A polêmica está instaurada. De um lado, a Cesp Companhia Energética de São Paulo ou as concessionárias dos seus direitos, como a AES Tietê, que explora a Usina de Água Vermelha. De outro, os chamados rancheiros denominação dada aos proprietários de residências de lazer construídas em condomínios às margens do Rio Grande e principalmente dos seus afluentes (Pádua Diniz, Marinheiro, Aroeira e outros) que, por força da construção da barragem, deixaram de ser pequenos cursos de água para se transformar em imensos braços do lago. Alegando questões ambientais, as empresas processam os rancheiros, que se defendem sob o argumento de que são eles que cuidam verdadeiramente da Natureza. Na última quinta-feira, CIDADÃO reuniu dois proprietários de ranchos o advogado Jurandy Pessuto, do Condomínio Entre Rios, e o médico Orlando DIncao Gaia, que preside o Condomínio Paraíso além do contador José Roberto Alvarenga, responsável pela escrita fiscal do condomínio. O jornal abriu o debate, no qual foi possível notar que os rancheiros estão abertos ao diálogo e à negociação.
CIDADÃO: A área em litígio é muito extensa?
GAIA: O espaço ocupado no entorno da represa é uma insignificância, que não vai alterar nada no meio ambiente e muito menos na produção de energia.
CIDADÃO: O condomínio tem regras relativas ao meio ambiente? O que consta em relação a isso?
GAIA: O estatuto é bem claro. Ele dispõe que o condômino deve adotar práticas de recomposição do meio ambiente, aliás, se os rancheiros modificaram o meio ambiente, como o IBAMA alega, foi para melhor, no sentido de evitar a erosão e a degradação que é comum nas áreas não-pertencentes aos rancheiros. O proprietário rural não cuida da pseudo-mata ciliar porque a verdadeira mata ciliar ficou debaixo dágua. É possível comprovar, pelas fotografias aéreas, que a vegetação dos ranchos é uma ilha verde no meio de um pasto seco. Acho que nós não alteramos, no sentido de degradar, o meio ambiente. Se plantar árvores é degradar, então não entendo mais nada.
CIDADÃO: Se os rancheiros quiserem, eles podem criar uma nova mata ciliar? A lei permite essa prática?
GAIA: Por definição, a mata ciliar é a mata natural a que ficou submersa.
JURANDY: Isso seria obrigação da Cesp e da AES Tietê, que não o fizeram. Quando desenvolveram o projeto da usina, na área de 15 metros, que eles dizem que é deles, e onde querem demolir toda e qualquer acessão, eles é que tinham que plantar as árvores. Chegaram até, em certa época, a contratar a empresa do Julio Camargo para plantar árvores. Só que, como ninguém cuidou, essas árvores não vingaram. Gastou-se dinheiro à toa. Se, em vez disso, as empresas procurassem os rancheiros e propusessem que nós assumíssemos o reflorestamento de uma determinada área, tudo bem. Nós cuidaríamos. Sabemos, por exemplo, que é preciso ver que tipo de árvore plantar, porque o nível da água varia, e quando ela sobe, acaba matando os tipos de planta que não se adaptam aos alagamentos. Tenho um pé de jenipapo no meu rancho. Meu vizinho plantou mudas dele num nível mais baixo, aonde a água chega. As mudas morreram.
CIDADÃO: Mas isso a oscilação da cota dágua, não acontece por causa da seca, e sim por causa do abrir e fechar de comportas, não é?
GAIA: Pois é. E os culpados pela degradação ambiental somos nós...
JURANDY: Imagine quantos milhões de peixes não morrem nesse sobe-e-desce! Além disso, o peixe põe os ovos, e essa oscilação acaba expondo os ovos ao sol, que os mata.
GAIA: É verdade. Isso é facilmente observável nos paus e troncos submersos, que quando ficam fora dágua, estão cheios de ovas de peixe. Principalmente ovas de tucunaré.
CIDADÃO: Afinal de contas, a tal cota da faixa de segurança é mesmo de 15 metros?
ALVARENGA: Sim, essa é a cota da AES, são as cotas 383 e 384. Ali não se pode construir nada. Depois, tem mais 30 metros de prevenção, de segurança.
