Carlão, como ele é conhecido na cidade, está preocupado com os rumos da saúde pública. A epidemia de dengue ora em curso que atinge cinco cidades do noroeste paulista, inclusive Fernandópolis - é apenas um viés, diz Carlão, de um problema macroestrutural que vem de longa data. Nesta entrevista, ele conta por quê. Carlos Alberto Rodrigues de Lima é formado em Farmácia e Bioquímica pela Unoeste, de Presidente Prudente, com títulos de especialista em análises clínicas pela Sociedade Brasileira de Análises Clínicas e de Microbiologia pela Unesp de Araraquara; é ainda especialista em Marketing e Recursos Humanos e mestrando em Bioquímica Clínica pela Famerp de São José do Rio Preto. Nascido e criado em Fernandópolis, é casado com Miriam e tem um filho, Lucas.
CIDADÃO: A dengue é uma virose?
LIMA: Sim. É uma virose transmitida pelo aedes aegipty, que é o mosquito transmissor da dengue e também da febre amarela.
CIDADÃO: Quais são as condições ideais de proliferação do mosquito?
LIMA: Na realidade, a introdução da dengue no Brasil se deu por volta de 1986. É uma doença muito recente, e nos últimos tempos temos visto algumas variações da dengue. Há também o aedes albopictus, que é um mosquito importado da África e que passou a competir, a partir de um determinado momento, com o aedes aegipty. Só que este é mais forte e empurrou o albopictus para a zona rural. Como vivemos numa região endêmica, principalmente por causa das zonas confrontantes Mato Grosso do Sul, o sul de Goiás, regiões que têm números mais acentuados na questão da febre amarela, a nossa região sempre esteve em estado de alerta. Com o crescimento de casos de dengue, devido às condições favoráveis à proliferação do aedes aegipty, a dengue passou a apresentar riscos nos seus quatro tipos diferentes a que mais temos visto nos últimos tempos é a dengue do tipo 3. Todos nós corremos o risco de contrair dengue quatro vezes, nos seus quatro tipos. A dengue debilita o sistema imunológico de uma forma muito agressiva e também o número de plaquetas, que estão relacionadas com a coagulação sanguínea. O indivíduo pode ter uma hemorragia e chegar ao óbito. É uma doença muito perigosa.
CIDADÃO: Anos atrás, o sr. afirmou que, devido às políticas públicas da área de saúde que vinham sendo adotadas pelo governo, algumas doenças tidas como já erradicadas poderiam reaparecer. Efetivamente, isso está acontecendo. Qual é o motivo?
LIMA: Para se estabelecer políticas públicas, é preciso conhecer o passado, observar o presente e antever o futuro. Temos visto que essas políticas não são persistentes nas suas ações, e não há um monitoramento de acordo com as características. Se observarmos um mapa regional, constataremos que são poucas as cidades que têm prévio conhecimento das doenças que mais as afetam. No relatório do Ministério da Saúde, consta que 10% dos óbitos são causados por doenças parasitárias ou infecciosas. Se esse número é altamente expressivo, por que as ações não são constantes? Por que, entra ano e sai ano, nós beiramos a epidemia de dengue ou mesmo entramos nela? Não adiante simplesmente promover ações nos bairros; é preciso que as ações sejam contínuas e permanentes, com monitoramento dos acontecimentos. Tudo isso depende dos órgãos públicos. A adesão do cidadão às campanhas depende de sua crença no sistema público de saúde. Isso, porém, não acontece, porque o cidadão brasileiro está descrente, seja porque ele não encontra os medicamentos de que necessita, seja porque o atendimento não é compatível; portanto, quando requisitado para participar de ações, ele passa a não aderir. Ele passa a achar normal o caos institucionalizado no sistema de saúde pública. Assim, o país não ganha degraus no cenário mundial, porque estamos convivendo com doenças velhas, além das doenças novas, que deixam o cidadão refém de um sistema que não tem funcionado a contento.
CIDADÃO: No caso específico da dengue, de quem é a culpa maior? Das autoridades sanitárias ou da população, que, como alegou um dirigente de saúde à imprensa, não segue as orientações das campanhas governamentais?
