir providências no Jardim Araguaia. Repentinamente, ela se viu às voltas com microfones e entrevistas. Seria uma liderança natural que emerge do povo? Talvez sim, talvez não. Política, por ora, não está nos planos dela. Neusa só quer um bairro melhor para sua filha viver.
CIDADÃO: Você nasceu e se criou no Jardim Araguaia. Como foi a sua infância?
NEUSA: Realmente, nasci e fui criada no Araguaia. Estudei na Escola Fernando Barbosa Lima, e depois da aula ia para a então chamada Marcenaria hoje COFASP e participava da Casa da Sopa nos finais de semana. Como tive uma infância muito humilde, recebi o suporte dessas entidades. A minha mãe me colocava lá para que não ficasse na rua. Comecei a trabalhar muito cedo, desde os sete anos. Comecei como os grandes: o Silvio Santos, o seu Samuel Klain, das Casas Bahia...(risos) já que era vendedora de rua. Minha mãe colocava as coisas na minha carriola e eu vendia alface, abóbora, vassoura, mandioca. Fiquei muito tempo vendendo mercadorias na rua, no Jardim Araguaia e em outros bairros, como Paraíso, Ubirajara. Depois, trabalhei como babá, como doméstica, fui guarda mirim, trabalhei como recepcionista, vendedora...Gosto muito de trabalhar com o público, creio que tenho facilidade por ser falante e desinibida. Gosto de ler e escrever. Meu pai sempre me incentivou a ler e escrever.
CIDADÃO: Qual é a sua formação escolar?
NEUSA: Tenho o segundo grau completo. Quero cursar Pedagogia. Pretendo fazer esse curso no próximo ano. Mas o meu sonho, mesmo, era fazer Jornalismo ou Psicologia. Como as condições ainda não permitem, quero fazer pedagogia.
CIDADÃO: De onde vem essa vocação para liderar movimentos, como o atual, onde você luta por melhores condições de vida no Jardim Araguaia?
NEUSA: Acho que você está valorizando demais esse meu trabalho, não penso assim. Mas creio que um pouco se deve ao fato de ser pisciana, essa é uma característica do pisciano: ajudar os outros, envolver-se com as causas alheias e as causas coletivas. Eu desde muito cedo tive consciência das carências da minha comunidade, pois vim de família humilde cercada por outras famílias humildes, algumas delas em estado de total pobreza. Vivi na pele desde menina a falta de atenção para com o meu bairro. Por exemplo: você sabe que a casa da minha mãe foi inundada mais uma vez na semana passada. Passamos por muitos transtornos, já houve um dia em que não pude ir trabalhar porque minha casa ficou ilhada. Temos uma preocupação muito grande com a dengue, que é uma doença que mata, e o Araguaia tem muito mato e focos de dengue. Essa talvez seja a preocupação maior, mas também queremos mudar a cara do bairro, porque tenho um caso de amor com ele. Conheço as pessoas, muitas delas estudaram comigo, as amizades são grandes. Quero que os moradores se sintam confiantes, porque temos uma possibilidade de mudar as coisas. Se a gente se unir, pode mudar a história. Não posso mudar o mundo, mas posso mudar minha realidade.
CIDADÃO: Recentemente, você foi sozinha à Câmara Municipal e disse que queria reclamar com os vereadores da situação do Araguaia. Pra falar a verdade, você nem sabia direito como proceder. Depois, por sugestão de algumas pessoas, você usou a Tribuna Livre da Câmara e se saiu muito bem, até se tornando conhecida na cidade. Mudou muita coisa na sua vida, nas últimas semanas?
NEUSA: Mudou muito, porque eu acabei ganhando uma certa notoriedade e porque as pessoas passaram a me procurar, para dizer que ouviram a Tribuna Livre pelo rádio, descobri que ela tem um alcance muito grande, nem suspeitava que a audiência das sessões pelo rádio fosse assim. Também os jornais impressos, como no caso do CIDADÃO, que fez duas matérias sobre o bairro e que tiveram muita repercussão. Assim, acabei ficando bem mais conhecida na cidade, e também acabei tendo acesso à prefeitura, pude ver de perto alguns projetos, vi como funciona. Aprendi bastante, principalmente sobre os meios de desenvolver esse trabalho, coisa que há muito tempo eu queria fazer. Mesmo a questão da falta de liderança de bairros, e da desativação da Associação de Moradores, eram assuntos que me preocupavam?
CIDADÃO: O Araguaia está mesmo tão abandonado?
NEUSA: Está, sim. Agora, o prefeito está providenciando melhorias, mas que ainda não foram efetivadas. Mas estamos confiantes, até pelo fato do prefeito ter ido lá pessoalmente (NR: no último sábado, 20/03) e ter olhado de perto as nossas necessidades. Isso passa uma certa confiança, não só para mim como para todos os moradores. Mas o bairro está abandonado, sim, em vários setores. Por exemplo: há essa área que pertence à prefeitura, na qual a gente reivindica que seja construída a sede da associação de moradores, o campo de futebol, que está com as traves quebradas e o piso é puro pedregulho; tem uma área onde é possível fazer uma praça arborizada. Nós reivindicamos uma ronda escolar, ou um posto policial, para inibir a ação da marginalidade. São vários pontos em questão. O asfalto é de suma importância, para melhorar a qualidade de vida dos moradores. É uma série de questões que vamos colocar em discussão nessa reunião de domingo (amanhã) e procurar o caminho mais curto para chegar às soluções.
CIDADÃO: Amanhã acontece a reunião, às 15h, na Escola Fernando Barbosa Lima, com os moradores do Araguaia e do Terra das Paineiras. Vocês vão apresentar uma chapa, chamada AATP. Quem compõe essa chapa?
NEUSA: A AATP significa Associação, Ação, Trabalho e Participação, e tem um segundo significado, que é Associação do Araguaia e Terra das Paineiras. Na chapa, que propõe entre outras coisas fazer reuniões mensais para discutir as questões do bairro, seja na escola, seja no CCI, e onde qualquer pessoa do bairro poderá comparecer para fazer denúncias e sugestões. Amanhã, é importante que os moradores compareçam, inclusive para conhecer de perto os integrantes da chapa, que tem o meu nome na presidência, a Marli Regina Lameiro dos Santos, vice-presidente, a Elizabeth Alegrini, primeira secretária, o Sérgio Luiz dos Santos, segundo secretário, o Luiz Carlos Antonio Mariano, primeiro tesoureiro, o Lucidio dos Santos, segundo tesoureiro, além dos membros do conselho fiscal e dos suplentes, como a Marilda, o Fábio, o seu Francino Rocha, o seu Joaquim. O diretor de esportes e lazer será o Toni, tendo como segundo diretor o Luizinho da Farmácia. O diretor social e cultural será o Pela, e o segundo diretor é o José Faria dos Reis, o Zezinho. Há outros nomes, infelizmente não estou com a lista, mas todos já confirmaram participação.