Conversando em bom português

20 de Agosto de 2025

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Conversando em bom português
A professora Eliana Martins Jacob Fernandes de Almeida é uma verdadeira instituição em Fernandópolis. Na falta de um “Aurelião” ou de uma gramática à disposição, todo mundo telefona para ela. Depois de 20 anos trabalhando na FEF, Eliana partiu agora para o desafio de ministrar aulas particulares especiais para interessados com propostas idem. Graduada e com mestrado em Letras pela UNESP de Rio Preto, a única filha mulher de Ely e Fernando Jacob é casada com José Tadeu e mãe de José Tadeu Filho e Isabela. E, quem diria, ela já é avó – do pequeno Caio, seu xodó. Nesta entrevista, Eliana fala do ensino no Brasil, da reforma ortográfica recentemente sancionada e de Fernandópolis, sua cidade natal – este, aliás, um tema recorrente nas suas conversas.


CIDADÃO: Como tem sido, através desses anos todos, a luta para ensinar aos alunos essa coisa complicada chamada língua portuguesa?

ELIANA: É uma tarefa árdua, porque pessoas, de um modo geral – especialmente os jovens – até sabem falar direito, mas, ao que parece, na linguagem informal eles cometem deslizes conscientemente. Eles sabem quem devem falar “nós vamos”, mas preferem falar “nóis vai”, o que em princípio causa a impressão de que nossa tarefa não foi cumprida. Aparentemente, os jovens têm “vergonha” de falar corretamente. Preferem partir para o deboche.

CIDADÃO: O ato de escrever errado não é mais grave do que o de falar errado?
ELIANA: Exatamente. No estudo da língua, há uma divisão entre a linguagem coloquial e a culta. A coloquial é a do dia-a-dia, mesmo, ninguém fica se policiando muito para falar certo. Costumo dizer aos meus alunos que, na hora de escrever, a preocupação tem que ser sempre maior. E quem quer se expressar bem tem que ter intimidade com as palavras.

CIDADÃO: Mas como os jovens podem desenvolver essa intimidade, se há estudos que provam que eles leem cada vez menos?
ELIANA: As estatísticas mostram que, no Brasil, as pessoas leem em média 1,3 livro por ano, enquanto que, em outros países, essa média chega a sete livros. Por outro lado, a gente vê, cada vez mais, os livros do Paulo Coelho batendo recordes de venda, a Lya Luft vendendo muito, o Augusto Cury, um escritor aqui do interior, com seguidas edições nas bancas...então, há muita vendagem de livros, mas esse material não está sendo consumido pelos adolescentes, creio eu. Durante muitos anos, lecionei Metodologia da Pesquisa. Quando falava em resenhar livros, por várias vezes vi alunos levantarem a mão e dizerem: “Professora, eu nunca li um livro inteiro!”. Alunos de faculdade, que ali chegarem sem jamais concluir a leitura de um livro! Então, falta realmente o hábito da leitura neste país.

CIDADÃO: O que você acha dessa “nova língua” que os jovens desenvolveram via internet, MSN? Que problemas poderão advir disso?
ELIANA: De imediato, acho interessante a questão da comunicação. O jovem nunca se comunicou tanto quanto hoje em dia. Mesmo com esse crivo diferente, já que é uma linguagem totalmente paralela, o fato é que a comunicação melhorou muito. Crio que essa linguagem paralela não interfere muito, porque o jovem sabe quando tem que usar essa maneira de escrever e a maneira “normal”. Não percebo na escola pública, por exemplo, onde tenho muitos alunos adolescentes, formas de expressão à base do “entaum”, do “blz” que eles usam no computador. O jovem sabe separar as coisas.