GAIA: Sim, e aí veio o IBAMA e meteu 100 metros! O deputado Julio Semeghini está lutando em Brasília para ver se reduz essa cota de 100 metros.
JURANDY: (exibindo fotos do local do condomínio, em 1993): Olhe como era o local, no início da minha construção, e veja as fotos de agora! Você degradação ou evolução ambiental?
GAIA: Justamente. Não entendo como alguém pode afirmar que isso representa uma alteração negativa do ecossistema. Outra coisa: no nosso loteamento, todas as casas têm um sistema de fossa-filtro concretada.
ALVARENGA: Essa fossa purifica a água em mais de 90%, ela fica quase reaproveitável da forma como sai das fossas embora isso não aconteça.
GAIA: O engenheiro criou esse tipo de fossa para localidades que não dispõem de esgoto, como Brasitânia e o Povoado do Sol. Essa fossa é destinada a uma residência de uso diário de oito pessoas. Ora, o rancho não tem oito pessoas continuamente.
ALVARENGA: Só para constar, o projeto das fossas é do engenheiro João Hashijumie.
GAIA: Então, é uma fossa que eventualmente poderia poluir, mas só se houver super-ocupação do rancho, e por muitas semanas. Isso não acontece. Ela não polui o lençol freático.
CIDADÃO: Quem figura como requerente nessas ações judiciais?
JURANDY: No caso da região de Fernandópolis, é a AES Tietê. No caso de Três Lagoas, onde o juiz Marcio Rogério Alves decidiu a favor dos rancheiros, a barragem ainda é da Cesp. Na nossa região, a concessionária é a AES Tietê, geradora de energia na Usina de Água Vermelha.
CIDADÃO: E o que ela pede, concretamente?
JURANDY: A demolição daqueles banquinhos, cercas, rampa de acesso de barcos, postes de luz, bases de cimento, etc. Eles requereram uma liminar, com multa-dia, mas o juiz não acatou esse pedido. A liminar não foi concedida. Eles pediram uma multa diária de R$ 5 mil!
GAIA: Santa mãe! De quem é esse caso?
JURANDY: De todos nós. Esse pedido foi feito em cada ação...
GAIA: Deve haver uns 200 rancheiros ou mais na nossa região. Acho que as autoridades ambientais deveriam se preocupar mais era com a destinação que algumas cidades dão ao esgoto doméstico. Gostaria também que essas mesmas autoridades fossem conhecer os condomínios existentes na região, para verem como a fauna está ficando novamente exuberante. Você se surpreende com os bichos que aparecem por lá. Outro dia, passou um bando de araras sobre o rancho acho que reuniram todas as araras de Minas Gerais. Parecia um congresso de araras, de todas as cores!
JURANDY: No verão, se você pegar um barco e navegar pelo Pádua Diniz, logo que chega ao lago, você verá umas árvores do lado direito onde, à tardinha, as garças e biguás se recolhem para dormir. Você não consegue ver uma folha das árvores, parece um ninhal do Pantanal. É uma coisa riquíssima.
GAIA: Ali é um lugar de sossego, de refrigério, onde você se sente num ambiente ideal. Se os animais estão voltando, é sinal de que a natureza está se recuperando. Onde está a tal degradação produzida pelos rancheiros?
JURANDY: É preciso lembrar também que estão em jogo direitos constitucionais, como o da propriedade e ao lazer. Não estamos fechados à negociação com as empresas.
ALVARENGA: Inclusive, quando veio a multa, os condomínios fizeram uma proposta ao IBAMA: a de reflorestar a área que a própria empresa deveria reflorestar, e não o fez. O IBAMA indeferiu o pedido. Isso deveria ter sido feito há 30 anos.
JURANDY: Vejam o que o juiz Márcio Alves escreveu em sua sentença: não me abstenho de afirmar categoricamente que muito mais resultado na proteção do meio ambiente, na linha de respeito ao desenvolvimento sustentável, seria obtido se houvesse uma parceria entre a Cesp, os rancheiros e os órgãos ambientais para a consecução efetiva de projetos de regeneração e conservação ambiental. Eis a síntese do bom senso.