LIMA: Como disse, a população não adere às campanhas por falta de confiança. Ela não consegue enxergar os resultados. Entendo que o poder público deva ter ações mais persistentes, com monitoramento constante e que, principalmente, ele demonstre através de resultados numéricos a redução da incidência de doenças, fazendo com que a população se sinta protegida.
CIDADÃO: Não há um erro de estratégia na ação dos agentes de saúde? Em vez de limpar os criadouros da larva do mosquito, não seria melhor ensinar os moradores a limpá-las?
LIMA: Não sei exatamente como é a política praticada in loco pelo agente de saúde. O que é importante é que a ação educacional é fundamental em qualquer processo seja o comprometimento dos professores com seus alunos, numa ação de orientação, seja nas ações provocadas pelo gestor público no combate e erradicação da dengue. São ações que têm que estar ligadas a um processo contínuo, com o envolvimento das entidades assistenciais, porque possuem uma estrutura organizacional muito boa, e que passem a produzir ações contínuas e persistentes. O que não há, neste mundo moderno, um planejamento eficiente. Hoje, se for colocada uma bomba atômica ou bomba de antraz, como queira quais são as ações que o município tem para proteger seus cidadãos? Nenhuma, evidentemente. Essas estratégias de longo prazo têm que existir, e a população deve ser preparada para agir de forma a defender o bem mais importante, que é a vida. Nesse modelo moderno, são poucos os países que se organizam de forma eficaz para se defender de situações emergenciais. Veja o caso dos terremotos, no Haiti e no Chile? Quem estava mais preparado para enfrentar o problema? É isso. É obrigação do sistema de governo, seja no município, no estado, no país, estipular políticas de proteção aos cidadãos. A falta disso pode até mesmo custar a quebra de estrutura de uma Nação.
CIDADÃO: Existem muitas dúvidas sobre a pulverização, que deixou de ser feita em Fernandópolis anos atrás, sob a alegação de que teria se tornado inútil. Agora, a prefeitura voltou a fazê-la. Afinal, ela funciona ou não?
LIMA: Mais eficiente do que a pulverização é controlar os criadouros, e para isso devemos observar galerias, calhas, bueiros, instalações abertas. Por isso é que a ação tem que ser educacional e com aglutinação de todas as forças da sociedade. A pulverização é parte do processo, e deve existir, sim. Outra coisa importante nesse processo complexo de combate a dengue, e que é importante citar, é a relevância que tem a participação dos meios de comunicação. Outro dia, eu disse na Rádio Difusora, que seria importante o locutor dizer algo assim: Dona Maria, olha o arroz no fogo, não deixa queimar; e olha também no seu quintal, pra ver se não há alguma lata servindo de criadouro pro mosquito da dengue! Ora, se você tem um veículo capaz de produzir mudanças comportamentais que sejam positivas para o bem-estar comum, isso deve ser feito.
CIDADÃO: As epidemias de dengue ocorrem na maior cidade da região (Rio Preto) e em três cidades pequenas (Ipiguá, Santa Albertina e Nova Granada). Assim, Fernandópolis, de 62 mil habitantes, é a única cidade média da região a sofrer uma epidemia. Como se pode explicar isso?
LIMA: Está muito claro no relatório de 2007 do Ministério da Saúde que 50% das cidades com menos de 100 mil habitantes são as mais afetadas. Isso acontece porque normalmente as cidades com menos de 100 mil habitantes praticam um sistema político antigo. As ações são mais superficiais, não produzem modificações significativas em termos de comportamento e de desenvolvimento, e que principalmente sofrem solução de continuidade. Um município não pode esperar que sua população cresça através dos nascimentos - o crescimento vegetativo - até porque esse índice vem caindo drasticamente no mundo todo; é preciso investir mesmo é na mudança de comportamento. O mundo vem ganhando uma nova consciência, que passa por todos os setores. Se 50% dos municípios com menos de 100 mil habitantes têm sérias deficiências nos seus respectivos sistemas de saúde, é preciso rever planos.