CIDADÃO: A reforma ortográfica, que foi assinada recentemente pelo Brasil e os demais países “lusófonos”, tem algum defeito grave, em sua opinião?
ELIANA: Acho que sim. Aliás, ouso ter a pretensão de dizer que ela é desnecessária. Isso vai exigir um investimento muito grande para a correção de tão pouco. O caso do hífen, por exemplo, ficou complicadíssimo. Já era difícil explicar as regras do hífen; e a comissão responsável, em vez de simplificar as regras, complicou ainda mais, porque inventaram novas regras, algumas delas desmembradas em duas ou três. Eu tenho um curso pronto da reforma ortográfica, e a princípio meu objetivo era mostrar a regra antiga e a atual. Depois, pensando melhor, “deletei” essa proposta, de tão complicada que ficou a regra nova. Essa reforma complicou, por exemplo, a acentuação. A gente acentuava “idéia”, “assembléia”; o que aconteceu? Dividiram essa regra em duas. Você continua acentuando ditongo aberto se ele estiver no final da palavra – se for oxítona -; mas se for no meio, não. Desse modo, você não acentua “ideia”, mas “herói”, sim. Qual o objetivo disso? Simplificar é que não foi. Por outro lado, mudanças muito mais importantes, que até já estão adotadas de vez no dia-a-dia, não foram incluídas. Seria melhor, por exemplo, legitimar a mudança na regência verbal de “eu assisto ao jogo” – porque ninguém fala assim – ou “eu prefiro isso àquilo”. Os critérios são estranhos. Os alunos sempre perguntam por que isso aconteceu, e nem temos como explicar.

CIDADÃO: O que você achou da queda do acento de vocábulos como “pára”, do verbo “parar”? Isso não provoca construções estranhas em algumas frases?
ELIANA: Acho que a ambiguidade vai acontecer. Esse caso, o do verbo “parar”, tinha que ter acento. Vai dar confusão, sim.
CIDADÃO: “Ao meio-dia, a equipe para para almoçar”...
ELIANA: Olha aí. Outra coisa: o argumento para justificar essa reforma é tão vazio, que ninguém sabe apontar a existência de um comércio significativo entre esses países de língua portuguesa, ou turismo entre eles. Você já viu alguém dizendo: “No próximo verão vou pro Timor Leste”? Então, fazer todas essas mudanças em países sem intercâmbio cultural ou econômico, não se justifica. Pense nos gastos para alterar enciclopédias, livros e tal.

CIDADÃO: Em seu curso, você dá aulas particulares especiais para executivos, profissionais liberais, gente interessada em prestar concursos, etc. O que as pessoas com esses perfis buscam?
ELIANA: Eu trabalho com muitos alunos já formados que vão prestar medicina, por exemplo. Outros profissionais, que visam aos concursos públicos, procuram principalmente noções de gramática e redação. Parte da aula eu dedico ao estudo gramatical; depois, a gente discute um texto, e parte para a produção de uma redação. É isso: aperfeiçoar o português do interessado, tanto na gramática quanto na redação.

CIDADÃO: Você também é professora efetiva da escola “Saturnino Leon Arroyo”. Como vai o ensino público?
ELIANA: Acho que poderia estar melhor, embora haja muito empenho dos profissionais. Falta estímulo – e o principal estímulo, sejamos francos, é o salário. Não vemos aumento há muito tempo. Agora, inventaram uma prova. Quem quiser ter aumento terá que passar por uma prova, mesmo sendo professor efetivo. No começo do ano, recebemos um cujo critério nem sabemos qual é. Ora, o professor não sabe o que tem que fazer, ou deixar de fazer, para merecer esse bônus! É complicado. Falta também o envolvimento da família, que já não é como antigamente. O professor precisa do respaldo dos pais.

CIDADÃO: Você nasceu numa família tradicional da cidade, e optou por sempre viver em Fernandópolis. Como você vê a cidade hoje. Ela está progredindo?
ELIANA: Sou muito otimista em relação a isso. Acho que a cidade melhorou muito, principalmente na área da Educação. A existência das duas instituições de ensino, FEF e Unicastelo, atrai gente de regiões distantes, isso mudou o perfil de Fernandópolis. Encontramos praticamente tudo de que precisamos no comércio local – e eu sou daquelas que valorizam o nosso comércio, considero isso nossa obrigação. Fernandópolis é um ótimo lugar para se viver. Meus irmãos sempre me diziam para buscar oportunidades lá fora, mas aqui nunca me faltou trabalho, nem para o meu marido. Agora, meus filhos também estão se encaixando. Não me imagino em outra cidade, gosto de sair na rua e ver que conheço todo mundo, que sou reconhecida por todo mundo. Com 26 anos dando aula, não há uma loja ou restaurante onde eu entre que não tenha alguém que foi ou é meu aluno – ou, pelo menos, que tenha um filho aluno meu. Isso é muito gostoso, não troco isso por nada. Em qualquer canto da cidade eu me sinto em casa.