Corria o ano de 1910, em Brumado BA, quando Mariana de Jesus Pereira nasceu. Em família numerosa, ela desde cedo ajudava nos afazeres domésticos. Adorava cortar lenha, subir e descer morros. Trabalhar na roça era necessário, mas estava longe de ser prazeroso. Essas informações e alguns outros detalhes que serão narrados nesta reportagem foram extraídos de uma história longa e verdadeira, contados pela própria personagem que completará 100 anos no próximo dia 5 de maio.
Mariana chegou a Fernandópolis com alguns parentes que vieram procurar trabalho e melhores condições de vida no estado de São Paulo. Após percorrerem quase todo o estado, acabaram chegando por aqui. O fato é que em 30 de junho de 1964, Mariana foi morar no Asilo São Vicente de Paulo. A assistente social Carmem de Souza, que trabalha na entidade há 14 anos, explica que quando dona Mariana entrou na associação o prédio ainda nem era esse e durante todos esses anos ela saiu algumas vezes para morar em outros lugares, mas acabou voltando. Ela se sente bem aqui, tem amigos e faz parte da história desta casa.
A anciã nunca teve filhos, mas se casou quando já estava no abrigo. Ela e Avelino Honório Machado se conheceram lá mesmo e resolveram se casar. Saíram do parque e foram morar na cidade. Avelino, porém, morreu em 1988. Um enteado levou dona Mariana para morar com ele, mas ela não se adaptou e pediu para voltar ao asilo. Sua vontade foi respeitada e até hoje ela recebe visita da família do marido, que mora a mais de 300 quilômetros de Fernandópolis. Se Avelino estivesse vivo completaria este ano 113 anos.
FLORES
Em cada canto da entidade tem um pouquinho da dedicação de Mariana. As flores do jardim sempre foram sua maior distração. Cuidava de todas com muito carinho, plantava, regava, podava. Há dois anos, contudo, Mariana começou a perder as forças nas pernas, ficou fraca e acabou por se refugiar numa cadeira de rodas. Hoje, o jardim é apenas uma bela paisagem para ela, que não se cansa de admirá-la.
Muitas refeições foram preparadas com a ajuda dela. Como era forte e adorava trabalhar, passava seu tempo ajudando os colaboradores da entidade. Claro que isso acontecia quando não estava costurando os retalhos e fazendo tapetes para vender. Ter um dinheirinho guardado era essencial para ela.
Os colaboradores da entidade estão preparando para o mês de maio uma grande festa. Serão os 100 anos de Mariana e todo mundo quer comemorar. Como ela mesma diz, amigos são como chuva, tenho de monte. Nessa hora, um largo sorriso surge em seu rosto cansado, marcado por um tempo que agora só existe na memória já vencida pelos anos. Com muito jeito, no meio da conversa, Mariana sempre dá um jeitinho de dizer não tenho ciência, quando não consegue se lembrar de fatos ou números, mas sempre se esforça para prolongar o bate-papo. A mente é exercitada nas visitas que recebe. Conhecida pela comunidade e em especial pelos vicentinos, nunca fica muito tempo sem receber a visita de alguém.
A reportagem foi carinhosamente interrompida várias vezes. Também, não há quem resista a dar um beijinho em dona Mariana quando passa por ela. Há ainda aqueles que ela faz questão de pegar na mão, fazer carinho e arriscar ler a sorte. Nas mãos do administrador Bego ela encontrou uma cruz e logo aliviou dizendo: essa cruz é boa, vai trazer sorte.
E a visão da morte? Até disso dona Mariana extrai uma informação otimista, construtiva: conta que o enteado mantém entre seus documentos, anexada a uma foto da anciã, uma declaração de vontade na qual expressa o desejo de que ela seja sepultada ao lado do velho Avelino, no jazigo da família.
Ao fim da conversa, a reportagem solicitou autorização para fotografá-la. Feitas as fotos, estas lhe foram exibidas no visor. Sou eu mesma!, espantou-se Dona Mariana, ao ver a mágica de um aparelho digital. Coisa certamente impossível de imaginar, na juventude de alguém que está perto do centenário. No ano em que ela nasceu 1910 deu-se a primeira passagem do Cometa de Halley no século XX...